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A escalada de acontecimentos que levou Manaus ao colapso

Como uma sucessão de omissões, erros de comunicação e de planejamento deixou um estado inteiro sem oxigênio para tratar seus pacientes

Manaus (Bruno Kelly/Reuters)

Manaus (Bruno Kelly/Reuters)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 17 de janeiro de 2021 às 08h00.

Na última quinta-feira (14), o sistema de saúde de Manaus colapsou. A falta de leitos e respiradores, principais preocupações da primeira onda da covid-19, deu lugar a uma nova e ainda mais perversa preocupação no estado: a falta de oxigênio, insumo cuja demanda saltou 5 vezes em 15 dias, segundo o próprio Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas.

O colapso da saúde amazonense, entretanto, não aconteceu da noite para o dia. Uma sucessão de omissões, erros de comunicação e de planejamento, somadas a um afrouxamento forçado das restrições, levaram o estado do Amazonas a viver um dos piores momentos da pandemia no Brasil até agora. Abaixo, os principais fatores que, aos poucos, minaram a capacidade do Estado de lidar com a covid-19.

1. Fechamento de hospitais de campanha

Ainda no início das medidas restritivas em diversas cidades e estado do Brasil, já existiam discussões sobre a possibilidade da covid-19 ser uma doença que vai e vem, em ondas. Uma projeção feita por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fundação Getulio Vargas (FGV) chegou a essa conclusão em março de 2020. Mesmo assim, a prefeitura de Manaus fechou os hospitais de campanha da cidade três meses depois, em junho, mesmo mês em que afrouxou as restrições da quarentena, inclusive reabrindo o comércio. 

Os números de novos casos e de mortes seguiram em leve queda até novembro, quando voltaram a subir. A prefeitura, entretanto, não reativou os hospitais de campanha. Prefeito de Manaus até 31 de dezembro, Arthur Virgílio Neto (PSDB) afirmou nesta sexta (15) ao UOL que tinha convicção de que a pandemia não avançaria tão brutalmente como veio a acontecer e que não havia tempo suficiente para construir um novo hospital de campanha até o final do seu mandato.

2. Tratamento precoce

Em maio de 2020, durante o auge da pandemia em boa parte do Brasil, o Ministério da Saúde divulgou uma recomendação de “tratamento precoce” da covid-19 com hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina - drogas que atuam contra a lúpus, diversos tipos de infecções bacterianas e contra fungos, respectivamente. 

Dados obtidos pela Folha de S.Paulo dão conta de que a quantidade de comprimidos de hidroxicloroquina distribuídos às Unidades Básicas de Saúde do SUS saltou 455% entre março e julho de 2020. Só até novembro do ano passado, o Exército já havia produzido 3,2 milhões de comprimidos, e ainda tinha 400 mil deles estocados, segundo dados obtidos pela CNN.

Na última segunda (11), dias antes do sistema de saúde manauara colapsar, Eduardo Pazuello esteve em Manaus para divulgar o “kit covid”. “Não vai matar ninguém”, afirmou o ministro da Saúde. Uma das secretarias do órgão chegou a enviar um ofício à secretaria municipal de Saúde de Manaus recomendando visitas às UBSs para garantir a “difusão do tratamento”. Até o fechamento desta matéria, nenhum estudo clínico comprovou que a hidroxicloroquina é eficaz contra a covid-19, independente do momento em que é ministrada o paciente. 

3. Protestos contra o distanciamento social

No dia 26 de dezembro, entrou em vigor um decreto que proibia a abertura de qualquer comércio não-essencial por 15 dias em todo o Amazonas. A essa altura, o hospital de referência no tratamento da Covid no estado, Delphina Aziz, já tinha quase 100% de ocupação de leitos clínicos e UTI. 

Mesmo assim, uma multidão tomou conta do centro de Manaus para protestar contra o decreto que, segundo empresários e trabalhadores locais, estaria atrapalhando o movimento de fim de ano. O governador Wilson Lima (PSC) cedeu à pressão no dia seguinte e revogou o decreto, facilitando a livre circulação de pessoas - e do vírus - por todo o estado.

4. Nova mutação do vírus

Sem nenhuma restrição severa à circulação de pessoas, o coronavírus se espalha facilmente entre a população do Amazonas. Quanto mais o vírus circula, maiores as chances dele sofrer mutações - e foi exatamente o que aconteceu. 

A Fiocruz identificou uma nova mutação no estado e comunicou o Ministério da Saúde no dia 12 de janeiro - mas estima-se que a variante, potencialmente mais contagiosa, já circulava pelo menos desde dezembro, colaborando para o aumento expressivo de casos que levou Manaus ao colapso nesta semana.

5. Avisos importantes foram ignorados

A explosão da demanda por oxigênio em Manaus superou em quase três vezes a capacidade de produção local do insumo. Principal fornecedora de oxigênio no estado, a White Martins informou em primeira mão à EXAME que tinha avisado as autoridades no início de janeiro sobre a possibilidade de desabastecimento. Integrantes do governo do Amazonas também relataram à Folha que avisaram o ministro Pazuello sobre a questão.

Segundo o próprio ministro, até mesmo o seu irmão, infectado pelo coronavírus, estava sofrendo com a falta de oxigênio, objeto de reclamação da sua cunhada, que cuidava do marido. “[Respondi a ela que] não tinha o que fazer”, contou o ministro em coletiva de imprensa em Manaus na segunda-feira (11). Os primeiros carregamentos aéreos de oxigênio começaram a ser enviados à Manaus apenas na sexta (8), um dia depois da White Martins ser mais incisiva e informar que não teria capacidade de suprir a demanda que estava pela frente.

Mais recentemente, veio a público que a Secretaria de Saúde do Amazonas já sabia da possibilidade de desabastecimento desde novembro, pelo menos. 

6. Falta de planejamento logístico

Transportar cilindros de oxigênio hospitalar envolve um planejamento logístico bastante delicado. Além do potencial explosivo, os cilindros são pesados - o que demanda aeronaves cargueiras específicas. Quando o oxigênio de Manaus acabou, a única aeronave do estado com capacidade para esse tipo de operação estava em manutenção. 

A indisponibilidade levou o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM) a pedir que o chanceler Ernesto Araújo pedisse uma aeronave cargueira de alta capacidade emprestada ao governo americano. O Itamaraty confirmou à EXAME o contato com a embaixada americana, mas o empréstimo, até agora, não aconteceu

Uma das aeronaves utilizadas no transporte aéreo de oxigênio para Manaus foi o avião Airbus A330 da Azul. Originalmente programado para trazer 2 milhões de doses da vacina de Oxford da fábrica de Mumbai para o Brasil, o avião nem chegou a decolar de Recife após uma negativa Índia em relação à operação. Enquanto isso, um dos quatro Embraer KC-390 Millennium, o maior cargueiro da FAB, foi enviado na terça (12) para um treinamento militar nos EUA. 

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