Privação de cuidados a recém-nascidos aumenta risco de ansiedade
Pesquisa da Unifesp feita com filhotes de ratos mostra que ausência da mãe fez animais se tornaram adultos ansioso e depressivos
Victor Sena
Publicado em 25 de março de 2020 às 10h43.
Última atualização em 25 de março de 2020 às 13h39.
A privação de cuidados maternos nos primeiros dias de vida aumenta as chances de a prole apresentar problemas de comportamento que remetem a transtornos psiquiátricos na vida adulta.
A conclusão resulta de experimentos com ratos, realizados na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que permitiram entender mecanismos neurais e hormonais envolvidos no desenvolvimento de comportamentos relevantes para o estudo da ansiedade e depressão, abrindo caminho para novos tratamentos. O projeto teve apoio da FAPESP.
"Estabelecemos um modelo animal para estudar os efeitos da negligência materna na saúde mental”, explica a biomédica Deborah Suchecki, professora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp e coordenadora do estudo. “Com um bom método de análise, é possível investigar de forma mais profunda alterações estruturais e funcionais que ocorrem no organismo de ratos afastados de suas mães por algumas horas.”
Foram analisados animais compulsoriamente separados das mães durante 24 horas seguidas, quando tinham apenas três dias de vida.
Tempos depois, já na idade adulta, os roedores apresentaram perda de prazer em realizar atividades agradáveis – um dos principais indicativos de depressão. “Consumir sacarose é algo que dá muito prazer aos ratos. Consideramos ‘depressivos’ aqueles que se mostram desmotivados a comer açúcar”, conta a pesquisadora.
Os filhotes impactados pela ausência da mãe também se tornaram adultos “ansiosos”. Nesse caso, os sinais observados foram dificuldade para agir em ambientes novos, levando-os a um estado de alerta constante. “Os ‘ansiosos’ preferiam ficar em lugares fechados, evitando se expor”, diz Suchecki.
No período em que ficou sem a mãe, o filhote de rato não mamou nem recebeu lambidas na região genital, ato que representa uma forma de carinho materno. De acordo com Suchecki, isso é suficiente para que a glândula adrenal, situada sobre os rins, libere grandes quantidades de hormônio corticosterona, correspondente em roedores ao cortisol humano, associado ao estresse.
Como explica Suchecki, a relação entre privação materna e aumento dos níveis de estresse é conhecida desde meados da década de 1990, quando ela e um grupo da Universidade de Stanford na Califórnia, Estados Unidos, fizeram essa descoberta. O estudo desenvolvido agora na Unifesp deu um passo além.
“O objetivo foi saber se o aumento de estresse causado pela privação materna impactava em comportamentos relacionados à depressão e à ansiedade na vida adulta.”
Ao estudar o cérebro dos animais, Suchecki e sua equipe descobriram que ratos submetidos ao estresse da privação materna no terceiro dia de vida apresentaram menor produção do neuropeptídio Y em comparação ao grupo controle, formado por animais que não sofreram negligência materna.
O neuropeptídio Y é uma das substâncias químicas responsáveis pela comunicação entre neurônios. “Há evidências de que a deficiência de neuropeptídio Y está envolvida na fisiopatologia das emoções e dos transtornos do humor”, diz Suchecki, lembrando que a principal função desse neurotransmissor é regular vários processos metabólicos, entre eles o comportamento de ingestão de alimentos.
Em estudo de 2016, Suchecki já havia mostrado que ratos privados de cuidados maternos apresentavam, na adolescência, redução da ingestão de alimentos e perda de peso corporal. Para a biomédica, os achados podem contribuir para o desenvolvimento de uma nova categoria de antidepressivo, baseada em receptores de neuropeptídio Y. “Esses medicamentos podem ajudar a combater a depressão e problemas os metabólicos.”
Rede de apoio
Além de contribuir para aprimorar os tratamentos médicos para distúrbios mentais, os estudos sobre privação materna também buscam chamar a atenção para aspectos sociais envolvidos no desenvolvimento de crianças em seus primeiros anos de vida.
“A importância da mãe não se resume ao ato de alimentar o bebê”, afirma Suchecki. “Criar vínculos seguros, dar carinho e estimular a percepção da criança com brincadeiras e afetividade também são decisivos para sua formação.”
Suchecki ressaltou ainda que a tarefa de cuidar dos filhos, no caso dos seres humanos, não precisa se restringir às mães – diferentemente do que ocorre com os roedores. “O filhote de rato é cuidado exclusivamente pelas progenitoras, mas um bebê humano pode ter uma rede de apoio disponível, que inclui tios, avós e, claro, o pai”, diz. Segundo a pesquisadora, uma criança criada com carinho pela avó, por exemplo, não passará, necessariamente, pelo trauma da privação materna.
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