Biden se torna 46º presidente americano: "a democracia prevaleceu"
Joe Biden tomou posse nesta quarta-feira, 20, como 46º presidente americano. No discurso, pediu união e respeito às diferenças
Carolina Riveira
Publicado em 20 de janeiro de 2021 às 14h20.
Última atualização em 20 de janeiro de 2021 às 15h40.
O democrata Joseph Robinette Biden Jr., 78, completou há pouco seu juramento e se tornou o 46º presidente dos Estados Unidos, no que chamou de "um dia de história e esperança".
Em seu discurso de posse, que durou 24 minutos -- um discurso considerado longo para os padrões das posses -- Biden pediu aos americanos um "novo começo" e citou repetidas vezes a necessidade de "união".
O democrata assume o poder em meio à profunda polarização que toma conta do país, acusações de fraude na eleição e um processo de impeachment em curso contra o então presidente Donald Trump. "Vamos começar a ouvir uns aos outros novamente", disse.
Trump, como já havia anunciado, não foi à cerimônia e se dirigiu pela manhã a sua casa na Flórida.
"Hoje nós celebramos não o trunfo de um candidato, mas de uma causa: a causa da democracia. Aprendemos novamente que a democracia é preciosa, que é frágil", disse. Biden lembrou que, há duas semanas, o Capitólio foi palco de uma invasão por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, sem citar, no entanto, o nome do presidente. "A democracia prevaleceu", disse, sendo aplaudido.
Bidené formado em Direito ecomeçou sua carreira política em Washington em 1972, aos 29 anos, como o político mais jovema ser eleito para o Senado americano na história dos EUA -- a posição foi mantida por seis mandatos, até 2009, quando assumiu a vice-presidência no governo de Barack Obama.
Na fala nesta quarta-feira, Biden disse que os EUA vão confrontar o "supremacismo branco" e o "terrorismo doméstico", após um ano que foi marcado por protestos diante da morte de George Floyd e outros americanos negros. Falando sobre divisão racial, Biden celebrou sua vice, Kamala Harris, primeira mulher negra a se tornar vice-presidente nos EUA, e citou Martin Luther King. "Não me diga que as coisas não podem mudar."
"Unidade... unidade", repetiu. "Eu peço a cada americano que se una a mim nesta causa."
O presidente usou boa parte do discurso para fazer acenos aos rivais republicanos e apoiadores do presidente Donald Trump, que questionam a legitimidade de sua eleição. "Eu agradeço meus predecessores de ambos os partidos", disse, sendo novamente aplaudido.
O único ex-presidente republicano presente na posse foi o republicano George W. Bush, ao lado dos ex-presidentes democratas Bill Clinton e Barack Obama. Compareceram todos os ex-presidentes vivos com exceção de Jimmy Carter, que aos 96 anos, não pode ir à cerimônia diante do risco do coronavírus.
"Sei que falar de união pode parecer uma fantasia tola neste dia. Sei que nossas divisões são profundas e reais. Mas sei também que não são novas", disse, citando o passado de "divisão" dos EUA, da Guerra Civil à Segunda Guerra Mundial e o 11 de setembro.
Biden afirmou que a batalha contra a divisão é "perene" e a vitória "nunca é certa", mas que a união é possível e que os americanos precisam "abaixar a temperatura". "Sem união, não há paz", disse.
O democrata afirmou que os lados opostos vão seguir discordando, e que as desavenças serão comum nos próximos anos, mas que é preciso que as discordâncias não atrapalhem a união americana, voltando a acenar aos eleitores de Trump.
Em uma leve lembrança do slogan " Make america great again" (fazer a América grande de novo) do presidente Trump, Biden disse que vai "fazer a América ser mais uma vez uma liderança para o bem no mundo". "Esse é nosso momento histórico de crise e desafios. A união é o caminho daqui para frente", disse. "Se fizermos isso, garanto que não iremos falhar."
A fala também teve acenos aos aliados no exterior, sem citar países específicos. Uma expectativa é que Biden aproxime as relações que ficaram desgastadas durante o mandato de Trump, como a proximidade com os países europeus. "O mundo está assistindo a todos nós hoje", disse. "Aqui está minha mensagem a todos para além das nossas fronteiras: vamos reparar nossas alianças e engajar com o mundo novamente. Não para os desafios de ontem, mas para os de hoje e amanhã". Biden prometeu que os EUA serão um "parceiro" na busca pela paz e liderar "pelo exemplo".
Falando sobre a crise do coronavírus, Biden disse que a população americana superará a pandemia "junta" e lamentou as mais de 400.000 vidas perdidas nos EUA, parando a fala para pedir um momento de oração silenciosa. Os EUA são o país com maior número de mortos pela covid-19.
