Ventania causou queda de árvores, que afetaram a rede elétrica de São Paulo (Rovena Rosa/Agência Brasil/Agência Brasil)
Colaboradora
Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 12h26.
A cidade de São Paulo vive mais uma vez com uma amarga realidade: a falta de energia na residência de milhões de pessoas. Com os fortes ventos, que chegaram a mais de 90 km/h, o fornecimento de energia na região metropolitana de São Paulo foi afetado. A ventania causou queda de árvores, galhos e danificou a rede elétrica, fazendo com que, no pico, 2 milhões de pessoas ficassem sem energia elétrica e que voos fossem cancelados. Neste sábado, 13, mais de 700 mil residência seguem sem luz.
Uma das principais medidas para mitigar as falhas elétricas seria enterrar a fiação da cidade. O problema está no custo: R$ 81 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecom Competitivas (TelComp).
Com 7,5 milhões de residências na concessão, é como se cada unidade tivesse que pagar R$ 10,8 mil para enterrar os fios.
O novo apagão reviveu a disputa entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a concessionária responsável pela concessão de energia na cidade, a Enel. O chefe do Executivo municipal pede o fim do contrato da empresa.
Na sexta-feira, 12, durante participação no lançamento do SBT News em São Paulo, Nunes chegou a pedir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para intervir.
“Eu espero que na segunda-feira, na estreia, presidente, a gente não tenha ainda a cidade de São Paulo com a Enel, o senhor precisa nos ajudar nisso. Não está fácil”, disse Nunes em discurso no evento.
Ao longo da semana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) enviou um ofício para a Enel cobrando explicações sobre a queda de energia. A empresa italiana precisa responder na próxima semana.
Em 2024, o Ministério de Minas e Energia (MME) pediu à Aneel a abertura de um processo administrativo disciplinar contra a Enel, o que pode levar ao fim da concessão. O processo ainda não foi concluído.
Em meio ao debate sobre a responsabilização do problema, a EXAME conversou com especialistas para entender os motivos e quais medidas devem ser implementadas para que a falta de energia deixe de ser a realidade do paulistano, como tem ocorrido nos últimos anos.
O professor de engenharia elétrica do Instituto Mauá de Tecnologia, Edval Delbone, explicou que ventos e chuvas podem fazer com que fios da rede elétrica se encostem e, com isso, ocorra curto-circuito.
"A fiação de São Paulo é praticamente toda aérea, então, quando tem chuvas e ventos, essa fiação encosta uma na outra", afirma.
Delbone explica que o vento faz uma fase encostar na outra. Com isso, essa rede elétrica, chamada de primária, não tem isolamento na fiação, o que causa curto-circuito e desliga a proteção elétrica.
Além disso, a chuva provoca quedas de árvores ou de galhos de árvores, que derrubam a fiação. Um galho da árvore cair no fio, por exemplo, pode provocar um curto-circuito.
As mudanças climáticas aumentam os eventos climáticos extremos, como fortes chuvas e ondas de calor, por exemplo. Segundo Delbone, com as mudanças causando mais ventos e esses fenômenos afetando a rede elétrica, a situação de queda de energia podem se tornar ainda mais comum.
"Ventos muito fortes, chuvas torrenciais... São Paulo vai ficar refém [dessa situação], porque nossa rede de distribuição é praticamente toda aérea", diz.
Vila Mariana: queda de árvores sobre carros na rua Paula Ney (Paulo Pinto/Agência Brasil/Agência Brasil)
Para Delbone, a concessionária precisa ter "um bom relacionamento com a prefeitura", já que o órgão municipal é o responsável pela poda de árvores, o que ajudaria a diminuir as quedas de galhos e troncos, além de impedir a obstrução da rede elétrica no geral.
"Às vezes, as árvores não são podadas e ficam encostando na rede elétrica, provocando esse curto-circuito. Existem também muitas árvores que estão doentes e precisam ser extraídas e quem faz isso é a prefeitura", afirma.
Como uma medida para atenuar a crise, a concessionária também poderia substituir a fiação por rede compacta, que tem uma cobertura que evita o curto-circuito se esse fio encostar em outra, por ter uma camada isolante.
"Ela também tem um separador, um suporte que deixa a rede mais firme, evitando que o vento faça que uma fase encoste na outra", diz Delbone. "Existe em São Paulo em apenas algumas áreas, mas precisa aumentar essa rede compacta na Grande São Paulo."
Segundo o professor de engenharia, outra solução de curto prazo poderia ser implementada na capital paulista além dessas duas: um religador automático.
O religador que é um automatismo da distribuição, que permite desligar e ligar a energia quando perceber fatores externos afetando os fios.
"Quando dá um curto-circuito, esse religador desliga. Após o vento passar, com o fio voltando à posição anterior, o religador religa a energia", afirma.
