Faixa de Gaza, destruída após ataques de Israel, em imagem de outubro de 2025 (AFP)
Repórter
Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 10h26.
Um estudo publicado pelo renomado think tank Institute for Economics and Peace (IEP), com sede em Sydney, na Austrália, aponta que o mundo se tornou mais violento em 2025, com aumento na intensidade e no número de conflitos armados.
O estudo aponta que o nível de paz no mundo continua a cair – segundo o levantamento, há 59 conflitos ativos, três a mais do que no último ano.
Além disso, a resolução de conflitos está menor do que em qualquer momento dos últimos 50 anos. Dos 163 países analisados, 74 viram melhorias notáveis em seus níveis de paz enquanto 87 viram deteriorações.
No ranking, o Brasil se encontra na posição 130 - mesmo assim ganhou um ponto em direção a paz, comparado ao ano passado. O primeiro colocado é a Islândia, considerada o país mais pacífico, e a Rússia está em último, seguida pela Ucrânia e o Sudão.
Esses são países envolvidos em importantes conflitos – dos maiores em termos de mortes, todos os países estão em posições abaixo de 150.
Israel, com a guerra em Gaza, está na posição 155; Ucrânia e Rússia na última e penúltima posição, respectivamente; e o Sudão do Sul, onde forças insurgentes estão cometendo atrocidades contra civis, se encontra na posição 156.
Veja três dos maiores conflitos de 2025, suas causas, estados atuais e integrantes, com base em dados do IEP, ONU, e Council on Foreign Relations (CFR), think tank de pesquisas políticas, econômicas e humanitárias, com base em Washington.
Bombeiros combatem incêndio em região atacada durante a guerra da Ucrânia (Serviço de Emergência da Ucrânia/Divulgação)
Se alastrando por quase 4 anos, a invasão russa na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022, deu início a um dos conflitos mais intensos dos tempos modernos.
Na Europa, é o principal e mais violento conflito desde a Segunda Guerra – a Rússia já conseguiu a tomada de mais de 4 mil quilômetros quadrados de território. Os russos atacam indiscriminadamente cidades ucranianas, enquanto drones da Ucrânia alvejam infraestruturas russas, como reservas de petróleo, e suas bases militares.
Com isso, um total de 3,7 milhões de pessoas foram deslocadas, e cerca de 7 milhões fugiram da Ucrânia. A ONU estima 14,5 mil mortes de civis ucranianos, incluindo 745 crianças, e o CFR estima que 12,7 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária como resultado do conflito contínuo.
As tensões originalmente se iniciaram em 2014, após a anexação russa da região da Criméia, na época fragmentada por violentos protestos.
O presidente russo Vladimir Putin mobilizou suas tropas e tomou o controle da região em março daquele ano, citando a necessidade de proteger os direitos de cidadãos russos na Crimeia.
A região foi formalmente anexada após seus cidadãos votarem para se juntar à Federação Russa, em um referendo sob suspeita de manipulação.
Isso aprofundou divisões étnicas e ideológicas, e separatistas apoiados pela Rússia, pressionando por mais concessões do tipo, passaram a enfrentar o Exército ucraniano.
Com o tempo, as tensões escalaram, e tanto a Ucrânia quanto a Otan reportaram equipamento e tropas russas cada vez mais perto da Ucrânia, e bombardeamentos russos através da fronteira.
Em 24 de fevereiro de 2022, Putin anunciou uma invasão total. Ele disse que os objetivos da operação eram desmilitarizar a Ucrânia e combater alegados grupos neonazistas que estariam cometendo atos genocidas contra russos no território ucraniano.
A partir disso, bombardeios em cidades e infraestruturas ucranianas se seguiram. Mísseis de longo alcance e bombas russas causaram danos significativos. Civis ucranianos descreveram crimes de guerra por parte dos russos, como estupros, execuções e tortura.
Mesmo assim, a resistência e contra-ataques ucranianos foram capazes de retomar territórios perdidos e de manter a posição da linha de frente relativamente estável.
Os esforços da Ucrânia são financiados pela União Europeia e os Estados Unidos, dois atores internacionais que condenaram intensamente a invasão russa.
No total, o CFR estima que a UE teria enviado 197 bilhões de dólares para a Ucrânia, e os EUA, 175 bilhões. Além disso, ambos fornecem ajuda também em armamentos, como os avançados sistemas de defesa aérea americanos Patriot, e caças de alta tecnologia.
Nos últimos meses, o presidente americano Donald Trump anunciou um plano de paz com 28 pontos, feito em conjunto com a Rússia sem conhecimento do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Considerado desproporcionalmente favorável à Rússia, a proposta está sendo alvo de intensas renegociações, e Zelensky embarcou em diversas missões diplomáticas para revisar os pontos do acordo.
Zelensky se diz aberto a fazer certas concessões, como desistir de levar a Ucrânia à Otan, por mais que temas mais sensíveis como a concessão de territórios clamados pela Rússia continue incerta. Negociações continuam até o momento.
Nuvens de fumaça após um ataque israelense que teve como alvo um prédio no campo de refugiados palestinos de Bureij, na Faixa de Gaza central, em 19 de outubro de 2025. (Eyad Baba/AFP)
Um conflito étnico com raízes históricas, as tensões entre palestinos e israelenses tomaram um novo nível de intensidade nos últimos anos.
