Jody Gerson comanda há nove anos a Universal Music, maior empresa de entretenimento do planeta (Universal Music/Divulgação)
Repórter de POP
Publicado em 25 de julho de 2024 às 06h00.
A indústria da música tem três tradicionais competidores que sempre brigam pelo pódio. Dois deles, ano a ano, disputam o ouro. Em 2023, a Warner Music teve receita de 6,03 bilhões de dólares, garantindo o bronze; a Sony Music, 10,35 bilhões de dólares, ficou com a prata; e a Universal Music, medalha de ouro, fechou o ano com recorde: 12,11 bilhões de dólares de receita, com lucro de 1,37 bilhão de dólares.
Olhando por cima, as três empresas têm estratégias semelhantes: capital aberto, catálogo composto de celebridades e artistas de peso, recursos e parcerias bilionárias com streamings. Só uma delas, no entanto, tem uma mulher no comando.
Desde que assumiu em 2015 como CEO da Universal Music Publishing Group (UMPG), braço musical da Universal, Jody Gerson trata de dar a sua cara a um negócio de 52 anos. Distante de ser reconhecida só por seu gênero — ainda que tenha conquistado a impressionante marca de ser a primeira mulher a assumir a presidência de uma grande editora musical —, Gerson quer ser lembrada pelos números.
Gilberto Gil anuncia aposentadoria dos palcos aos 82 anosEm nove anos, a executiva viu a receita da empresa que lidera crescer 76%. Os quase dez anos de casa também vieram acompanhados das contratações e extensões de compositores históricos, incluindo a aquisição do catálogo de Bob Dylan, Bee Gees, Elton John, Carly Simon, Bruce Springsteen, Prince, Taylor Swift, Billie Eilish, Kendrick Lamar, Alicia Keys, Coldplay, Justin Bieber. Com escritórios em mais de 40 países, incluindo o Brasil, a UMPG já ultrapassou 4 milhões de músicas gerenciadas.
Ney Matogrosso revela detalhes de cena emocionante de "Homem com H"Pelo trabalho à frente da companhia, marcado pela disposição para receber as mudanças do mercado de braços abertos — desde que pagas por um preço justo —, Jody Gerson foi nomeada “Executiva do Ano” pela Billboard, em sua lista Power 100 de 2023, aos 62 anos.
Em maio de 2024, ela aterrissou no Rio de Janeiro para palestrar no Rio2C, o maior encontro de criatividade da América Latina. Dias antes de subir ao palco do evento, ela conversou com a EXAME em um bate-papo marcado por suas ambições para a indústria da música, que continua cercada por desafios das tecnologias e negociações atuais. Entre eles, a inteligência artificial e a disputa por direitos autorais, assuntos dos quais ela falou na entrevista a seguir.
A Universal Music é a companhia de música que mais faturou em receita em 2023 no mundo todo. Como é para você o desafio de manter essa roda funcionando, com tanto poder nas mãos?
Jody Gerson: Quando eu assumi o cargo, as pessoas me faziam perguntas sobre ter poder, o que o poder significa para mim. Agora que estou dirigindo uma empresa global, eu pensei muito estrategicamente sobre o que o poder significa nesta posição e entendi que tem a ver com a habilidade de empoderar outros, confiar em seus trabalhos e apoiá-los. Acredito que essa é uma razão muito, muito grande para o sucesso da empresa. Pude contratar e dar suporte às equipes certas ao redor do mundo para levar nossa companhia adiante.
O que aprendi é que muita gente que chega quer sair mudando tudo e se apoia somente na opinião dos outros para pôr essas mudanças em ação. Eu não sou assim. Todas essas pessoas me disseram que eu precisaria de um mentor que me guiasse, e eu recusei, tive confiança de que realmente tenho bons instintos. E meu instinto era que eu precisava aprender sobre a empresa, saber quem eram as pessoas com quem eu trabalharia.
A partir daí, as contratações de todos os cargos, do assistente estagiário ao advogado, tinham um requisito indispensável: se você está em uma gravadora de música, então a música tem de estar na vanguarda e na responsabilidade a todo momento do seu trabalho, independentemente da sua função. Eu não quero ser a única mulher no topo, não terei tido uma carreira de sucesso se eu ainda for a única mulher no final do meu tempo.