"Eu termino hoje como comecei", disse ao fim da fala, citando o juramento que fez minutos antes. "Vou defender a Constituição, vou defender a democracia, vou defender a América", disse. "Que deus abençoe a América."
Há quatro anos, Trump focava fala na China
O discurso de Biden vai na contramão do que falou Trump há quatro anos, quando tomou posse neste mesmo 20 de janeiro, em 2017, ao suceder o democrata Barack Obama. No discurso de posse, Trump usou boa parte da fala para lembrar sua promessa de campanha de que reforçaria a indústria americana e traria empregos, criticando o mandato democrata de Barack Obama e também a China, com quem intensificaria uma ampla guerra comercial nos anos seguintes.
“A riqueza de nossa classe média foi tirada de suas casas e redistribuída ao redor do mundo”, disse na ocasião.
Em um raro comentário amistoso para com os democrata, Trump elogiou na posse de 2017 os Obama pela “ajuda” durante a transição. “Vocês foram magníficos”, disse. Nos anos que viriam, os embates entre Trump e os democratas se intensificariam ainda mais. Na eleição do ano passado, o agora ex-presidente não reconheceu a derrota para Biden e acusa a eleição de ter sido fraudada -- Biden venceu por 306 a 232 votos, resultado parecido ao de Trump em 2016.
Como nos discursos memoráveis da história americana, as falas de Biden e Trump refletem o momento histórico do país.
Os discursos de posse, no geral, não são feitos para a apresentação de propostas concretas. Mas podem dizer algumas coisas sobre alguns projetos de governo, mostrar a personalidade e os planos do novo presidente e também representar os desafios que se apresentam em cada época.
George Washington foi o primeiro presidente americano e também o primeiro a fazer um discurso de posse, em 1789 — a cerimônia aconteceu em Nova York. Após liderar os Estados Unidos nas guerras pela independência, Washington ressaltou na fala os pontos da recém-criada Constituição.
A segunda posse de Abraham Lincoln, em 1865, teve o discurso mais curto de todos: somente 700 palavras. A fala é uma das mais importantes da história americana, pois acontecia às vésperas do fim da Guerra Civil entre o norte e o sul dos Estados Unidos. Lincoln pediu um país “sem maldade, com caridade para todos, e firmeza no direito que Deus nos deu de ver o certo”. O presidente seria assassinado menos de um mês depois.
Em 1933, Franklin Roosevelt assumiu com uma missão dificílima: reviver a economia americana após a crise de 1929. Para esta tarefa nada fácil, invocou uma das frases mais lembradas do século 20. “A única coisa que temos a temer é o próprio medo”.
Outra frase memorável dos discursos inaugurais foi proferida por John Kennedy em 1961: “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país”. Após uma vitória apertada sobre o republicano Richard Nixon, Kennedy pediu a sua equipe um discurso curto. Sendo o presidente mais jovem a assumir o país, com 43 anos, o democrata representava parte das mudanças pelas quais passava a juventude americana, e seria o presidente a promulgar a lei dos direitos civis — e, mais tarde, seria assassinado por um opositor radical.
Na segunda posse de George W. Bush, em 2005, após os atentados de 11 de setembro em 2001 e um mandato marcado pela invasão no Iraque e a “Guerra ao Terror”, Bush passou todo o discurso lembrando a importância de “proteger” os Estados Unidos e de espalhar os valores americanos pelo mundo. “A sobrevivência da liberdade em nossa terra depende cada vez mais do sucesso da liberdade em outras terras”, disse. Uma mostra dos novos anos de intervencionismo que estavam por vir.
Em 2009, Obama usou seu discurso inaugural para falar sobre Wall Street, após a explosão da crise econômica no ano anterior. “Não há dúvida de que o mercado é uma força para o bem ou para o mal”, disse. “Essa crise nos lembrou de que, sem um olhar atento, o mercado pode sair de controle e que uma nação não pode prosperar quando favorece apenas os mais ricos”. Num cenário econômico desfavorável, Obama também lembrou do “trabalho a ser feito”, e, claro, ressaltou o fato de ser o primeiro presidente negro da história.
Como vice de Obama naquele 2009, Biden assumiu com a missão de vencer a crise econômica de então. Desta vez, agora como cabeça de chapa, o democrata terá novamente uma recessão pela frente, além de uma polarização crescente e os resquícios do trumpismo. As tantas menções a "união" no discurso não vieram à toa. A ver se o presidente -- conhecido por suas habilidades de negociação com os dois lados -- conseguirá cumprir o objetivo de trazer a unidade.
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