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Spotify quer ter 1 bilhão de usuários até 2030; diretora-geral na América Latina explica plano

Em entrevista à EXAME, Mia Nygren detalha como a plataforma, há dez anos no mercado brasileiro, busca equilibrar preço, experiência do usuário e novas tecnologias para continuar sua expansão

Mia Nygren, diretora-geral do Spotify na América Latina, celebra uma década de crescimento no Brasil e compartilha sua visão para o futuro da plataforma como o maior serviço de assinatura do mundo (Julian Buitrago/Divulgação)
Bruno Capelas

Colaborador

Publicado em 24 de dezembro de 2024 às 09h00.

Sinônimo de serviço de streaming de música para muita gente, o Spotify comemora em 2024 dez anos de presença no mercado brasileiro com muita ambição: “queremos ser o maior serviço de assinatura do mundo”, diz Mia Nygren, diretora-geral da empresa na América Latina.

No cargo mesmo antes da plataforma sueca estrear no Brasil, ela acompanhou a evolução do mercado e da música ao longo da última década por aqui. “Nunca poderíamos imaginar que o Brasil seria um dos maiores motores de crescimento da nossa base global, além de ser um negócio sustentável para nós”, afirma.

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Com 640 milhões de usuários e 246 milhões de assinantes pagos em todo o planeta,a plataforma tem 22% de sua presença nas duas bases na América Latina. Para Mia, é pouco.

“Ainda há um enorme mercado endereçável no Brasil e na América Latina. Tem muita gente que gosta de música e ainda não está na plataforma. Nosso trabalho é convencê-los a estar”, diz, mesmo reconhecendo que cada local tem custos de vida e realidades diferentes. “A proporção entre o preço e o valor que as pessoas obtêm importa muito para nós.”

Na entrevista a seguir, a executiva fala não só sobre o desafio de dar uma cara local a um serviço global, mas também responde críticas sobre temas comuns como a remuneração aos artistas ou a redução no investimento em podcasts , uma das pontas-de-lança da empresa nessa década que passou.

Ela também fala sobre o papel da inteligência artificial na plataforma, compara o Spotify ao TikTok , explica a importância das marcas e do mercado publicitário para dar “combustível” ao crescimento do app. “A despeito das crises, as pessoas seguem pagando por música. Ela é extemporânea às crises políticas ou flutuações econômicas.” Acompanhe.

O Spotify completa dez anos no Brasil em 2024. Que balanço você faz desse período?

Nunca poderíamos imaginar que o Brasil seria um dos maiores motores de crescimento da nossa base global, além de ser um negócio sustentável para nós. Conseguimos criar uma marca que as pessoas gostam e um espaço para que os artistas possam prosperar, com diversidade, sem monopólio do consumo de música.

Aqui, nosso negócio é construído com base em dois pilares: assinatura epublicidade, que nos ajudam a garantir a remuneração justa para a arte. Felizmente, temos uma estatística que segue a média global de conversões de usuários para assinantes pagos.

Para nós, esse é o futuro da companhia: estamos aqui e queremos ser o maior e mais importante serviço de assinatura do mundo. No Brasil, estamos no caminho certo, mas levamos uma década até aqui.

Há muitos Brasis dentro do Brasil. O que vocês aprenderam nesses 10 anos sobre a forma como os brasileiros usam o Spotify?

Quando chegamos, percebemos rapidamente que nosso maior desafio seria fazer o Spotify Brasil ser brasileiro, abraçando a variedade de gêneros e de hábitos, bem como a expectativa das pessoas na localização do app.

Essa é uma jornada que nunca acaba, pois nossos primeiros usuários agora têm filhos. Estamos muito focados nos jovens e em descobrir como eles ouvem música. Mas há uma vantagem no peso que o Brasil tem dentro do Spotify: quando dizemos que é preciso fazer algo para o mercado brasileiro, isso é levado em consideração globalmente.

Que tipo de funcionalidades vocês implementaram no app a partir do comportamento dos brasileiros?

Uma das mais recentes é a Máquina do Tempo , que permite que as pessoas acompanhem seu próprio consumo de música e compartilhem com os amigos. É algo que tem muito a ver com o comportamento dos brasileiros, porque vocês são muito ativos em redes sociais.

