Eduardo Sydney e Paulo Ibri, da Typcal: próxima etapa envolve produtos para suplementação esportiva e saúde intestinal
Repórter
Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 10h22.
Última atualização em 5 de dezembro de 2025 às 17h04.
A Typcal, foodtech paranaense que transforma sobras em proteína de micélio, acaba de inaugurar a primeira fábrica comercial em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.
Com investimento de pouco mais de R$ 5 milhões, a planta de 400 metros quadrados começa a operar em janeiro de 2026, com capacidade para produzir 5 toneladas de micélio por mês — volume que já nasce praticamente todo vendido para clientes no exterior.
Fundada em 2023, a empresa foi a primeira da América Latina a desenvolver proteína de micélio produzida por fermentação em ambiente controlado. Segundo a Typcal, o processo pode ser milhares de vezes mais eficiente que métodos tradicionais de produção de proteína, com emissões de CO₂ e uso de água muito menores que a pecuária e culturas como soja e frango.
O micélio é a parte vegetativa dos fungos, formada por filamentos finos chamados hifas. Rico em proteínas e fibras e sem sabor amargo, ele facilita a aplicação em alimentos e ajuda a reduzir gordura, sódio e açúcar nos produtos finais.
Na Typcal, esse micélio cresce em biorreatores verticais, em ciclos rápidos, alimentado por subprodutos da indústria alimentícia — como sobras do processo de produção de cerveja em fábricas de grupos como a Ambev. É um modelo ligado à economia circular: resíduos que viram insumo de alto valor agregado.
Segundo o cofundador Paulo Ibri, essa eficiência deve aparecer também no bolso: a expectativa é que, em dois a três anos, o custo da proteína de micélio seja equivalente ao das proteínas vegetais como a ervilha e, em até dez anos, fique abaixo do preço da soja.
Desde o início, a Typcal escolheu atuar em modelo B2B, fornecendo ingredientes para a indústria de alimentos, em vez de disputar espaço diretamente nas prateleiras de mercado com uma marca própria.
A proposta é entrar “por dentro” dos produtos que o consumidor já conhece — de snacks a cereais matinais, passando por carnes, laticínios e até ração úmida para pets — adicionando proteína e fibra sem exigir mudança de hábito na rotina alimentar.
Hoje, a empresa trabalha com biomassa fresca de micélio — com aparência semelhante a frango desfiado — voltada às indústrias de proteína animal, substitutos de carne e pet food, e com uma versão em pó obtida a partir da secagem dessa biomassa, que pode ser usada em panificação, bolos e biscoitos.
Do ponto de vista fabril, a planta de Pinhais foi concebida para ser compacta.
O principal biorreator tem seis metros de altura, o que permite produzir em “vertical”, ocupando menos área física.
Nas contas da Typcal, a tecnologia permite produzir até 7.000 vezes mais proteína que a soja por metro quadrado, reforçando o argumento de eficiência em uso de terra e recursos naturais.
O caminho até a fábrica foi rápido. Em 2023, a empresa operava em escala de laboratório; em 2024, montou do zero a primeira planta piloto de fermentação de micélio do Brasil, também própria.
Em 2025, o projeto evoluiu para a planta comercial, cuja construção — do aluguel do galpão à adaptação da infraestrutura e compra de equipamentos — levou cerca de um ano e foi financiada com capital privado da própria startup, somando pouco mais de R$ 5 milhões.
Apesar do avanço industrial, o faturamento ainda não aparece nos números. A Typcal continua em fase pré-operacional: as vendas efetivas começam com a entrada em operação da nova fábrica, em 2026. A produção inicial já está praticamente toda comprometida com clientes internacionais, o que deve encurtar o tempo até a empresa alcançar escala de receita.
A rota de crescimento passa, antes de tudo, por fora do Brasil. A Typcal concentra a primeira leva de vendas na Europa e em alguns países da América Latina, principalmente México, com foco no ingrediente em pó — mais simples de transportar, com cadeia logística seca e validade de até 12 meses.
A companhia planeja abastecer a indústria brasileira apenas a partir de 2027, por ainda depender de aprovações regulatórias locais, enquanto já tem autorização para comercializar micélio em território europeu.
Esse movimento internacional ganhou força em 2025, quando a empresa abriu sua primeira filial fora do país, na Bélgica.
A unidade, localizada na região de Ghent, funciona como hub de pesquisa, desenvolvimento e vendas para o mercado europeu, apoiada por um investidor belga que concluiu a rodada seed da companhia.
No total, a Typcal captou R$ 10 milhões nessa fase, parte com investidores estrangeiros e parte com redes como a Anjos do Brasil, que ampliaram recentemente a aposta em biotecnologia.
Com a planta de Pinhais, a Typcal passa a operar o que chama de “cervejaria de proteína”: um sistema de fermentação capaz de transformar micélio em ingrediente proteico em cerca de 24 horas, em processo que já recebeu patente no Brasil em agosto de 2025.
A empresa afirma ter hoje um dos processos de fermentação de micélio mais rápidos do mundo e planeja encerrar 2026 com pelo menos três patentes — uma concedida e duas depositadas, incluindo aplicações em nutrição esportiva e fibras para saúde intestinal.
O portfólio de ingredientes também avança. Além da biomassa fresca e da versão em pó, a Typcal desenvolve a primeira proteína concentrada de micélio voltada ao mercado de suplementação esportiva e um composto de fibras em formato de gel, focado em saúde intestinal — área apontada pela empresa como uma das próximas grandes tendências em alimentação saudável.
Os clientes, porém, não podem ser revelados devido a contratos de confidencialidade. Na prática, os produtos finais que chegam às prateleiras podem se parecer com um cereal matinal ou um salgadinho comum — mas com rotulagem que inclui “proteína de micélio em pó”.