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O mercado está otimista demais com a queda da Selic, diz Werner Roger, da Trígono Capital

Fundador e CIO da principal gestora de small caps do país vê risco de corte de juros ser menor que o esperado e alerta para resultados do 2º e 3º trimestre

Werner Roger: 'o mercado financeiro sobe no boato e cai no fato' (Leandro Fonseca/Exame)

Werner Roger: 'o mercado financeiro sobe no boato e cai no fato' (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 22 de julho de 2023 às 07h16.

Última atualização em 2 de agosto de 2023 às 14h24.

O mercado antecipou demais o ciclo de queda da taxa Selic e pode se surpreender negativamente. Este foi o alerta feito por Werner Roger ainda nos minutos iniciais de sua entrevista à Exame Invest. Werner é CIO e fundador da Trígono Capital, gestora que se tornou referência em small caps no país.

O gatilho de queda das ações, segundo Roger, pode começar a vir agora, com a temporada de resultados do segundo trimestre.

"Os balanços do segundo e terceiro trimestre ainda serão ruins e poderão frustrar as expectativas mais otimistas, provocando realizações de lucros. O ditado diz que 'o mercado financeiro sobe no boato e cai no fato' e isso poderá voltar a acontecer", afirmou.

Para Werner, a intensidade do ciclo de queda de juros ainda está pouco clara, podendo ser menos intensa do que o esperado. "Qualquer frustração pode levar a uma inclinação do juro futuro para cima. Aí a perda seria grande."

Diante do cenário, Werner tem optado por passar longe de ações de empresas cíclicas. Construtora, varejista ou administradora de shoppings centers, por exemplo, não entram em seus fundos. "Não temos nada. Nenhuma posição em nenhum dos fundos."

Suas maiores apostas são nos setores de agronegócio, indústria de bens de capital e em commodities. Fiel à filosofia do investimento de longo prazo, tem carregado suas principais posições ao longo dos anos, chegando a se tornar sócio relevante em algumas delas, como Kepler Weber, Ferbasa, Tupy e Unipar.

A convicção e concentração em poucos nomes têm feito seus fundos terem retornos descorrelacionados com o dos principais índices de ações. Seu maior fundo em número de cotistas é o Delphos, com mais de 35 mil investidores. Desde sua criação, em 2018, o fundo rendeu 218% contra 36,70% do Ibovespa até o fim de junho.

Confira abaixo a entrevista com Werner Roger, CIO da Trígono Capital.

(Leandro Fonseca/Exame)

Há fundamento nas recentes altas na bolsa, especialmente em setores ciclos?

O mercado está antecipando a queda da Selic, especialmente em ações de varejo, educação e construção. Mas os balanços do segundo e terceiro trimestre ainda serão ruins e poderão frustrar as expectativas mais otimistas, provocando realizações de lucros. Não haverá tempo de as empresas exibirem uma melhora. O ditado diz que "o mercado financeiro sobe no boato e cai no fato" -- e isso poderá voltar a acontecer.

Por enquanto o mercado está otimista com a queda de juros.  Mas além do corte esperado para agosto, vai depender muito de como a ata do Copom irá desenhar o ciclo de queda de juros. O índice [Ibovespa] subiu de forma bastante otimista.

Como a Selic ainda elevada vai afetar o balanço das empresas?

Com a Selic a 13,75%, as empresas pagam um juro ainda maior ao ano. A despesa financeira deve ter um efeito muito maior, mesmo que tenha algum crescimento operacional. O lucro líquido vai ser corroído. Muitas vezes, o juro não é pago, mas rolado, aumentando a dívida.

O consenso do boletim Focus indica Selic a 12% no fim do ano e 9% para o ano que vem. Esse ciclo de queda de juros pode ser menos intenso do que o mercado espera?

A primeira queda da Selic deverá ocorrer em agosto, com intensidade de 0,25 ou 0,5 ponto percentual. Mas ainda está muito nebuloso o cenário para as próximas decisões. Há dúvidas sobre a velocidade da queda de juros, ainda mais que o Banco Central é bastante conservador no sentido de reduzir a taxa de juros.

Como isso poderia afetar o mercado?

O mercado precificou bastante a queda de juros. Qualquer frustração pode levar a uma inclinação do juro futuro para cima. Aí a perda seria grande.

O momento ainda é de ficar em empresas pouco alavancadas?

Com certeza. Os bancos devem ficar mais seletivos na concessão de crédito. O nível de endividamento das pessoas físicas está no máximo, com muita inadimplência. O efeito Americanas também retraiu o mercado de capitais, que suplementa os bancos. Os bancos estão no limite e querem reduzir a oferta de crédito, especialmente os piores.

A expansão econômica, que deve ocorrer novamente, aumenta a necessidade de capital de giro. Precisa de mais material para comprar matéria-prima, produzir e vender a prazo. Estamos ainda na parte anterior do ciclo. O Brasil voltará a crescer e a demanda por crédito vai aumentar. Vamos ver como os bancos vão se comportar.

Algum setor deve se prejudicar mais nesse cenário?