O app do Spotify muda bastante em cada país: temos um conjunto de funcionalidades que os times locais podem escolher para usar. Um exemplo é que temos uma experiência de escuta gratuita excelente no Brasil. Poucos países têm isso, mas no Brasil sabíamos que essa experiência precisava ser excelente para o público mais jovem.

Falando nos jovens, hoje muitos deles descobrem músicas novas por meio do TikTok, um app que surgiu nos últimos 10 anos. Muitos artistas, inclusive, focam sua produção em refrãos para viralizar na rede social. Como isso influencia o jeito que o Spotify é usado hoje?

O TikTok é de fato um grande motor de descobertas para as pessoas. Já o Spotify é um grande motor de consumo de música. Todos têm seu papel nesse enorme ecossistema. Dito isso, sempre buscamos novas formas de ajudar os usuários a encontrar a música que gostam.

A personalização é um dos pilares do Spotify e ela nos ajuda a atender mais de 600 milhões de pessoas pelo mundo.

No futuro, creio que será ainda mais evidente para as pessoas como investimos para que a personalização seja cada vez mais única, com funcionalidades como um DJ movido a inteligência artificial.

Quando o Spotify chegou ao Brasil, era uma empresa privada, avaliada em torno de US$ 10 bilhões. Hoje, o valor de mercado da companhia gira em torno de US$ 75 bilhões. Qual é o papel do Brasil e da América Latina nessa valorização?

Discuto muito isso com meus times: cada parte do mundo adiciona valor para a empresa global que é o Spotify e nosso papel aqui é trazer usuários para o ecossistema.

Estamos aqui há 10 anos, mas ainda há um enorme mercado endereçável no Brasil e na América Latina. Tem muita gente que gosta de música e ainda não está na plataforma, e nosso trabalho é convencê-los a estar.

Hoje, a América Latina responde tanto por 22% da base de usuários ativos mensalmente, quanto por 22% da base global de assinantes. Isso é muito relevante. E nosso foco aqui é ter mais assinantes.

Houve uma série de crises econômicas e políticas na América Latina nos últimos 10 anos. Que aprendizados tiveram nesse período?

Sempre monitoramos o que acontece perto de nós, mas não temos muito o que fazer quanto a problemas como questões cambiais, inflação ou crises políticas. Dito isso, há algo interessante: a despeito das crises, as pessoas seguem pagando por música.

Ela é extemporânea às crises políticas ou flutuações econômicas. É um sinal que estamos numa boa indústria, porque não vemos as pessoas relutarem mesmo em crises como a pandemia, que foi muito severa aqui no Brasil.

Em 2014, o discurso da empresa ao chegar ao País era que o principal rival do Spotify era a pirataria. E agora? Ainda é a pirataria?

O Spotify nasceu por causa da pirataria. Nossos fundadores queriam um sistema em que a experiência seria a mesma que existia na pirataria, mas na qual haveria remuneração e controle por parte dos artistas. Foi esse nosso berço.

Hoje temos cerca de 250 milhões de pessoas pagando por música. Mas não vejo limites para o nosso trabalho: se você comparar o número de assinantes com a população mundial, a proporção ainda é baixa – especialmente considerando o apetite global por música.

Dito isso, investimos muito para garantir que o conteúdo dentro da plataforma não seja mal utilizado, nem fraudado, e que nossos sistemas removam conteúdos que não respeitem direitos autorais.

Interessante essa análise sobre a proporção entre assinantes e a população global – especialmente considerando os diferentes custos de vida nos países. Nem todos têm dinheiro para pagar suas contas num país como o Brasil, que dirá pagar por um serviço de streaming. Há variáveis aqui que o Spotify não controla, mas que afetam os planos da empresa. Como chegar a essa meta de ser o maior serviço de assinatura do mundo?

Temos que entender que as diferenças entre geografias são enormes, considerando o custo de vida e também as oportunidades existentes em cada lugar. No Brasil, buscamos ser o mais flexíveis que podemos em termos de preços e funcionalidades. A proporção entre o preço e o valor que as pessoas obtêm importa muito para nós.

