Neurodivergências como autismo e TDAH são variáveis que a IA ainda não está ajustada para rastrear. É papel do RH incluí-las (Maskot/Getty Images)
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Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 15h00.
Por Marcelo Vitoriano*
À medida que 2026 se aproxima, uma constatação ganha força entre líderes de RH: os modelos tradicionais de gestão de pessoas não dão mais conta da complexidade do trabalho contemporâneo.
A aceleração da inteligência artificial, o avanço do people analytics, o fortalecimento da contratação baseada em habilidades e a personalização da jornada do colaborador estão redefinindo o que significa atrair, desenvolver e reter talentos. No entanto, há um eixo que atravessa todas essas transformações e que se torna impossível de ignorar.
O futuro do trabalho será plural em cognição. Se as empresas desejam competir em ambientes altamente dinâmicos, precisam reconhecer que diferentes formas de pensar, sentir, aprender e processar informações não são exceções a serem administradas, mas elementos constitutivos da inovação.
Nesse contexto, a neurodivergência deixa de ser apenas uma pauta de inclusão e passa a ocupar um lugar central nos frameworks de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) e ESG, especialmente no componente Social e na Governança, onde responsabilidade se converte em prestação de contas.
As principais tendências de RH para 2026 mostram que o RH deixa de atuar de maneira reativa e passa a operar em campo antecipatório, apoiado por modelos preditivos, inteligência artificial aplicada à gestão e dados em tempo real.
Nesse ambiente, tratar a neurodivergência como variável estratégica não é apenas uma decisão ética, mas de precisão operacional. Ao reconhecer padrões cognitivos distintos, a análise deixa de buscar um perfil ideal de talento e passa a entender que o que realmente sustenta uma cultura de alta performance é a complementaridade entre mentes.
A neurodiversidade, quando incorporada aos indicadores de DEI e aos relatórios ESG, deixa de ser tratada como exceção e passa a ser referência de desenho organizacional, cultura e tomada de decisão.
A ascensão da contratação baseada em habilidades simboliza a ruptura definitiva com a lógica de recrutamento centrada em diplomas, linearidade de carreira e compatibilidade com padrões comportamentais normativos.
Ao priorizar competências reais, as empresas abrem espaço para talentos neurodivergentes que, muitas vezes, apresentam justamente as capacidades críticas para o futuro do trabalho: alta acuracidade, hiperfoco, raciocínio lógico, resolução complexa de problemas e pensamento analítico.
Essa abordagem, quando integrada à governança ESG, amplia a noção de inclusão. Não se trata apenas de contratar de forma diversa, mas de garantir permanência estruturada, desenvolvimento equitativo e reconhecimento institucional.
A personalização da experiência do colaborador deixa de ser tendência e se torna infraestrutural. Compreender a pessoa em sua mecânica cognitiva, sensorial e emocional torna-se não apenas diferencial, mas critério de saúde organizacional.
Ambientes previsíveis, estímulos moderados, comunicação clara e liderança treinada compõem práticas que, embora fundamentais para profissionais neurodivergentes, elevam a qualidade da experiência de todos.
Ao integrar esse movimento aos princípios de DEI e aos indicadores ESG, o pertencimento deixa de ser gesto humanizado e se torna métrica de sustentabilidade cultural e competitiva.
A missão do RH em 2026 é equilibrar tecnologia com humanidade. Bem-estar deixa de ser apêndice e se converte em métrica de performance, retenção e longevidade organizacional.
A neurodivergência evidencia que ansiedade, sobrecarga sensorial e ruído cognitivo não são falhas individuais, mas falhas de design. Empresas que estruturam rotinas, organizam estímulos, oferecem previsibilidade e suportes de gestão mitigam riscos e ampliam desempenho.
Ao incluir indicadores de saúde cognitiva e inclusão no ESG, a empresa demonstra maturidade, continuidade e governança, afastando-se de modelos de inclusão episódica e aproximando-se de sistemas permanentes de cuidado estratégico.
A crescente utilização de inteligência artificial em triagem, avaliação de performance e recomendação de talentos cria um desafio urgente.
Algoritmos treinados sobre padrões normativos podem excluir perfis neurodivergentes por parâmetros como contato visual, linguagem direta, comunicação literal ou respostas não alinhadas a modelos convencionais de entrevista.
O componente de Governança em ESG exige que a IA seja construída para reconhecer diferenças, e não para normalizá-las. Sem esse cuidado, a tecnologia se transforma em filtro silencioso, e não em ponte.
Em mercados voláteis, a inovação nasce da pluralidade, não da uniformização. A inteligência se manifesta em múltiplas formas, e organizações que aprendem a acolher e desenvolver essa diversidade cognitiva ampliam criatividade, estabilidade, velocidade de resposta e capacidade de adaptação.
A neurodivergência não é capítulo isolado de inclusão, mas resposta estratégica às exigências do século XXI. Ao integrá-la às agendas de DEI e aos mecanismos de governança ESG, as empresas deixam de ser espectadoras da transformação e se tornam protagonistas.
Quem se adianta agora não estará preparado apenas para 2026, mas para o futuro do trabalho em sua complexidade real.
*Marcelo Vitoriano é CEO da Specialisterne Brasil.