As ações das construtoras subiram bastante neste ano. Mas temos visto o número de distratos aumentar nas prévias das construtoras. Isso pode acontecer no momento em que todos os lançamentos de três anos atrás chegarem simultaneamente no mercado, com bancos retraídos e o comprador sem dinheiro para pagar. Podemos ter um movimento semelhante ao de 2015 e 2016. É cíclico.

No real state B2B, o cenário também é adverso?

Na parte de lajes corporativas, o cenário também mudou. O home office veio para ficar, porque as pessoas trabalham bem em casa. Eu mesmo faço duas vezes por semana. Essas mudanças de mercado também valem para os galpões logísticos. Eles cresceram com o e-commerce, mas podem ter sido superdimensionados. Se o varejo encolhe, ou não cresce, isso pode levar empresas a rescindir contratos para diminuir custos.

O varejo é mais um setor que o senhor avalia como preocupante?

Sim. Os preços estão muito baixos. Há uma quantidade muito grande de liquidações. Na Centauro, os preços estão excepcionais, especialmente de tênis Nike. A Centauro comprou a franquia Nike no Brasil e as vendas não estão de acordo. Então, estão liquidando produtos da Nike. Os preços estão muito abaixo mesmo se comparado ao praticado em outros países. Mas as lojas estão vazias. Muitos tapumes em shoppings centers. Esse setor todo está com a dinâmica negativa. A própria Renner está às moscas. Isso retrai preços. O consumidor está seletivo, quer preço e qualidade. Isso é bom para a inflação.

A perspectiva é positiva para a inflação?

Não vejo muitas pressões inflacionárias. Não há perspectivas de aumento de preços em commodities. O IGP-M está negativo, o dólar caiu 10%. Então, não há pressão inflacionária forte. Nossa inflação foi de oferta, não de demanda.

De serviços também?

Em serviços foi diferente, porque teve que fechar tudo e a demanda veio depois. Eu faço check-ups e está muito difícil de marcar horário, porque ficou parado e todo mundo está voltando a fazer exames.

É um bom sinal para empresas do setor?

Os resultados das empresas de saúde não estão bons porque os planos de saúde estão pressionando os laboratórios. Mesmo com a demanda, não conseguem aumentar preço. Os seguros de saúde tiveram impactos de custos e estão dando prejuízo, porque não conseguem repassar. O setor sofre com questões de custos. Se subir 20% do seguro saúde, o consumidor não tem como pagar. Algumas empresas pagam, outras parcialmente. Mas o profissional liberal tem que fazer o próprio plano. Então, não temos posição no setor.

Nenhuma posição no varejo também?

Não temos varejo, setor imobiliário e nem shoppings. Não temos nada. Nenhuma posição em nenhum dos fundos.

Vai demorar até a queda da taxa de juros ter algum efeito na demanda do varejo?

Demora até o consumidor recompor a renda. Ele está com o cartão de crédito perto do limite, alguns precisando pagar o cheque especial. Ele vai priorizar a saúde financeira em vez de fazer compras.

Até pela filosofia de investimento de longo prazo, vocês mudam pouco de posição. Houve alguma alteração relevante desde o ano passado?

De relevante não. Nossa maior posição é em bens industriais. Temos Tupy, Metal Leve e Schulz. Nossa segunda maior posição é no agronegócio, com Kepler Weber, São Martinho e Jalles Machado. E nossa terceira maior posição é em commodities, com Ferbasa e Unipar.

A Unipar está tentando comprar a Braskem. Qual é sua opinião sobre o negócio?

Não acredito que a Unipar irá comprar a Braskem. Provavelmente, vai ficar com o grupo J&F ou com os árabes e o Apollo.

Tem muita gente na disputa, né?

Muita gente. A Unipar é o 'cachorro pequeno' dessa briga.

Mas é ela que teria a melhor sinergia nessa história?

É a lógica. Mas o CADE [sigla de Conselho Administrativo de Defesa Econômica] entraria nessa história. Ela teria 100% dos mercados de PVC, soda e cloro. Provavelmente teria que vender alguma coisa. Mas seria um grande problema, que acho que inviabiliza. Dentro da Braskem, o negócio de PVC, soda e cloro está em Maceió, onde teve problema. Quem vai querer aquele passivo? Então, como a Unipar poderia atender esse requisito para não ter 100% da indústria. Teria que vender ou o CADE abrir uma exceção, o que acho pouco provável. Agora, como negócio, a compra faz todo sentido. Estaria unificando e tendo sinergias e o dinheiro viria dos bancos.

Qual poderia ser a melhor saída para Unipar?

Vender os ativos da Braskem nos Estados Unidos e México. Com esse dinheiro, ela já reduziria a dívida. De qualquer forma, julgo que a Unipar é carta fora do baralho.

O que faria muito sentido seria a Unipar comprar a Unidade de Mauá da Braskem, que fornece o etileno para a Unipar. Ou seja, a Unipar compra sua matéria-prima do concorrente, que é a Braskem. Essa Unidade de Mauá compra nafta da Petrobras, transforma em etileno e vende para a Unipar. Se a Unipar comprasse o complexo, ela se tornaria autossuficiente em eteno e sairia da mão do concorrente. É o sonho da Unipar. Aí não teria problema com o CADE, seria verticalização.

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