Hollywood: indústria teme a venda da Warner (Divulgação/ Montagem EXAME)
Repórter de Casual
Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 18h43.
Primeiro a Netflix, com US$ 72 bilhões. Agora a Paramount, com US$ 108 bilhões em uma oferta hostil e apoio sinalizado do governo Trump. É difícil cravar quem vai levar a Warner Bros. no final do dia, mas a movimentação de ambas as empresas já deixa Hollywood em pânico sobre o futuro das salas de cinema — e de sua indústria.
Foi um ano difícil para os estúdios de Los Angeles. As projeções de 2025 previam uma arrecadação de US$ 33 bilhões para os cinemas, crescimento modesto de 8% acima de 2024, ainda insipiente para cobrir os números do setor antes da pandemia.
As animações foram exceção — Lilo & Stitch passou do US$ 1 bilhão* e Zootopia 2 está quase lá. Mas a maior bilheteria do ano é, desde o primeiro trimestre, de fora de Hollywood: Ne Zha 2, animação chinesa com faturamento de US$ 2,1 bilhões**.
'Ne Zha 2': animação chinesa se torna a maior bilheteria do ano (Divulgação/ Montagem EXAME)
É verdade que o ano ainda não acabou. Mas mesmo com Avatar: Fogo e Cinzas em vista, franquia já reconhecida pela arrecadação bilionária (US$ 5,2 bilhões em dois filmes), a Disney — que passou ela mesma pelo processo de aquisição da Fox, em 2017, e viveu em parte o que a Netflix busca viver agora, com a Warner — sofreu para emplacar alguns longas nas salas de cinema.
A companhia do Mickey amargou estreias “boicotadas” pelo público, como Branca de Neve (US$ 204 milhões), Elio (US$ 175 milhões) e Quarteto Fantástico (US$ 522 milhões). E puxou, com isso, boa parte da indústria para baixo: em outubro, Hollywood fez em torno de US$ 425 milhões em bilheteria doméstica, o pior dos últimos 27 anos, excluindo os dois anos da pandemia.
Nesse bolo de ingressos vendidos, se arrastando com uma dívida de US$ 30 bilhões, veja só que ironia, a Warner Bros. fugiu à regra.
Em setembro, foi a primeira entre os estúdios a alcançar o marco dos US$ 4 bilhões em bilheteria global. Os lançamentos de histórias originais — Minecraft: O Filme (US$ 958 milhões), F1: O Filme (US$ 631 milhões), Superman (US$ 617 milhões) e Pecadores (US$ 368 milhões) entre eles — foram consistentes em 2025, e sequências queridas, como Invocação do Mal 4 (US$ 494 milhões) e Premonição 6: Laços de Sangue (US$ 316 milhões), performaram melhor que o esperado.
Quem vai levar a Warner Bros.? (Divulgação/ Montagem EXAME)
Mora aí o receio de Hollywood sobre a aquisição da companhia diante do futuro da indústria. A Warner deteve cerca de 25% da bilheteria do ano com mais de 10 lançamentos diferentes. E pode cair nas mãos de uma gigante do streaming que já deixou mais que claro que não é fã das longas janelas de exibição nos cinemas.
“Minha resistência tem sido principalmente em relação às longas janelas exclusivas, que não achamos muito amigáveis para o consumidor”, disse o co-CEO da Netflix Ted Sarandos, em uma call com investidores da qual a EXAME fez parte remotamente, logo após o anúncio da compra da Warner.
Em nova entrevista no início desta semana à Variety, ele voltou atrás.
“Estamos profundamente comprometidos em lançar os filmes da Warner Bros. exatamente da mesma forma que eles os lançam hoje. Se tivéssemos fechado este negócio há 24 meses, todos aqueles filmes que vimos este ano terem um desempenho tão bom nas bilheterias da Warner Bros. teriam sido lançados da mesma forma nos cinemas”, disse o co-CEO à revista americana.
“Com a entidade operacional da Warner Bros., acreditamos que é realmente importante a forma como eles criam e como geram valor”.
Hoje, os filmes da Netflix chegam aos cinemas em lançamentos de até três semanas, mais para atender às exigências da Academia que define as regras do Oscar do que pelo evento em si. A Warner, por outro lado, costuma manter os títulos em cartaz por no mínimo 45 dias antes de migrá-los para as plataformas de streaming.