Por outro lado, há fatores que nos ajudaram nessa década, como a penetração dos smartphones e a queda no custo do acesso à internet – isso para não falar em inovações locais, como o Pix. Há todo um ecossistema que precisa funcionar além do Spotify para alcançarmos nossa missão, mas vemos evolução e estamos felizes com os avanços recentes.

Hoje, o Spotify é amplamente reconhecido como sinônimo de streaming de música, assim como marcas como Gilette e Bombril em seus respectivos segmentos. Como é liderar essa empresa considerando essa liderança, sem que isso suba à cabeça?

O fato de que o streaming é hoje uma categoria madura no Brasil e na América Latina vem com uma grande responsabilidade – e nós a levamos a sério.

Temos uma meta ambiciosa: ter 1 bilhão de usuários na plataforma até 2030 e não estamos nem perto de estar num lugar confortável.

Acredite ou não, estamos apenas no começo. Ser líder de mercado é importante, mas não podemos ficar confortáveis demais porque tudo muda de um dia para o outro no mercado de tecnologia.

Globalmente, o Spotify é visto como case de sucesso por conta de seu produto e de sua tecnologia. Da sua perspectiva, o que mais contribuiu para isso além desses dois fatores?

Essa pergunta me dá oportunidade de jogar luz sobre o fato de que trabalhamos com pessoas. Nossa estratégia sempre começa com o time que temos. Podemos ter o melhor produto do mundo, mas se ele não tiver uma cara brasileira, não teríamos sucesso aqui.

Pensamos muito sobre como fazer nossas campanhas ressoarem com a audiência e a cultura brasileiras – como fizemos no show celebrando Marília Mendonça no Allianz Parque.

São coisas que consideram o aspecto humano do negócio, do qual nunca deixarei de falar. Não dá para fazer um show como esses de longe, é preciso ter uma compreensão próxima das coisas.

Em 2014, o Spotify começou com duas pessoas no Brasil. Em 2019, quando mudaram para o escritório da Avenida Paulista, eram 40. Quantas pessoas trabalham no Brasil hoje e o que elas fazem?

Temos hoje cerca de 100 pessoas no Brasil. Metade delas trabalha na parte de publicidade e propaganda, nos ajudando a monetizar o uso gratuito da plataforma. É um trabalho que demanda bastante, porque temos de vender nossas oportunidades de inventário para as marcas, estar perto dos anunciantes.

Temos ainda times de marketing voltados ao consumidor, a área de comunicação, um time de relacionamento com artistas e gravadoras, growth e profissionais voltados às operações de negócios.

É comum comparar o Spotify a serviços de streaming de vídeo. Mas há uma diferença: no vídeo, o conteúdo é exclusivo. Já o Spotify tem o mesmo conteúdo que seus rivais no mundo do áudio. Como se diferenciar da concorrência quando o conteúdo é praticamente uma commodity?

Estamos aqui para construir o maior serviço de assinatura do mundo, e como disse, precisamos considerar a proporção entre preço e valor. Por isso, estamos focados em criar mais valor para os usuários, seja do ponto de vista técnico, usando novas funções de inteligência artificial, ou no lado humano, ao homenagear Marília Mendonça com um show tributo.

Não olhamos para os outros: somos focados nos nossos usuários e como agregamos valor a eles. É diferente do vídeo: aqui, o conteúdo atrai as pessoas, mas são as funcionalidades que fazem com que elas permaneçam no Spotify. E não subestimamos o efeito de rede: temos planos de família, planos em dupla, em um sistema que se beneficia da conexão das pessoas.

Pouco antes da pandemia, o Spotify apostou alto em podcasts. Há uma crítica comum entre os criadores de conteúdos de que os investimentos têm sido reduzidos e há menos atenção hoje por parte da plataforma. Como você recebe esses comentários?

É lisonjeiro ouvir que há discussões sobre isso. O fato é que mudamos nossa estratégia. Nós começamos – e ainda temos – uma enorme ambição por podcasts, mas buscamos criar um negócio que seja sustentável com o tempo.