No dia 7 de outubro de 2023, terroristas palestinos da organização Hamas conduziram um ataque a civis em Israel, iniciando uma sangrenta guerra alimentada por séculos de diferenças étnicas.
Em resposta, Israel começou uma operação militar de larga escala em Gaza, dando início à guerra.
Desde o dia do ataque até o dia 10 de dezembro desse ano, a ONU estima a morte de 70.369 palestinos.
A guerra assolou a Faixa de Gaza, deslocando milhões de pessoas e resultando em uma intensa crise humanitária. Especificamente, a ONU reporta que a operação Parede de Ferro, conduzida por Israel na Cisjordânia, foi a maior e mais longa crise de deslocamento na região desde 1967, com 30.000 palestinos deslocados e 126 mortos.
Acusações de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade recaíram sobre Israel, que atraiu forte inimizade internacional.
Diversos acordos de cessar-fogo foram propostos e aceitos, mas mesmo com os tratados em vigor, nenhum durou por muito tempo. Notavelmente, Israel violou diversos desses acordos, o mais famoso dos quais ocorreu em janeiro desse ano, e foi negociado por Donald Trump e os líderes do Egito e Catar.
Além do mais, o país conduziu bloqueios humanitários para impedir que ajuda humanitária cheguem Gaza. Israel justifica isso dizendo que deve impedir que os bens sejam controlados pelo Hamas, ao invés de distribuídos.
A crise humanitária subsequente, de acordo com dados da ONU, resultou em 90% da população palestina – cerca de 1,9 milhões de pessoas - deslocada e enfrentando situações de fome extrema.
No momento, conflitos desaceleraram com novos avanços pela paz. Reféns foram pacificamente trocados e restrições israelenses sobre a ajuda humanitária em Gaza foram retiradas por Israel. Até a publicação desta reportagem, o cessar-fogo estava em vigor, mas os próximos passos do futuro de Gaza ainda são incertos.
Violência no Sudão do Sul (Scott Nelson/Getty Images)
Desde meados de abril de 2023, o Sudão, uma nação no nordeste africano, vem sendo assolado por uma intensa guerra civil.
O conflito é travado entre duas facções: as Forças Armadas do Sudão (SAF), sob controle do governo, e as tropas paramilitares Forças de Apoio Rápido (RSF). As hostilidades se deveram a uma luta pelo poder dentro do governo militar que assumiu o controle do país, após um golpe em 2021.
O país vive guerras civis intermitentes desde 2013. O CFR estima que mais de 400.000 pessoas já perderam suas vidas na violência do país, apesar de dados oficiais serem de difícil verificação.
O mais recente conflito já resulta em dezenas de milhares de mortes e mais de 12 milhões de pessoas deslocadas.
Após 18 meses de cerco, bombardeios e fome, as RSF tomaram no dia 26 de outubro o controle de El Fasher, a última grande cidade da região ocidental de Darfur que escapava do seu domínio.
O chefe da SAF, Abdel Fattah al-Burhan, anunciou a retirada das suas tropas da região de Darfur após as forças paramilitares do RSF tomarem a sua principal base militar na cidade e declararem a vitória. Com isso, cerca de 250.000 pessoas – das quais metade são crianças – foram deixadas à mercê do RSF.
Em um depoimento, al-Burhan disse que o exército recuou devido “A destruição sistêmica e o assassinato sistemático de civis” pelas RSF, disse ele, acrescentando que o exército esperava “poupá-los, assim como o resto da cidade, da destruição”. Desde então grupos de ajuda humanitária na região passaram a reportar massacres e outras atrocidades na cidade.
Volker Türk, Comissário-chefe de Direitos Humanos da ONU diz que: “O risco de novas violações e atrocidades em larga escala, motivadas por questões étnicas, em el-Fasher aumenta a cada dia.”
Vídeos compartilhados online cuja veracidade foi confirmada pela TV Al-Jazeera mostram a execução e tortura de civis por soldados do RSF, enquanto estudos conduzidos pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da universidade de Yale, através de imagens de satélite, confirmaram execuções em massa, e sugerem covas comunais.
Todavia, pouco se sabe sobre as condições exatas dentro da cidade, que teve qualquer comunicação com o exterior cortada desde o início do cerco de 18 meses da RSF. A maior parte das informações, além dos vídeos e das imagens de satélite, vem de depoimentos de refugiados que conseguiram escapar de el-Fasher.
A organização Médicos Sem Fronteiras informou que mais de 300 sobreviventes de violência sexual solicitaram ajuda à sua equipe em Tawila, após o ataque das RSF ao campo de refugiados vizinho de Zamzam, que provocou a fuga de 380.000 pessoas em abril desse ano.
“As violências sexuais generalizadas cometidas pelas RSF tinham como objetivo humilhar, reforçar seu controle e deslocar a população em todo o país”, alertou em abril a organização de direitos humanos Amnesty International, que desde o início do conflito documentou os abusos cometidos por combatentes de ambos os lados.
Muitos dos refugiados que chegam em cidades vizinhas, além de feridos, estão extremamente magros e desnutridos. Muitos desses são crianças. De acordo com Mathilde Vu, do Conselho de Refugiados Norueguês, “As pessoas chegam tão desidratadas que não conseguem nem falar”, diz em alusão à longa jornada de mais de 70 km entre El Fasher e Tawila, em condições desérticas.