Warner Bros. à venda: é o fim das salas de cinema? (Divulgação/ Montagem EXAME)
O risco para Hollywood é a falência das salas de cinema. Não seria uma jogada inédita para a nova gigante do entretenimento: ao longo de sua trajetória, o modelo de negócios predatório da Netflix deu fim às locadoras no fim dos anos 2000 e acabou com os DVDs não muito tempo depois.
Michael O’Leary, presidente e CEO da Cinema United, entidade que representa mais de 30 mil salas nos Estados Unidos, declarou que a análise dos órgãos reguladores será fundamental para a sobrevivência da indústria.
“É de urgente importância analisar atentamente os detalhes desta transação proposta e compreender o impacto negativo que ela terá sobre os consumidores, a exibição e a indústria do entretenimento”, explicou ele ao Deadline.
“Este mega-acordo corre o risco de eliminar 25% da bilheteria anual nos Estados Unidos, caso os filmes que tradicionalmente recebem um lançamento robusto nos cinemas pela Warner Bros. desapareçam das salas.”
Além de O’Leary, cineastas de peso para a indústria também alertaram o mercado sobre os riscos da fusão entre as duas empresas o mercado.
James Cameron foi um deles: “a Netflix seria um desastre. Ted Sarandos já declarou publicamente que os filmes exibidos nos cinemas estão mortos. ‘Os cinemas estão mortos’. Palavras dele”.
Paramount: oferta hostil pode mudar o jogo para a Warner (Divulgação/ Montagem EXAME)
Para além do tempo em cartaz, sindicatos, produtores, diretores e redes de cinema dos Estados Unidos reagiram pediram o bloqueio da fusão da Warner tanto com a Netflix quanto com a Paramount no Congresso como um alerta para os riscos da concentração de mercado.
Se por um lado a aquisição da Netflix ameaça Hollywood sobre o futuro das salas de cinema, por outro, a opção dada pela Paramount gera receio na indústria pela permanência de empregos e sustentabilidade do negócio a longo prazo.
A venda do império dos irmãos Warner gerou uma movimentação dramática no mercado com a Paramount. A companhia de David Elliot acusou a Warner de injustiça pelo andamento das negociações com a Netflix, e ofereceu uma oferta hostil — quando a proposta é enviada diretamente aos acionistas, sem aval prévio de diretores e conselheiros — com um valor 50% maior (US$ 108,4 bilhões) do que o enviado pela gigante do streaming.
A Warner anunciou nesta quarta-feira, 9, que analisará a proposta em 10 dias úteis.
O problema é que, diferente da Netflix que vem num crescimento exponencial, a Paramount sozinha andou protagonizando instabilidades em seu modelo de negócio nos últimos dez anos.
Desafios crescentes com streaming, dívida elevada (US$ 14 bilhões, atualmente) e reestruturações corporativas deixam o mercado temeroso sobre futuro desemprego em massa e reestruturações danosas à indústria.
A companhia viu receita total de cerca de US$ 30,21 bilhões em 2024, com TV Media representando 59%, DTC crescendo 24% e Filmed Entertainment estável em 17%, mas lidou com prejuízos operacionais e competição intensa. O ponto alto foi a fusão com Skydance em agosto de 2025, avaliada em US$ 28 bilhões, que culminou com David Ellison na cadeira de CEO, após aprovações regulatórias em julho.
Hollywood: indústria em pânico com a compra da Warner Bros. (Divulgação/ Montagem EXAME)
Incertezas a parte, seja a Netflix ou a Paramount assumindo o catálogo da Warner, Hollywood se mantém atenta à formação de um novo monopólio — que sempre chama a atenção de cineastas para a diversidade nas produções cinematográficas.
Quando a The Walt Disney Company comprou a Fox e os demais estúdios envolvidos em 2017, membros da indústria alertaram para a massificação dos conteúdos no “padrão Disney” e uma eventual formação de monopólio, que só não se concretizou pela existência da Warner e da Universal independentes.
Há anos, no entanto, as maiores bilheterias do ano são da empresa de Bob Iger.
Resta ver se com a Netflix ou a Paramount haverá um novo concorrente para a casa do Mickey ou a fatalidade do cinema como um todo.