Líderes da Otan nesta semana: Biden diz que ocorre "otanização" da Europa (Stefan Rousseau - WPA Pool/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
A cúpula da Otan termina oficialmente na manhã desta quinta-feira, 30, após um dos encontros mais decisivos da aliança militar nas últimas décadas — com potências ocidentais tentando mostrar coesão interna contra China e Rússia e um acordo relâmpago para adesão de Finlândia e Suécia ao grupo.
Diante da presença de líderes europeus e do presidente norte-americano, Joe Biden (que está na Europa desde o fim de semana), o encontro da Otan começou ainda na terça-feira, 28, em Madrid, na Espanha. Antes disso, parte dos mesmos líderes já havia se encontrado na reunião do G7, que reuniu sete dos países mais ricos do mundo na Alemanha.
Em ambos os encontros, a oposição à Rússia na guerra na Ucrânia e o papel da China foram temas centrais. No G7 (em que todos os membros, menos o Japão, estão na Otan), as potências já haviam concordado em ampliar restrições contra a Rússia nas transações em ouro e buscar limitar preços do petróleo russo.
Na Otan, a mensagem foi além, com anúncio de aumento das tropas em solo europeu e a cereja do bolo — que deve ser celebrada no comunicado final desta quinta-feira — vinda do complicado acordo para a entrada dos novos membros, a contragosto da Rússia.
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Enquanto isso, a China, que se tornou a principal válvula de escape de Moscou contra as sanções ocidentais, foi chamada pela primeira vez pela Otan de “desafio” estratégico.
Tudo somado, a semana trouxe a posição mais clara que a Otan havia marcado em anos sobre a situação militar na Europa.
"Estamos enviando uma mensagem inconfundível na minha opinião... que a Otan é forte, unida, e os passos que estamos tomando durante esta cúpula aumentarão ainda mais nossa força coletiva", disse Biden.
"Putin estava querendo a 'Finlandização' da Europa [...], vai conseguir a 'Otanização' da Europa", disse Biden sobre o presidente russo, Vladimir Putin. A "Finlandização" ficou conhecida na história como referência ao status imposto pela União Soviética à Finlândia durante parte da Guerra Fria.
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Quando confirmados como membros, Finlândia e Suécia farão mais que dobrar as fronteiras da Otan com a Rússia por terra e mar.
A adesão dos dois nórdicos ainda precisará ser oficializada nos parlamentos dos países membros da Otan, mas o próximo passo é visto como formalidade. Foi sobretudo durante a cúpula desta semana que a Turquia, o principal entrave até então, derrubou suas restrições.
Oficialmente, a negativa turca vinha de críticas a Suécia e Finlândia pelo que é visto como anuência dos países à questão curda, povo que está parcialmente presente na Turquia e com o qual há um embate por território. Coincidência ou não, logo após a decisão turca, os EUA autorizaram a venda de caças F-35 à Turquia, o que Washington vinha adiando fazer.
Hoje com três dezenas de membros, a Otan nasceu em 1949, após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), como aliança militar liderada pelos Estados Unidos para o que chamou de “segurança europeia”. Pelo acordo, se um país do grupo for atacado, os demais têm de defendê-lo.
Com o colapso da União Soviética e, mais tarde, o fracasso em conflitos no Oriente Médio, a aliança perdeu importância nos anos 2010 — ao ponto de o presidente francês, Emmanuel Macron, dizer que a Otan sofria “morte cerebral”.
Tudo mudou desde a invasão russa à Ucrânia em 24 de fevereiro. Países europeus, até recentemente relutantes em aumentar gastos com defesa, fizeram promessas de aumento dos aportes, enquanto mais tropas da Otan (e, sobretudo, dos EUA) serão enviadas aos flancos do leste europeu.
Em decisão vista como histórica, a Otan concordou na cúpula desta semana com aumento dos atuais 40 mil para 300 mil soldados na Europa, no maior avanço militar desde a Guerra Fria.
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A esperada subida de tom da Otan não encerra os problemas que a aliança militar terá pela frente. A guerra na Ucrânia chega a cinco meses sem dar sinais de que terminará rapidamente, e novos avanços diplomáticos não têm ocorrido.
As sanções sem precedentes impostas contra a Rússia, apesar do alto custo inflacionário aos países ocidentais, não foram suficientes até agora para fazer Putin recuar ou desmantelar totalmente a economia em Moscou, como as potências esperavam.
E enquanto a Otan se movimenta para proteger a si mesma com milhares de soldados adicionais e novos membros de geografia estratégica, a Ucrânia seguirá sendo ponto sensível. As tropas russas continuam ganhando espaço no leste e no sul do país nas últimas semanas.
O norueguês Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, disse que a Ucrânia está sofrendo "uma brutalidade nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial" e que "é muito importante que sigamos dispostos a proporcionar ajuda".
A unidade entre os membros não é total, no entanto: ainda que europeus sigam enviando armas e dinheiro à Ucrânia (incluindo aceitando um processo inicial para adesão do país à União Europeia), começa a crescer a pressão na Europa Ocidental para que se busque algum tipo de acordo para o fim da guerra diante dos efeitos na economia mundial; já EUA, Reino Unido e países do leste europeu defendem zero concessões a Putin.
Em público, os líderes do Ocidente afirmam que a semana de agenda cheia na diplomacia dos países ricos foi um ponto de união. Nos bastidores, os encontros do G7 e da Otan deixaram às claras a dependência dos países europeus frente aos EUA. Seja como for, a cúpula desta semana será lembrada como um dos momentos dos mais decisivos da Otan. A aliança militar mostrou que está, por ora, longe da morte cerebral que previu Macron. Mas os questionamentos sobre o futuro continuam.