Publicado em 05/12/2025, às 20:34.
Última atualização em 06/12/2025, às 15:30.
A nova era do entretenimento
A Netflix pode até ter vencido a guerra com o modelo de negócio que criou em sua plataforma. Mas quando a escolha é entre entretenimento de massa e excelência em qualidade, a gigante do streaming vê um abismo com sua mais recente aquisição, a HBO Max.
Desde a compra da Fox pela Walt Disney Company, que mudou o rumo do entretenimento num acordo bilionário e histórico de US$ 71 bilhões, o mercado apostava em uma nova era de consumo entre gigantes. Nesta sexta-feira, 5, o palpite se confirmou: a Netflix colocou um bilhão a mais do que a casa do Mickey em 2017 para fechar a compra da Warner — que inclui as premiadas séries da HBO Max — por US$ 72 bilhões.
A aquisição chega em um momento de ascensão da Netflix diante do mercado, e permite um olhar mais estratégico para reposicionar a marca. À frente da guerra dos streamings, com mais de 300 milhões de assinantes e receita de US$ 39 bilhões em 2024, a gigante do entretenimento tem investido em títulos de alta qualidade — de Adolescência e Bebê Rena para cima. A mira, é claro, vai para grandes premiações da TV (e suas já reconhecidas conversões de audiência), das quais a HBO quase sempre sai como a maior campeã.
Mesmo mudando de nome três vezes em menos de cinco anos, e com dificuldades para disparar à frente na guerra com as plataformas concorrentes, o serviço de streaming da Warner mantém um selo de qualidade que fidelizou (e expandiu) o público desde 2020. Hoje, mantém 128 milhões de assinantes mensais — o mesmo que o último número divulgado pelo Disney+, outro entre os principais concorrentes.
“Esperamos que a Warner Bros. gere cerca de US$ 3 bilhões em EBITDA em 2026, com a adição de uma expectativa de aproximadamente 2,5 bilhões de dólares em economias de custo anuais”, explicou Spencer Adam Neumann, CFO da Netflix, durante a conversa com investidores da qual a EXAME participou remotamente nesta sexta-feira.
“Além dos benefícios estratégicos, esperamos impulsionar uma série de benefícios financeiros com essa combinação: primeiro, ao oferecer mais séries de TV e filmes para os membros, a Netflix espera atrair e reter mais assinantes e aumentar o engajamento, a receita e a receita operacional."
(Montagem EXAME)
E agora, HBO?
Só neste ano, a HBO Max emplacou o maior prêmio do Emmy, considerado o Oscar da TV, com The Pitt, vencedor da estatueta de Melhor Série de Drama em 2025. A produção saiu da cerimônia com quatro outros prêmios. No total, contando com todos os títulos, como Pinguim e The White Lotus, o streaming acrescentou mais 30 estatuetas para a prateleira.
Sob nova administração, no entanto, fica o receio sobre o futuro dos títulos já existentes, os anunciados para o próximo ano e a manutenção de qualidade que tanto fideliza os assinantes. Uma preocupação para o atual CEO global da marca, Casey Bloys.
“Não faço parte da negociação da compra da Warner, leio o que vocês leem. Mas o que digo para a minha equipe é: você só pode controlar o seu trabalho, e o nosso trabalho é entregar a melhor, mais interessante e impactante programação e qualidade. Além disso, não há muito mais o que seja possível de fazer agora”, disse ele em resposta à EXAME durante uma conversa recente com a imprensa para anunciar os lançamentos da HBO Max para 2026.
A curto e médio prazo, disse o CEO, as estreias previstas para o próximo ano serão mantidas. Grandes títulos da plataforma, como House of The Dragon (A Casa do Dragão) e Euphoria já tem novas temporadas garantidas para 2026, antes do fim da aquisição pela Netflix.
“Vai ser uma aquisição longa. O processo de revisão regulatória provavelmente vai durar mais um ano, talvez um ano e meio, o que não muda nossos anúncios aqui. Não há nada a fazer além de focar no nosso trabalho, que é a melhor coisa que podemos fazer, porque é uma das principais razões pelas quais as pessoas se interessam por nós.”
O brilho dos olhos na Netflix, para além da qualidade das produções, vai para a conversão de público. A HBO Max tem em 2025 mais de 128 milhões de assinantes e, após a vitória no Emmy, viu o número de visualizações para The Pitt triplicarem na plataforma. O drama médico chegou a 18 milhões de espectadores globais por episódio depois da premiação.
“A qualidade das produções da HBO é reconhecida não só pelo público, como também nas premiações. Nos faz pensar que essa aquisição fará a Netflix ainda melhor e acelerará o nosso negócio por décadas, tanto para reter quanto para aumentar os assinantes”, disse o co-CEO da Netflix, Greg Peter.
The Pitt, na HBO Max (Divulgação)
É o fim das produções premiadas?
Acontece que o modelo de produção da Netflix, no entanto, difere e muito do da HBO Max. Para além da distância entre as temporadas, o streaming da Warner é reconhecido por “não ter o siri no bolso” quando o assunto é qualidade técnica.
