Abstenção nas eleições ajuda mais Lula ou Bolsonaro? Entenda
Com disputa presidencial apertada no 1º turno e cada voto fazendo a diferença, campanhas têm observado de perto as possibilidades de abstenção
Carolina Riveira
Publicado em 22 de setembro de 2022 às 18h26.
Última atualização em 22 de setembro de 2022 às 19h02.
Quem não vota pode decidir as eleições 2022 mesmo longe das urnas. Pelo menos pode ser esse o caso em disputas apertadas, como a presidencial — em que o ex-presidente Lula (PT) tenta, nos últimos dias antes da votação, converter mais indecisos e ganhar ainda no primeiro turno contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Embora o voto no Brasil seja compulsório (não votar exige uma justificativa, sob risco de sanções), a abstenção eleitoral é um dos números que têm sido observados com atenção.
Historicamente, a abstenção no Brasil é menor do que em democracias ocidentais onde o voto não é obrigatório. Ainda assim, está em alta: em 2018, nas últimas eleições gerais, ficou em 20,3% — a segunda maior desde a redemocratização, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quase 30 milhões de brasileiros aptos a votar não o fizeram naquela eleição, enquanto 117,4 milhões foram às urnas.
A maior abstenção no Brasil ocorre entre homens, moradores do Sudeste e com escolarização até o ensino fundamental, segundo dados do TSE compilados pelos professores Emerson Urizzi Cervi, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Felipe Borba, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que analisaram o perfil de abstenção nas eleições de 2018 e nas municipais de 2020.
"A abstenção no Brasil tem tido crescimento constante, gradual e pequeno. A cada eleição cresce um pouco. Isso pode ser explicado pelo fato de o eleitor estar entendendo que não votar gera punição somente administrativa", diz Cervi, da UFPR.
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Quem mais se abstém no Brasil
- Eleitores do Sudeste e Centro-Oeste;
- Homens;
- Eleitores com ensino fundamental;
- Eleitores no exterior;
- Cidades pequenas ou médias (de 10 mil a 200 mil habitantes);
- Eleitores acima de 75 anos ou abaixo de 18.
Quem tem maior comparecimento
- Eleitores das regiões Sul e Nordeste;
- Mulheres;
- Eleitores com ensino superior;
- Eleitores em cidades grandes (+ de 200 mil habitantes) ou muito pequenas (até 5 mil habitantes).
Mas, só com essas informações retroativas, é impossível dizer quem, se Lula ou Bolsonaro, pode ser mais prejudicado com a abstenção em 2022, alerta o professor da UFPR.
"Esse padrão é retrospectivo, não prospectivo", diz. "Alguém pode argumentar que a abstenção alta entre quem tem ensino fundamental prejudicaria mais Lula, que tem mais votos entre os mais pobres; mas homens também se abstêm mais do que as mulheres, o que prejudicaria Bolsonaro."
Outra divisão que Cervi destaca é entre os diferentes tamanhos de município. A abstenção é acima da média em cidades pequenas ou médias (de 10 mil a 200 mil habitantes), mas abaixo da média em cidades muito pequenas (até 5 mil habitantes) ou nas grandes (acima de 200 mil).
Não à toa, parte do foco da campanha de Lula nos últimos dias tem sido evitar a abstenção nas periferias de grandes cidades do Sudeste, uma vez que, pelas pesquisas, o petista leva leve vantagem sobre Bolsonaro nos estratos inferiores de renda (veja no gráfico abaixo).
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Como a EXAME mostrou, o foco dos candidatos no Sudeste acontece ainda porque, como região com maior colégio eleitoral do país e 66 milhões de eleitores, cada pequeno percentual representa milhões de votos — o que pode ser a diferença entre o primeiro e o segundo turno para Lula e Bolsonaro.
"Em 2018, a escolaridade foi um fator fundamental para a vitória de Bolsonaro (ele obteve amplo apoio dos eleitores de média e alta escolaridade). Pode ser novamente em 2022 para a vitória de Lula. Mas é fundamental que seus potenciais eleitores compareçam para votar", disse em artigo nesta semana o cientista político Jairo Nicolau.
