Bad Bunny: cantor porto-riquenho foi o artista mais ouvido do Spotify em 2025. (Montagem EXAME/Canva/Getty Images)
Repórter
Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 06h01.
O Spotify Wrapped 2025, divulgado na quarta-feira, 3, reforça algo que a indústria já vinha sinalizando há uma década: o streaming não apenas reorganizou a maneira como ouvimos música, mas também redesenhou o poder global dos artistas.
Bad Bunny voltou ao topo com 19,8 bilhões de streams no ano, retomando o posto que havia perdido para Taylor Swift em 2023 e 2024. O avanço, entretanto, não é apenas sobre quem lidera o ranking. É sobre como o ato de ouvir música se transformou em comportamento, identidade e dado.
Para o Global Music Report 2025, da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês), o setor musical é majoritariamente dominado pelo streaming, que representou 69% de toda a receita global em 2024, e está em crescimento contínuo há cerca de dez anos. Até 2030, o setor deve crescer 7.2%, segundo dados do Goldman Sachs.
Os números do Wrapped desde 2015 contam a história recente do streaming quase como capítulos de uma série que as pessoas precisam maratonar.
Em 2015, Drake liderava com 1,8 bilhão de streams — número que hoje pareceria modesto para um artista global. Um ano depois, ele mais que dobrou a marca (4,7 bilhões). Ali estava o domínio do hip-hop nas plataformas de streaming em seu início.
A partir de 2017, Ed Sheeran assumiu o topo, seguido por mais um ciclo de Drake.
Mas o tabuleiro virou de ponta cabeça em 2020: naquele ano, Bad Bunny inaugurou a “era latina” no ranking, abrindo um período de três anos em que o porto-riquenho se torna o artista mais ouvido do mundo.
O avanço de Swift entre 2023 e 2024 — ambas as vezes acima de 26 bilhões de plays — marca um ponto adicional da virada. Nesse momento ficou provado que o streaming não depende mais apenas de gêneros, mas da capacidade narrativa e do engajamento multiplataforma. Em 2025, o pêndulo volta para Bad Bunny, que aparece novamente à frente de Swift, no que parece uma troca de poderes incessante entre o pop e o reggaeton.
A comparação revela o salto: Bad Bunny, que vem ao Brasil em turnê já esgotada no ano que vem, multiplicou seu volume de streams por mais de dez vezes desde 2015.
O relatório da IFPI mostra que, por trás desse crescimento exponencial, existe um ecossistema pressionado: mais de 1 milhão de músicas são lançadas por semana.
Para cortes tão saturados, a disputa pela atenção virou estratégia central, e isso altera desde o marketing até o ritmo de produção dos artistas.
A pesquisa ressalta que as gravadoras passaram a desempenhar um papel ainda mais ativo: financiamento de projetos, curadoria para navegar no excesso e adoção de novas tecnologias (especialmente IA) para manter relevância e eficiência.
O streaming também abriu espaço para fenômenos regionais, que agora têm estrutura para atravessar fronteiras com velocidade inédita — exemplo disso é o avanço da música latina, do K-pop e das cenas africanas.
Na América Latina, por exemplo, as receitas de música gravada cresceram 22,5% em 2024, com o streaming respondendo por 87,8% do faturamento, enquanto a participação da música latina no mercado on‑demand dos Estados Unidos quase dobrou em dois anos, de 4,37% em 2021 para 7,9% em 2023, segundo dados do IFPI.
Se o streaming reorganizou a indústria, o Wrapped reorganizou o público. A retrospectiva do Spotify — criada originalmente como uma experiência individual — tornou-se um calendário cultural, um momento de validação social e um mapa anual de tendências.
Para a indústria, hoje o Wrapped substitui, em impacto popular, o que antes pertencera às paradas tradicionais. Agora é ali que artistas buscam a confirmação definitiva de relevância global.
O Wrapped, assim, funciona como espelho. Mostra preferências individuais, mas também registra como o consumo passou a ser moldado por comportamento, algoritmos, conteúdos virais e, cada vez mais, por disputas de atenção.
Com o setor caminhando para novos formatos — IA responsável, experiências imersivas e maior controle de direitos — a era do streaming não parece perto do fim. Mas, como indica o relatório da IFPI, ela está prestes a entrar em sua era mais complexa: a de sustentabilidade criativa e econômica em um mercado inundado por conteúdo e pressionado por novas tecnologias.
A única certeza, olhando para o Wrapped de 2025, é que a música segue crescendo. Mas agora cresce num mundo em que o play vale mais do que nunca. E o silêncio menos que antes.