Na época de ouro de Game of Thrones, o estúdio não trabalhou com muitas limitações financeiras para cenas épicas de batalhas, milhares de figurantes e seus cavalos. O resultado foi estrondoso, a ver pelo sucesso da série, mas o custo também se sobressaiu diante dos demais concorrentes. A partir da sexta temporada, cada episódio da série custou mais de US$ 10 milhões para ser produzido.
A receita continuou com House of The Dragon. Só a primeira temporada custou mais de US$ 200 milhões, segundo a Forbes, uma média de US$ 15 milhões por episódio. Custos tão altos quanto foram destinados a The White Lotus, Succession, The Last of Us, e muitos outros.
É também pelo valor monetário e pelo tratamento condizente com a qualidade que as estreias das séries da HBO são semanais. São pensadas na distribuição da página inicial, nas estratégias de marketing da marca, a serem consumidas e processadas aos poucos, como já pensam os diretores e roteiristas envolvidos.
Com exceção de alguns títulos selecionados, o modelo de negócio da Netflix é diferente: mais rápido, mais barato, menos seletivo na escolha de diretores, elenco e roteiristas. Faz com que o catálogo atenda um público maior — e em menos tempo —, mas peque em qualidade e excelência. E chegue a plataforma para um consumo ao melhor estilo do palito de fósforo: acende tão rápido quanto apaga.
Não é que a Netflix só tenha conteúdo raso e de massa, mas a maior parte dos títulos mais premiados são, na verdade, co-produções nas quais a gigante do streaming sai com a maior porcentagem.
The Crown é uma produção da Sony Pictures. Peaky Blinders foi feito pela BBC. Bebê Rena teve todo um longo circuito antes de chegar ao streaming, já basicamente pronto, com uma produtora independente. Adolescência é um que foge à regra, mas veio quase 100% da Plan B Entertainment.
Até os sucessos mais recentes seguem a mesma construção: Guerreiras do K-POP é uma produção da Sony. Mesmo Wandinha, um dos marcos de audiência, foi produzido pela Amazon MGM Studios. Uma diferença para a HBO que explica porque hoje, muito além das assinaturas e dos títulos de sucesso, boa parte da receita da Netflix já vem dos anúncios e dos conteúdos esportivos ao vivo.
"A infraestrutura de desenvolvimento, a expertise de desenvolvimento da Warner Bros. tem sido construída ao longo de 100 anos. Nós estamos no negócio de conteúdo original há cerca de uma década, correndo o mais rápido que conseguimos. Esse pool de desenvolvimento, acho que também será um ativo muito valioso para nós", disse Ted Sarandos. "Achamos que o modelo da HBO em si está funcionando e é bastante querido pelos consumidores, e queremos continuar investindo nisso ao longo do caminho, investindo conforme o planejado na Netflix também."
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A curva do dinheiro vs. qualidade
Qualidade e pensamento crítico a parte, há de se dizer que sem dinheiro, a indústria para de produzir. Os gastos da HBO e da Warner com os próprios produtos audiovisuais podem não ter sido exatamente os únicos “culpados” pela dívida bilionária da empresa, mas contribuíram para ela, sem dúvidas.
Ter dinheiro no bolso e saber como gastá-lo pode ser o trunfo da Netflix para uma aquisição estratégica da HBO Max. O último balanço trimestral da empresa revelou um lucro de US$ 3,2 bilhões — uma prova de sucesso do modelo de Sarandos e Peter que acende um ponto, mesmo que pequeno, de otimismo.
“Eu sei que alguns de vocês estão surpresos com o fato de estarmos fazendo essa aquisição, e eu certamente entendo o porquê. Ao longo dos anos, fomos conhecidos por ser construtores, não compradores. Já temos shows e filmes incríveis e um ótimo modelo de negócios, e ele está funcionando para o talento, funcionando para os consumidores e funcionando para os acionistas. Mas essa é uma oportunidade rara que vai nos ajudar a alcançar nossa missão de entreter o mundo e de reunir as pessoas por meio de grandes histórias", completou Sarandos.
Com a conclusão da venda prevista para o fim de 2026, ainda é cedo para prever as mudanças estratégicas mais incisivas e categóricas que a gigante do streaming terá sobre a HBO (e vice-versa). Mas o receio de uma era de menos qualidade e mais anúncios é um elefante branco sentado no sofá da sala.
EDMONTON, CANADA - JANUARY 28: A woman holds a cell phone in front of a computer screen displaying the Netflix logo, on January 28, 2025, in Edmonton, Canada. (Photo by Artur Widak/NurPhoto via Getty Images)
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Créditos
Luiza Vilela
Repórter de Casual
Top 100 jornalistas mais admiradas do Brasil (2025). Formada em jornalismo pela PUC-SP, com especialização em Indústria Cinematográfica pela FAAP. Trabalhou para Record TV, Consumidor Moderno, entre outros. É crítica de cinema.