"A convocação para que os eleitores de baixa escolaridade [ e baixa renda ] saiam de casa no dia 2 de outubro pode ser decisiva para Lula."
Abstenção pode ser menor que em 2018
Analisar a abstenção neste ano é um desafio dado que a eleição de 2018 foi atípica, com confusão sobre quem seriam os candidatos com a ausência de Lula e o alto impacto político da Operação Lava-Jato na época.
Para 2022, Cervi, da UFPR, lembra que a literatura na Europa Ocidental mostra, por exemplo, que o comparecimento na região voltou a crescer após a crise econômica de 2008, e isso pode ser uma tendência também no Brasil neste ano — a ser confirmada em 2 de outubro.
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A abstenção de 2018 foi a maior para uma eleição geral desde 1998, quando as ausências também chegaram a um pico — já passada a "novidade" do retorno do voto presidencial em 1989, que foi a primeira eleição para o cargo pós-ditadura e também a com menor abstenção, de só 12%.
Já nas eleições municipais de 2020 (que teve abstenção ainda maior, de 23%, fora do padrão para uma eleição municipal), houve ainda uma taxa maior de pessoas se abstendo, sobretudo idosos, devido ao risco da covid-19, o que também não se repetirá agora, diz Cervi.
Olho nos indecisos
Além do perfil socioeconômico dos eleitores que se ausentam, um dos pontos de atenção para Lula são que os votos potencialmente "viráveis" não se sintam motivados a comparecer. É o caso dos atuais eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que juntos têm pouco mais de 10% dos votos, mas podem contabilizar mais de 10 milhões de eleitores com essa fatia.
Na última pesquisa BTG/FSB, divulgada nesta semana, 56% dos eleitores de Ciro disseram que podem mudar de voto e 50% dos de Tebet disseram o mesmo.
O mesmo vale para os atuais brancos/nulos, além de quem ainda não escolheu candidato ou, por fim, quem afirma desde já que não votará, grupos que juntos somam 7% dos votos. Nessa fatia, 28% dizem que podem mudar de status até a eleição.
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O eleitor menos decidido em um candidato tem menor chance de ir votar, explica Cervi, da UFPR. Mas ajuda no comparecimento o fato de que o Brasil vota paralelamente em deputados, senadores e governadores, o que historicamente atrai às urnas mesmo os eleitores cujos candidatos presidenciais não têm chance de vitória. Esse modelo varia de país a país — na França, por exemplo, que também teve eleições neste ano, vota-se primeiro no presidente e depois no Parlamento.
"A eleição é um fenômeno relacional, entre candidatos representantes e seus representados. Muitos eleitores em cidades muito pequenas, por exemplo, têm uma identificação com o candidato a deputado, e isso acaba levando à urna e, uma vez lá, ele termina votando também nos outros cargos", explica o professor da UFPR. "Mas o eleitor que está menos decidido, com menor identificação com seus candidatos, têm mais chance de se abster."
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Isso também explica o porquê de a abstenção no segundo turno ser maior do que no primeiro (em 2018, enquanto 117,4 milhões votaram no primeiro turno, só 115,9 milhões votaram no segundo).
Se um eleitor vota branco, nulo ou não comparece, seu voto não é computado entre os votos válidos. Das pesquisas desta semana, Lula, por exemplo, tem 44% dos votos na última pesquisa BTG/FSB, ou 47% no Ipec, mas, em votos válidos (que é o que importa para vencer no primeiro turno), o petista tem 47% na primeira e 52% na segunda. A princípio, abstenções pelo lado de Bolsonaro favorecem Lula porque diminuem o bolo de votos válidos, enquanto abstenções de potenciais eleitores do petista o prejudicam na tentativa de ganhar já no 1o turno.
A abstenção no Brasil é menos decisiva do que em outros países do Ocidente e, a depender dos desdobramentos, pode prejudicar tanto Lula quanto Bolsonaro em medidas muito parecidas. Mas, em uma disputa tão apertada em 2 de outubro, as campanhas buscarão cada voto possível nos próximos dias.
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