Como você escolhe os talentos que vão assinar com a Universal?
Jody Gerson: Devo dizer que eu, pessoalmente, não contrato todo mundo. Há vários artistas que eu contratei pessoalmente, mas tenho equipes em todo o globo, em quem confio, para fazer contratações. Sobre como escolher e saber se vai ser um sucesso, é um sentimento.
A maior parte do meu trabalho é ouvir. A música tem de mexer comigo. Ela me atinge no coração? Eu sinto isso na minha barriga? Eu posso cantar o refrão? A letra pode se conectar com as pessoas? Se sim, são bons indicativos.
Tem uma pergunta que eu sempre faço que define minha decisão: “O que você estaria fazendo agora se não estivesse me oferecendo essa música ou seu trabalho como artista? Qual é o seu plano B?”. Se de fato houver um plano B, é problemático. A música tem de ser a única coisa que eles queiram fazer, com grande ambição. Por isso que a Taylor Swift, que também trabalha conosco, deu tão certo. O que ela fez é marcante, ela é provavelmente a cantora e compositora mais talentosa que temos por aqui, mas também porque é a mais ambiciosa.
A Universal e o TikTok protagonizaram uma disputa por direitos autorais. Esse tipo de queda de braço é inerente ao desenvolvimento do mercado?
Jody Gerson: Uma grande parte do trabalho é defender o valor justo para compositores. Lutamos por isso em todas as plataformas. O que aconteceu com o TikTok é que, surpreendentemente, não conseguimos chegar a um acordo. À medida que sua receita aumentava, eles não queriam pagar mais do que no acordo anterior. Nós tínhamos três questões principais nos impediam de fechar a negociação: a questão financeira, a inteligência artificial e a segurança. No fim, conseguimos um acordo que contemplasse essas três coisas, mas, até lá, eles retiraram as nossas músicas da plataforma.
É preciso entender que os artistas mais jovens veem no TikTok somente uma grande oportunidade de promoção gratuita. E, se cada plataforma for considerada promoção, não haverá valor na música gravada. Não posso permitir que isso aconteça, mesmo que seja desconfortável. Muita gente disse que fazemos isso por nós, mas estou fazendo isso pelos compositores. É fundamental que a música tenha valor.
Como você enxerga a ascensão dos streamings de música?
Jody Gerson: Eu acho que não é possível cravar nada quando se fala em tecnologia. Tornar a música acessível em um nível global para milhões e milhões de pessoas é uma coisa ótima. É fantástico que uma criança no Arkansas possa descobrir um artista brasileiro em um streaming. Spotify, Apple e Deezer fornecem uma ótima maneira de ouvir música. Mas eu acho que eles têm de pagar por isso e, toda vez que houver um impasse sobre valor, serei a pessoa para brigar por isso.
Você acredita que a inteligência artificial (IA) será um ponto de virada para a música? Como vai afetá-la, na sua opinião?
Jody Gerson: Eu tento não ser tão pessimista sobre o uso de IA. A tecnologia avançou muito e eu vejo muita gente tendo medo dela. Não acho que podemos ter medo do novo. Acho que só temos de garantir que o novo proteja o antigo. Não acho que a IA vai substituir a expressão humana, a arte humana. Pode ajudar, mas não vai ter a mesma dimensão e o toque humano da coisa. Não dá para imaginar uma máquina criando uma música como Espresso, da Sabrina Carpenter, por exemplo, que tem ritmo, tem uma letra envolvente, que se conecta com as pessoas.
Para mim, a IA ainda não consegue capturar nuance, emoção. Mas não quero ser negativa, porque acho que ela pode ser usada como uma ferramenta para melhorar, não para substituir.
Você é a primeira e única mulher que lidera um gigante do mercado da música. Tem algum conselho para quem um dia quer chegar a esse lugar?
