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Por Márcio de Freitas*

A frase do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan é um dos tirocínios mais bem moldados ao noticiário político brasileiro, apesar de ter sido elaborada como desabafo sobre os esqueletos econômicos que ele encontrava escondidos nos armários da burocracia ao tentar organizar as finanças do pais na década de 1990, um trabalho crucial que deixou um legado positivo até os dias atuais. “No Brasil, até o passado é incerto”, diagnosticou Malan.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffolli comprovou que a máxima também se aplica ao Judiciário quando, nesta semana, anulou as provas do acordo de leniência da Construtora Odebrecht. E foi além, classificando de um dos maiores erros a prisão e condenação do presidente Lula pela Operação Lava-Jato, que já foi um ícone do combate à corrupção e teve seus próceres como heróis nacionais defendidos pela mídia e pela elite nacional com uma veemência de maior ardor que as fogueiras da inquisição espanhola.

Os ventos mudaram, e heróis de ontem são vilões de hoje. A verdade é que sempre houve excessos nas investigações conduzidas pelo Ministério Público de Curitiba, com amplo resguardo na 13ª Vara Federal do então juiz Sergio Moro. Muitas prisões foram arbitrárias; muitas delações foram feitas depois de muitas pressão ilegítima até com ameaça sobre familiares; muitos fatos foram alterados e, mesmo leis que resguardavam atos legais, foram reinterpretadas para se justificarem o enquadramentos de empresários e políticos em delitos penais. Os fins pareciam justificar os meios. O fim colocou Lula na cadeia e Jair Bolsonaro na Presidência. Lula era o vilão, Bolsonaro o herói.

A farra da caça aos corruptos teve imensa conivência de muitos dos atuais críticos. Mas que hoje reproduzem os mesmos erros do passado, com a mesma voz grave e inflexões condenatórias de impressionar até Torquemada. Alguns dos grandes equivocados estão sob ameaça de responder à Justiça e à política. Deltans e Moros puxam a fila, mas muitos permanecem escondidos sob o manto do esquecimento apesar de estarem sempre nos holofotes. Os dutos que eram exibidos toda noite aos brasileiros parecem ter submergido… sem nenhum mea culpa.

Há que se tomar o devido cuidado para não se repetir a história com sinal trocado. Esse é o risco atual, com movimentos de vindita que alimentam o noticiário e o revisionismo de atos do passado recente. Se há crimes, comprove-se e torne réu quem cometeu os ilícitos de forma explícita e inquestionável, mas é melhor evitar brechas nos processo para que, amanhã, tudo seja mudado completamente ao sabor dos ventos políticos. A política é uma área que não deveria contaminar a Justiça, mas o Judiciário brasileiro tem se alimentado todo o tempo de nacos de poder político. Os erros começam nas instâncias menores, e sobem… até serem revistos como na decisão dessa semana.

A história já está escrita, e noticiada. Mas, no caso brasileiro, ainda é incerta. A coerência não é disciplina a que a humanidade se atrele para manter seu curso histórico. Portanto, observar e ponderar sobre os métodos atuais de caça aos bruxos de nossos dias pode acabar sendo um movimento certo e líquido de hoje, que pode ser incerto e vaporoso no futuro. Vale sempre outra frase lapidar, desta vez do velho Marx: "Tudo que é sólido desmancha no ar". Sentenças definitivas de hoje podem ser a relativa condenação do amanhã.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação  

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