Setor têxtil: segundo presidente da ABVTEX, Remessa Conforme ameaça milhões de empregos
“Isenção de imposto de importação para sites estrangeiros inviabiliza uma concorrência leal”, afirma o presidente da Associação Brasileira do Varejo Têxtil. Entrevista à Bússola discute a Portaria MF 612/2023
Plataforma de conteúdo
Publicado em 13 de outubro de 2023 às 14h00.
O governo Lula lançou no primeiro semestre as bases do Programa “ Remessa Conforme ”. O programa foi saudado pelo Varejo e pela Indústria atuantes no Brasil. O “Remessa” foi apontado pelo setor produtivo como antídoto para uma prática que eles vinham denunciando há tempos. Segundo industriais e varejistas nacionais, por trás do envio de milhões de pacotes com encomendas pelos sites de e-commerce internacionais, principalmente chineses, haveria um estratagema para que não houvesse pagamento do imposto de importação, de 60%.
Ainda conforme as empresas brasileiras, os sites estariam utilizando uma exceção na legislação que permitia a pessoas físicas enviarem pacotes ao Brasil para outra pessoa física aqui residente (até o limite de US$ 50 ) para “camuflar” compras feitas por consumidores brasileiros. O secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, pareceu concordar com a denúncia: “Nós temos um cidadão que já remeteu mais de 16 milhões de remessas para o Brasil, deve ter bastante parente por aqui”, afirmou, de maneira irônica.
No entanto, a Indústria e o Varejo nacionais acabaram indo da satisfação com o “Remessa Conforme” à revolta com uma portaria surgida em seu bojo. Em junho, o Governo soltou aPortaria MF 612/2023, que passava a conceder isenção de imposto de importação não apenas para remessas entre pessoas físicas, mas também para as vendas de atéUS$ 50feitas para o consumidor brasileiro, desde que as remessas fossem regularizadas nos sistemas da Receita Federal.
- Sem precedentes: Google, Amazon e Cloudware confirmam que lidaram com ataque cibernético nunca visto
- O que entra na Netflix nesta semana? Veja os filmes e as séries
- Libertadores: Conmebol confirma horário da final entre Fluminense e Boca Juniors
- Brasil vai obter empréstimo de US$ 1 bilhão com 'banco dos Brics'
- Light (LIGT3) ganha mais três meses de proteção contra credores em nova decisão da Justiça
- Ser Educacional adia prazo de liquidação de oferta de R$ 200 milhões em debêntures
Insatisfação da indústria brasileira
A mesma portaria também autorizou a cobrança, sobre estas remessas internacionais, de ICMS pelos Estados, com alíquota de 17%. No entanto, para as empresas nacionais, a portaria institucionaliza uma “ assimetria tributária ”, já que, na indústria e no varejo nacionais, a cobrança de impostos é mais do que o dobro deste percentual, na casa dos 40% sobre o preço da nota fiscal ao comprador. As empresas atuantes no Brasil dizem ainda que, se quiserem importar insumos ou produtos, pagam uma alíquota ainda maior, de 109%.
Impacto no setor têxtil, segundo o presidente da ABVTEX
Um dos setores que se diz mais afetado pela Portaria MF 612/2023 é o têxtil. A fim de entender a questão, a Bússola entrevistou o presidente da ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), Edmundo Lima. Na conversa, elefala sobre o que considera as “ameaças” que a isenção, “que traz uma concorrência absolutamente desleal”, traria para a manutenção dos 1,7 milhão de empregos gerados pelo segmento.
Bússola: O que querem dizer quando apontam “riscos à sobrevivência” do setor têxtil?
Edmundo Lima: Em primeiro lugar, é preciso dizer que o “Remessa Conforme” tem um aspecto muito positivo. Ele estabelece critérios de compliance para atuação das plataformas internacionais, maior rigor na fiscalização do governo e pelo fato de as crossborders passarem a contribuir com o ICMS, com uma alíquota unificada do imposto estadual, de 17%.
Porém, lamentavelmente, a portaria de junho institucionalizou o tratamento privilegiado aos sites de e-commerce estrangeiros em relação a quem atua no Brasil. Mesmo com os 17% de ICMS, estas encomendas estão sujeitas a menos da metade da carga de impostos que incide sobre o produto fabricado, distribuído e vendido no Brasil, que é de 39,04% do que está na nota fiscal, segundo estudo que o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) fez para o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo).
Esta falta de isonomia tributária ameaça um setor, o têxtil, que é o segundo maior empregador brasileiro, com 1,7 milhões de empregos, gerados por mais de 200 mil empresas, 97% delas micro, pequenas e médias.
Bússola: O setor também aponta “riscos ao marco fiscal”. Que riscos são esses?
Lima: Estudo do IDV aponta para perdas com imposto de importação não arrecadado dos sites internacionais, apenas entre janeiro e agosto deste ano, na casa dos R$ 20 bilhões. Projetando para todo o ano de 2023, chegaríamos a R$ 30 bilhões em perdas, o que dá quase metade do orçamento do Bolsa Família para 2023.
Bússola: O que o setor têxtil espera do governo ao exigir uma solução para esta questão?
Edmundo Lima: O que o setor produtivo nacional quer é isonomia tributária. Para produtos de valor igual, impostos iguais, de preferência menores, beneficiando o consumidor – mas para os produtos de todos, seja os da indústria e do varejo atuantes no Brasil, seja os dos sites internacionais de e-commerce.
Claro que existe a questão fiscal, como comentei, mas há como se encontrar uma fórmula em que todos paguem menos impostos, tratando de incluir os sites internacionais como contribuintes – pela primeira vez – e não colocando todo o peso dos tributos nas costas de quem produz e comercializa por aqui. Como está, está inviabilizada uma concorrência leal e ameaçado um setor econômico que gera 16% do total de empregos no Brasil.
Bússola: Não pode parecer que estão querendo protecionismo, reserva de mercado, que temem a concorrência internacional?
Edmundo Lima: Nada mais distante da verdade. O setor têxtil brasileiro não teme a concorrência e já a enfrenta aqui no Brasil e no Exterior – somos referência internacional em segmentos como beachwear, jeanswear, além de cama, mesa e banho, entre outros. Não queremos nem protecionismo nem reserva de mercado. Queremos que todos paguem impostos menores, mas iguais.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube
Veja também
Open Finance: brasileiros estão mais confiantes, mas desmistificação ainda é prioridade
Bússola & Cia: quase 50 milhões de pessoas não possuem acesso a assistência jurídica
CEO do festival Cannes Lions elogia indústria nacional e aponta 5 insights para o futuro