Membros da defesa civil libanesa borrifam água na rua ao lado do prédio atingido por um ataque que matou o vice-líder do Hamas, Saleh al-Aruri, no subúrbio sul de Beirute, em 3 de janeiro de 2024 - Crédito: Anwar Amro / AFP (Anwar Anro/AFP)
Redação Exame
Publicado em 3 de janeiro de 2024 às 11h38.
Última atualização em 3 de janeiro de 2024 às 13h25.
O Exército israelense disse nesta quarta-feira, 3, estar "preparado para qualquer cenário" e que as Forças Armadas se encontram "em estado de alerta muito elevado em todas as áreas, tanto na defesa como no ataque". "Estamos altamente preparados para qualquer cenário", declarou o porta-voz militar israelense, Daniel Hagari. Na terça-feira, 2, segundo o Hamas e fontes militares ouvidas por diversas agências internacionais, o número 2 do grupo, Saleh al Aruri, morreu durante um ataque a um prédio em Beirute. Israel não confirma nem nega que o bombardeio tenha sido feito por suas Forças Armadas.
Caso confirmado, seria o primeiro bombardeio do tipo no Líbano desde o começo da guerra, iniciada após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, que deixou cerca de 1.140 mortos, a maioria civis, segundo um balanço da AFP baseado em números oficiais israelenses. Entre os mortos, havia mais de 300 militares. Os combatentes também fizeram cerca de 250 reféns, dos quais 129 permanecem em cativeiro, segundo as autoridades israelitas.
Até o momento, Israel já havia divulgado as mortes de comandantes do Hamas e de outros funcionários do grupo em Gaza, mas Aruri é a figura mais elevada dessa lista.
O episódio aprofunda as preocupações de que o conflito de quase três meses entre Israel e o Hamas se espalhe por toda a região do Oriente Médio. A morte de Aruri não levará à derrota do Hamas, "um movimento, cujos líderes e fundadores caem como mártires pela dignidade do nosso povo e da nossa nação, nunca será derrotado”, disse seu líder, Ismail Haniyeh.
O temor se amplia na medida em que o movimento Hezbollah, que atua no Líbano e é conhecido inimigo de Israel, jurou vingança e classificou o assassinato como "um ataque sério contra o Líbano (...) e um acontecimento perigoso". Já o primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, afirmou que a morte "procura arrastar o Líbano" para a guerra.
Chefe das operações do Hamas na Cisjordânia, al-Arouri morreu em uma explosão que também vitimou dois líderes de sua ala armada, segundo o Hamas e diversas agências internacionais. Nos últimos anos, al-Arouri passou grande parte do tempo em Beirute, onde atuava como uma espécie de embaixador do Hamas para o Hezbollah, de acordo com autoridades de segurança da região. Ele também era considerado próximo de Yahya Sinwar, o líder do Hamas em Gaza.
Em 2014, Israel acusou al-Arouri, na época comandante do Hamas, de planejar o sequestro e assassinato de três adolescentes israelenses na Cisjordânia. O membro do grupo chamou o ato de “uma operação heroica das Brigadas Qassam”, referindo-se à ala militar do Hamas. Naquele ano, Israel também acusou al-Arouri, que estava exilado na Turquia, de conspirar para derrubar Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, que governa partes da Cisjordânia ocupada.
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Em 2017, al-Arouri foi eleito vice-presidente do comitê político do Hamas, acelerando o que analistas e autoridades de Israel afirmaram ser uma crescente relação entre o grupo e o Hezbollah. Poucos dias depois de sua eleição, ele visitou Teerã para fortalecer laços com o Irã.
Na mesma ocasião, se encontrou publicamente com o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, para discutir a colaboração entre os dois, de acordo com notícias de veículos palestinos da época.
Por anos, o Departamento de Estado dos EUA ofereceu até US$ 5 milhões (R$ 24,6 milhões, na cotação atual) por informações sobre o paradeiro de al-Arouri. Em outubro, após o ataque liderado pelo Hamas que matou mais de 1.200 pessoas em Israel, ele foi visto se reunindo com Nasrallah e Ziad Nakhale, o secretário-geral da Jihad Islâmica Palestina, outro grupo militante baseado em Gaza.
Os três discutiram como coordenar “para alcançar uma vitória total e interromper o brutal ataque ao povo oprimido de Gaza e da Cisjordânia”, de acordo com a Al-Manar, emissora oficial do Hezbollah.
Os confrontos entre Israel e o Hezbollah se espalharam ao longo da fronteira Israel-Líbano, aumentando os temores de um conflito mais amplo que envolveria grupos armados apoiados pelo Irã no Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.
Para analistas, a morte de al-Arouri priva o Hamas de um de seus táticos mais habilidosos, que ajudou a encaminhar dinheiro e armas para suas operações em Gaza e em outras partes do Oriente Médio, e integrou o grupo de forma mais estreita na rede de forças do Irã.
Não estava claro, porém, se seu assassinato seria um golpe debilitante para a organização, que se reconstruiu repetidas vezes após as mortes de seus líderes, e permaneceu ágil o suficiente para planejar os ataques terroristas de 7 de outubro em Israel.
Ainda assim, a morte de al-Arouri representa um revés para o Hamas no momento mais vulnerável de sua história, disseram os analistas. A ofensiva de Israel em Gaza enfraqueceu significativamente a força militar do grupo, incluindo sua capacidade de fabricar foguetes e outras armas.
A posição de al-Arouri como embaixador do Hamas no Irã e no Hezbollah significava que ele teria um papel importante nos esforços do grupo para se reconstruir militarmente com a ajuda de apoiadores estrangeiros. Israel não assumiu a responsabilidade por seu assassinato.
"O Hamas irá sofrer porque perdeu um de seus principais estrategistas", disse Emile Hokayem, diretor de segurança regional no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. "Ele gerenciava bem relacionamentos políticos e tinha credibilidade como comandante."
Em sua visão, caso confirmada a autoria do ataque, Israel estaria demonstrando disposição de correr o risco de uma guerra mais ampla envolvendo o Líbano. "Arouri pode não ser tão conhecido quanto Sinwar, mas foi crucial para revitalizar o Hamas após a guerra em Gaza de 2014, reconstruindo as relações com o Irã e o Hezbollah, prejudicadas por suas diferenças sobre a Síria", escreveu Hokayem.
Agora, aponta, o Hezbollah terá um teste à frente se deve ou não intensificar o conflito, apesar de Arouri não ser libanês. "Se não intensificar, como será percebida a credibilidade dissuasiva do Hezbollah? Este é um momento de grande perigo", destacou o analista.
"Há pelo menos 12 mártires até agora, a maioria crianças. Qual foi a culpa deles? Um deles é meu filho de um mês. O que ele fez a Israel?", perguntou Ghazi Darwish. "Meu outro filho tem cinco anos e também foi martirizado", acrescentou.
Mais ao sul, em Khan Yunis, a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino disse que Israel bombardeou sua sede duas vezes, deixando "cinco baixas e três feridos" entre os deslocados que se refugiaram no local e em um hospital próximo.
Os ataques a Khan Yunis continuaram na manhã desta quarta-feira, causando "inúmeras" mortes, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
O conflito desencadeou uma grave crise humanitária em Gaza, cujos 2,4 milhões de habitantes vivem sitiados e, em sua maioria, deslocados e em acampamentos improvisados e superlotados.
No meio da ameaça de fome e de doenças pela falta de ajuda, um navio britânico entregou 87 toneladas de assistência para Gaza, no primeiro carregamento através de um novo corredor marítimo a partir de Chipre.