Ibovespa: alta improvável em um ano de juros altos (Germano Lüders/Exame)
Repórter de finanças
Publicado em 29 de dezembro de 2025 às 06h00.
O ano de 2025 foi marcado por um alto interesse na renda fixa — afinal, a Selic chegou a 15%, maior nível desde 2006. Entretanto, a renda variável surpreendeu: a bolsa bateu a renda fixa e não foi pouco. O Ibovespa vivenciou um rali, chegando a ficar muito próximo dos 170 mil pontos. Nesta última semana de 2025, ainda que meio distante da máxima do ano, acumula alta de mais de 30% desde janeiro.
O movimento não era óbvio. No final do ano passado, a bolsa estava na casa dos 120 mil pontos e falava-se de dólar a mais de R$ 6 em 2025, com o cenário fiscal preocupando o investidor e levando a uma migração para a renda fixa. Hoje, o momento é diferente. “Depois que acontece é fácil explicar os motivos do porquê aconteceu, mas essa alta não era tão óbvia”, diz Ricardo Peretti, estrategista de ações da Santander Corretora.
Isso porque houve diversos momentos de 2025 que geraram aversão a risco. Um deles foi o Liberation Day, quando Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, taxou diversos países com tarifas de importação — incluindo o Brasil, que chegou a uma tarifa de 50% em uma extensa lista de produtos. Em paralelo, as contas públicas continuaram no centro das preocupações e medidas como a isenção do Imposto de Renda (IR), para quem ganha até R$ 5 mil, não foram bem aceitas pelo mercado de começo.
Os pontos foram se ajustando, em partes, mas não quer dizer que o investidor local começou a ver valor na bolsa de valores de fato. Na verdade, grande parte ainda está na renda fixa (como é possível visualizar nos números de fundos de renda fixa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais — Anbima).
“O clima no ano passado não era de festa. Eu costumo chamar o que estamos passando agora de uma cortina de fumaça. Porque o que estamos vivenciando de indicadores macro e também na dinâmica do risco fiscal, não era para nossa bolsa ter tido essa performance”, afirma Matheus Amaral, especialista de renda variável do Inter.
Conforme o especialista, o movimento é contraintuitivo: bolsas nas máximas, mesmo com juro a 15%, o que pressiona resultado e a dinâmica das companhias, principalmente aquelas que estão mais alavancadas. Uma das coisas palpáveis que mostra isso é a falta de IPOs há 4 anos — com o último sendo em 2021.
O que ajudou, de fato, foi a entrada do gringo. Segundo a consultoria Elos Ayta, o fluxo de investimento estrangeiro na bolsa até novembro de 2025 estava positivo em R$ 28,49 bilhões. Em 2024, houve um saldo negativo de R$ 24,2 bilhões. Sem considerar as ofertas subsequentes de ações (follow ons) que ocorreram este ano, o saldo anual até novembro está em R$ 27,35 bilhões.
Tal movimento aconteceu na esteira do enfraquecimento do dólar e do questionamento, ainda que parcial, do excepcionalismo americano, explica Daniel Utsch, gestor de renda variável da Nero Capital. Nesse momento, uma parte dos recursos começou a migrar dos Estados Unidos para países emergentes e, nesse combo, entrou o Brasil. “Um grãozinho de areia que o investidor global coloca aqui já faz uma diferença gigantesca.”
Somado a isso, o início da flexibilização do ciclo monetário dos EUA também colaborou para a saída de investimentos do país norte-americano para outros, principalmente emergente — novamente, como o Brasil. Em setembro, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), reduziu sua taxa de juros pela primeira vez em nove meses. De lá para agora, ela saiu da faixa de 4,25% a 4,50% para 3,50% a 3,75%. O corte aumenta o diferencial de juros com o Brasil, o que favorece também a entrada de capital por aqui, impulsionando bolsa e enfraquecendo dólar.
Outro motivo que colabora com a bolsa brasileira é a expectativa de corte de juros no Brasil.
“O mercado segue dividido entre janeiro ou março. Tivemos o dado do PIB do terceiro trimestre, que foi um pouco pior do que esperado, e os últimos dados de inflação, que têm vindo cada vez mais comportados, o que aumenta a expectativa. Não vai pegar ninguém de surpresa quando o Banco Central (BC) anunciar o corte”, pontua Peretti.
De acordo com o especialista do Santander, o que pode acontecer é que, dependendo da sinalização do BC, pode ser que os investidores fiquem um pouco mais convictos de que esse ciclo de corte de juros será mais longo, o que pode animar o mercado — no caso de 400 pontos-base (p.b.) de corte, a exemplo. Por outro lado, na primeira decisão, pode ocorrer uma realização, já que o corte está precificado.
E a bolsa segue barata. Para entender como um índice está “caro” ou “barato” é necessário olhar o “preço sobre lucro” (P/L). Soma-se todos os preços das ações e divide-se pelo lucro dessas mesmas ações (dado os devidos pesos de cada uma no Ibovespa). O resultado atual é 9,5x. Esse número, por sua vez, está abaixo da média histórica de 10,5x. Ou seja, ela ainda está mais de um desvio padrão abaixo.
Por fim, o último ponto que colabora para a alta do Ibovespa são os bons resultados trimestrais.
“Isso ajuda o investidor a ter uma vontade maior de investir, principalmente em empresas maiores, com mais capacidade de se reinventar e atravessar momentos mais difíceis. Elas conseguem ganhar mercado, conseguem crescer, porque tem bases mais sólidas, acesso a capital mais fácil, o que ajuda um pouco nesse período macro mais desafiador”, ressalta Pedro Rudge, diretor da Anbima.
Quando somam-se os fatores acima (corte de juros nos EUA e no Brasil, junto com um externo sob controle), o resultado é um cenário moderado para a bolsa — pelo menos é o que pensa o banco Safra. Entre riscos e pontos positivos, o Ibovespa pode alcançar, ao final de 2026, os 198 mil pontos, escrevem Cauê Pinheiro, Carolina Carneiro, Yves Adam e Luana Nunes.
Em um cenário mais otimista, considerando um ambiente de juros mais baixos e um crescimento sustentável mais elevado, o que poderia levar o P/L para 12x, ao aplicar esse P/L-alvo aos lucros estimados para 2027, o Safra estima que o Ibov por chegar a 254 mil pontos até o final de 2026.
Já em um cenário conservador, considerando o inverso (um ambiente de juros mais altos e um crescimento sustentável mais baixo), o banco assume que poderá ter um aumento de 180 p.b. para 16,1% (de 14,3%), resultando em um múltiplo P/L-alvo de 6,4x. Aplicando esse P/L-alvo aos nossos lucros estimados para 2027, os analistas chegam a 136 mil pontos até o final de 2026.
“Apesar do cenário ainda favorável, as expectativas e incertezas em torno das eleições no Brasil podem impactar a perspectiva econômica de longo prazo. Além disso, o desconto dos múltiplos do Ibovespa em relação ao seu nível histórico é menor do que no início de 2025”, pontua a equipe.
Para enfrentar o cenário de 2026, os analistas selecionam nomes que combinem qualidade de ativos e de gestão, alavancagem controlada e algum potencial de crescimento, de modo a suportar a maior volatilidade esperada para o próximo ano. Entre as opções destacam-se: Gerdau (GGBR4), Rede D’Or (RDOR3), Copel (CPLE3), Motiva (MOTV3) e Telefônica Brasil (VIVT3).