Outra providência, segundo o especialista, é fazer a rede subterrânea, utilizada em cidades como Paris e Londres. O processo, porém, "é muito caro e muito demorado".
"Tem que ter um planejamento para que, todo ano, faça alguns quilômetros, para que, daqui a alguns anos, nossa rede possa evitar esses apagões", diz Delbone.
Apesar de ser demorado e ter que ser feito gradativamente com planejamento, fiscalização e investimentos, fios subterrâneos impediriam uma queda de energia por ventania como a que a região metropolitana de São Paulo está vivendo.
"Chega a ser 10 vezes mais cara que a rede aérea", complementou o engenheiro, sobre o processo ser mais caro. "Não é simples, é muito complexo, mas precisa ser feito em áreas com alta densidade populacional."
As estimativas sobre o custo de enterrar a rede elétrica variam. Segundo a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecom Competitivas (TelComp), São Paulo tem 20.000 km de fios aéreos, ou seja, menos de 0,3% da rede está subterrânea. O valor para aterrar os fios chegaria a R$ 81 bilhões.
A Enel atende 7,5 milhões de residências na área da concessão. Ou seja, custaria R$ 10,8 mil por residência para enterrar a fiação.
De acordo com a prefeitura, somente na região central da capital esse processo custaria R$ 20 bilhões.
Ainda segundo o professor, outra ação seria a de criar regras mais rígidas para a concessionária, estabelecendo medidas para mitigar falta de energia em quadros como o atual.
"Por exemplo, encurtar o prazo para não acontecer o que está acontecendo agora, com muitas horas de retorno da luz e a população sem energia", diz.
Corredor Norte-Sul interditado: profissionais da prefeitura trabalham para removere árvore caída na avenida 23 de Maio após tempestade com fortes ventos na capital paulista (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Caian Zambotto, advogado, mestrando em Políticas Públicas e ex-diretor jurídico do Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo (CIOESTE), explica que a legislação brasileira prevê a caducidade do contrato de concessão, que é a penalidade máxima para uma concessionária.
"Os apagões recorrentes somados ao histórico de multas são elementos probatórios bastante robustos para justificar esse processo", afirma.
De acordo com o advogado, a Aneel possui "um leque de instrumentos" que podem ser aplicadas contra a Enel, como aplicações de multas mais severas por causa da reincidência das falhas, além da exigência de um plano de investimentos emergenciais para garantir a estabilidade da rede ou até a intervenção, uma medida mais drástica e temporária, que a agência assumiria a administração da distribuição de energia.
"Os novos apagões funcionam como fatos que agravam a situação da concessionária no processo administrativo já em curso", diz Zambotto.
"Isso significa que esses novos fatos reforçam a tese de uma falha estrutural sistêmica e não de um problema pontual, o que justifica a aceleração do processo e aplicações de sanções mais rigorosas."
Embora a concessão seja federal, pontua Zambotto, a prefeitura de São Paulo também pode agir, sim, "com bastante força".
Segundo ele, a gestão municipal poderia fazer ofícios e buscar o Procon, além de buscar responsabilização pelos danos, cobrando a Enel pelos prejuízos de semáforos afetados pela queda de energia.
De forma prática, a Aneel pode tomar as medidas legais em relação à concessão, com o poder de fiscalizar e acabar com a concessão, enquanto a prefeitura de São Paulo atua com os direitos dos cidadãos e em prol da infraestrutura urbana.
O órgão municipal alega já ter encaminhado dois ofícios ao Tribunal de Contas da União (TCU) e outros dois à Aneel solicitando medidas efetivas contra a Enel, pedindo maior fiscalização do contrato de concessão e aplicação de multa pelas recorrentes faltas de energia na capital paulista.
"O cenário atual fornece base jurídica bastante sólida para um endurecimento sem precedentes contra a concessionária, porque a combinação de um processo de caducidade, com as ações de responsabilização civil movidas pela Prefeitura e pelo Ministério do Público, representaria a resposta mais efetiva à crise", afirma Zambotto.
A Enel assumiu a concessão de distribuição elétrica em São Paulo em 2018. Nos últimos anos, cidadãos registraram milhares de reclamações sobre a falta de energia e sobre a concessionária.
Segundo dados do Serviço de Atendimento ao Usuário (SAU) da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), a Enel liderou as reclamações em 2024 em comparação com as outras administradoras, com 18.648 reclamações, representando 57,7% do total. Em segundo lugar está a CPFL Paulista, com 4.543.
A principal reclamação e solicitação de informações no último ano foi de falta de energia, com 5.701 e 13.761, respectivamente.
Em meio a esse cenário, a Enel se comprometeu a investir R$ 10,4 bilhões entre 2025 e 2027. As obras serão, em sua maioria, preventivas, com a manutenção da troca de 34,4 mil quilômetros de rede. Além disso, a empresa promete a entrega de novas subestações.