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Bússola Poder: o algoritmo contra a democracia

Uma mudança no algoritmo é capaz de diminuir artificialmente a relevância de uma notícia, um personagem, um partido, um governo para toda a sociedade

Regular é preciso. E é uma questão urgente, que ainda dormita no Congresso (Cesc Maymo/Getty Images)
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Publicado em 15 de setembro de 2023 às 11h47.

Por Márcio de Freitas*

A internet envolve, seduz, diverte, informa, distrai e nos leva da vida real ao mundo virtual de uma forma sorrateira e impactante, mudando hábitos e comportamentos sociais. Hoje, quase todos estamos imersos na grande rede mundial de computadores e celulares, carros e eletrodomésticos, ainda na onda pré inteligência artificial que deve se tornar um tsunami em breve. Por isso, é importantíssimo observar o processo movido pelo Estados Unidos da América contra o Google.

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A questão vai muito além da acusação dos gastos de 10 bilhões de dólares por ano para construir um monopólio de buscas pela internet. É  monopólio sim, mas que afeta também a forma de se relacionar com o poder, de como o cidadão se informa, forma opiniões e consolida seus conceitos – ou preconceitos. E como ele vê e reage à política e aos políticos.

O já clássico filme Matrix tinha metáfora mais interessante do que os efeitos especiais. A grande máquina interligada a humanos dormentes sugava energia dos corpos inertes e tornava humanos em escravos com o único intuito de se alimentar da força de sonhos que movem os homens, e os transformava em verdadeiros vegetais. No mundo atual, cada instante que o cidadão dispensa à rede mundial é mais um dólar no bolso de algum criador de plataforma de venda de produto, publicidade legal ou disfarçada. A grande máquina interligada é mais eficiente caixa registradora já criada pela inteligência natural.

Enquanto compartilhamos nossa vida, alguns muito mais vivos singularizam suas fortunas numa concentração de riqueza poucas vezes vista na história. É o maior negócio do mundo, e não tem nada grátis em cada click: Google, Meta, Amazon e seus similares chineses seguem a mesma lógica financeira. Os big empresários canalizam a energia criativa de bilhões de pessoas para suas contas bancárias, sem fazer grande esforço. Afinal, a grande maioria dos perfis trabalha gratuitamente para eles, quer saiba ou não. Nada pagam por isso: quem compartilha não participa da partilha trilionária das novas plataformas tecnológicas. Nem quem produz conteúdo qualificado é remunerado de forma adequada.

A briga inicial por direitos autorais transpareceu primeiro na música, onde os CD foram dizimados com velocidade assustadora pelos sites de música, como Napster, seguidos de aplicativos de streaming . Hoje, está mais acirrado no conflito na indústria da informação. O slogan já apagado do velho impresso dizia que informação é poder… Poder e dinheiro.

Mudança recente no algoritmo do Google retirou muito trânsito dos sites noticiosos. Alegações técnicas à parte, não é com notícias esdrúxulas e escândalos que se faz uma nova Ágora. O sonho de uma rede mundial esclarecida fica cada vez mais obscuro com a lógica de se lucrar a todo custo, todo o tempo, em qualquer lugar, seja de quem for. Empresas tem responsabilidade social. O lucro pode ser o objetivo central do empresário, mas lucro a que custo?

O custo pode ser a democracia?Sim. Nos últimos anos, a tão sonhada democracia tecnológica cantada na Primavera Árabe foi varrida do manda do Oriente Médio como as construções do Marrocos o foram pela tempestade assustadora dos últimos dias. O que a internet tem alimentado de fato é o autoritarismo, a segmentação por diferenças raciais, a divisão por riqueza e o distanciamento entre grupos sociais que antes exercitavam o diálogo. O custo pode ser a democracia, se não houver regulamentação.

Note: uma mudança no algoritmo é capaz de diminuir artificialmente a relevância de uma notícia, um personagem, um partido, um governo para toda a sociedade. Ou de todos partidos, políticos e governos. Se todos ficam menores, seus atos e fatos são menos conhecidos, então será a ignorância a estabelecer os parâmetros para julgamento. Haverá melhor escolha com piora no nível de informação e conhecimento? Pelo contrário.

O processo nos Estados Unidos trata de um monopólio de mercado, mas a política pode estar sendo mais afetada do que acredita nossa vã capacidade de encontrar o buscador certo na rede. Regular é preciso. E é uma questão urgente, que ainda dormita no Congresso apesar da relevância do tema e dos tempos matrixianos que vivemos. Políticos cada vez mais se esforçam para serem notados, mas os olhos dos internautas estão sendo levados para outros clicks. A política existe para isso: solucionar crises antes que elas sejam grandes demais, e essa já é uma big crise mundial.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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