Jody Gerson: Meu conselho é desenvolver a autoconfiança e criar coragem para ser incisiva sem medo. Homens têm mais anos na fase de trabalho, dentro de grandes empresas. Eles estão à nossa frente nisso e formam alianças e amizades entre eles, têm relacionamentos- transacionais, pedem indicações, eles se ajudam. Nós, mulheres, temos de perguntar umas às outras, empurrar umas às outras para subirmos de cargo. Muitas de nós carregamos bebês, criamos filhos e somos perfeitamente capazes de liderar uma empresa, seja ela de pequeno porte, seja com a maior receita e lucro do mercado. Mas para isso acontecer precisamos nos posicionar, apoiar umas às outras e, acima de tudo, ser mais confiantes. E, se você for mais insegura, simplesmente finja. Homens fazem isso o tempo todo e eles se dão bem. Quando entendi isso, mudei a forma de enxergar as coisas.
Era um sonho ser líder de uma empresa desse porte ou foi só um caminho natural de carreira?
Jody Gerson: Digo que não foi um sonho exatamente, mas acho que há certas coisas que acontecem conosco que nos formam como pessoas enquanto crescemos. Prefiro dizer que foi a realização de um destino que eu sabia, desde cedo, que seria o meu. A minha vida e a minha família, as coisas que eu vivi me levaram a este cargo, porque eu sempre soube que seria responsável por pessoas. O problema para mim foi que eu fiz muitas coisas enquanto estava subindo a tal da “escada”. Eu tive três filhos, e isso foi muito importante para mim. E a esmagadora parte das mulheres que foram meus modelos não tinham exatamente parceiros ou filhos, eram praticamente “casadas com o trabalho”. Eu quis mais que isso, meu objetivo era impactar a indústria, mas também ter uma vida plena enquanto eu estava trabalhando e tendo sucesso.
Como editora musical, eu estava criando uma família. E acho que, como muitas mulheres, eu imaginava que fazer um bom trabalho, ser leal e não falar sobre meus filhos no local de trabalho, fingindo que eles não existiam, me levaria a uma promoção, mas não foi bem assim. E, se os homens se casam, têm filhos, passam por divórcios, e continuam sendo promovidos, mesmo sem fazer a maior parte dos trabalhos, eu poderia ter tudo isso, falar abertamente no ambiente de trabalho e ainda assim liderar a empresa. Enquanto estava subindo na carreira, pensei comigo: “Eu sou mãe, e eu sou melhor do que eles”. Eu mereço o meu cargo e sou boa para exercê-lo.
Quando foi essa virada de chave na autoconfiança?
Jody Gerson: Eu costumava contar uma história de quando conheci a Lady Gaga, antes de chegar à Universal, quando ainda estava construindo minha carreira na Sony. Ela foi minha primeira grande contratação, e antes eu dizia que tive muita sorte, porque um dia Lady Gaga entrou no meu escritório e, por sorte, fechamos o contrato. Não conto mais a história dessa forma, porque um homem não diria que teve sorte. Ele diria que viu o talento, perseguiu a oportunidade. Hoje, eu conto que, quando vi Lady Gaga entrar no meu escritório, logo soube que seria um grande sucesso. Ambas as histórias são verdadeiras, mas a que é importante contar agora é que todos na minha empresa rejeitaram Lady Gaga. Quando eu a conheci, ela me disse que seria a maior estrela do mundo. E eu disse: “Vamos fazer isso acontecer”.
Para fechar, a pergunta mais difícil de todas: quais são os seus três artistas favoritos de todos os tempos?
Jody Gerson: Que maldade! É como perguntar quem é seu filho favorito! Acho que isso muda ao longo dos anos. Semanas atrás eu estava obcecada porque tive acesso a uma prévia do novo documentário do Elton John, The Last Tour, que vai passar na -Disney. Disse até para meu parceiro: Elton John é meu favorito de todos os tempos. Dias depois, eu disse que era louca por Lana Del Rey, e depois Rosalia… E eu amo Coldplay… E como não pensar nos Bee Gees? Sei que não estou dando a resposta que você quer, mas fique com isto: meu artista favorito muda com base no que eu preciso da música. Isso vale para qualquer dia, qualquer minuto, a qualquer hora. Depende.