Investimos muito, educamos o mercado, mas agora estamos numa fase em que queremos garantir que qualquer criador de conteúdo possa colocar suas criações na plataforma.

A música é o coração do Spotify, mas os podcasts são um pilar crucial da plataforma.

Hoje, 30% dos nossos usuários ouvem podcasts e esse número segue crescendo. Nossa ambição em torno de podcasts não diminuiu, mas mudou, e há muita gente por aí que gosta dessa mudança. É claro que há disrupções devido a essa mudança, mas queremos mostrar que estamos trabalhando.

Comemorando uma década no Brasil, o Spotify continua investindo em novas tecnologias e na experiência do usuário para expandir a base de assinantes e fortalecer a liderança global (Genaro Molina/Los Angeles Times/Getty Images)

De um lado, a indústria fonográfica cresceu nos últimos anos por conta do streaming. Do outro, há uma crítica comum dos artistas, especialmente os independentes, de que o Spotify não paga o suficiente para que eles tenham carreiras sustentáveis. É um equilíbrio delicado, dado que não há indústria sem artistas. Como cuidar desse equilíbrio, considerando que Spotify e indústria buscam lucros e os artistas precisam sobreviver?

Se olharmos para os números, a categoria de streaming cresceu quase 30% em 2023, em termos de receita. Já a indústria fonográfica cresceu em torno de 13%. São números que mostram a importância do streaming e dele seguir crescendo.

Em 2023, pagamos cerca de US$ 9 bilhões para os artistas globalmente; aqui no Brasil, repassamos R$ 1,2 bilhão.

É bastante dinheiro, mas é nossa missão. Entendo que haja questionamentos sobre remuneração, é algo que faz parte da nossa jornada. Para nós, é importante oferecer acesso a esse jeito de se ganhar a vida.

Hoje, pagamos mais de 70% do que recebemos para os artistas e a indústria, por meio de um complexo sistema de remuneração. Temos a responsabilidade, mas sabemos que estamos pagando. Não sei se deveríamos prestar mais a atenção a algo, mas temos orgulho das receitas que geramos.

Você ressaltou a importância dos times de publicidade e propaganda. Como é a participação das marcas no Spotify hoje?

Uma das razões pelas quais o Spotify virou o que virou é que nós oferecemos uma experiência gratuita. Colaborar com marcas é nosso pão com manteiga desde o começo do app, pois elas nos ajudam a monetizar o app desde o começo e oferecer essa experiência para os usuários.

É claro que esse lado do negócio mudou em 10 anos: hoje, queremos ser o maior serviço de assinatura do mundo, mas os anúncios nos ajudam nesse caminho.

Os anúncios servem como combustível para o que queremos construir – e não chegaremos lá sem eles.

Nessa evolução, também conseguimos educar as marcas para anunciar para o nosso público, que é único, de alta qualidade e muito engajado com o produto. Acho que as marcas já entenderam que é diferente anunciar no Spotify ou no rádio.

Inteligência artificial é um dos temas do momento. Como ela afeta o Spotify, seja na perspectiva de negócios ou da criação de música?

Tem sido incrível ver como a IA pode reforçar a criatividade das pessoas. Sei que é um tema assustador, mas há um lado muito interessante da tecnologia podendo melhorar a criatividade ou a personalização dentro das plataformas.

Hoje, já temos playlists criadas por IA para os usuários do Spotify. Por outro lado, para nós é inaceitável que se utilize IA para criação de conteúdos sem respeitar os direitos autorais.

Temos mecanismos para remover esse tipo de conteúdo, mas também queremos ajudar nossa comunidade de criadores a usar cada vez mais ferramentas de IA. Creio que estamos na vanguarda desse tema.

Daqui a cinco anos, como será a ‘festa de debutantes’ do Spotify no Brasil?

Espero que, daqui a cinco anos, tenhamos mais do Brasil dentro do Spotify. Minha esperança é não só que possamos crescer nossa base de assinantes para um número mágico, mas que também possamos inspirar a indústria criativa do Brasil a criar mais. Quero ainda que possamos levar os sons do Brasil para o mundo todo. É algo que eu gostaria de celebrar em cinco anos.

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