“Trabalhe como se você fosse a Paris Hilton num escândalo novo”. A frase nunca foi dita por ela — mas poderia. Antes de influencer virar profissão, Paris Hilton já colhia os frutos de ter fama apenas por ser famosa. Mas foi sua sucessora, Kim Kardashian, quem refinou uma fórmula já antiga: transformar escândalos em negócios.
Juntas, elas criaram o modelo de celebridade que antecipou o Instagram, os reels e os reality shows em loop infinito.
Segundo David Marx, autor do livro Blank Space, Hilton e Kardashian não apenas venceram o jogo da fama — elas reescreveram as regras. A celebridade do século XXI, segundo o autor, não precisa mais cantar, atuar ou inventar nada. Para a nova espécie de celeb, basta capturar atenção, transformar o “eu” em produto e saber vender.
Mas se ambas partiram do mesmo arquétipo, seus impérios financeiros seguiram caminhos distintos. Paris diversificou e construiu uma fortuna sólida de US$ 300 milhões. Kim concentrou e escalou, atingindo um patrimônio entre US$ 1,7 e US$ 1,9 bilhão, alavancado quase totalmente pelo sucesso de sua marca de shapewear, a SKIMS.
Infâmia virou carreira. E deu lucro
Hilton foi descrita em Blank Space como “a mascote da nossa sociedade”. Mais do que um meme dos anos 2000, para Marx ela foi o arquétipo de uma nova era da fama: Paris não era apenas famosa por ser famosa, mas chegou ao nível de celebridade por desejar abertamente esse tipo de fama. “Quero que as pessoas saibam quem eu sou, que gostem de mim para que eu possa vender coisas para elas. Quero que valorizem minha opinião como uma formadora de gosto. Como um ícone. E quero monetizar isso. Tipo, muito", escreveu ela em sua autobiograia.
Hilton provou que o escândalo — até mesmo o desprezo público — não era mais punição, mas capital de carreira. Sua sex tape de 2003, em vez de afundá-la, consolidou seu status de fenômeno cultural. A fama deixou de ser algo concedido por mérito artístico ou aprovação institucional e passou a ser um produto replicável e escalável.
Em 2007, Kardashian elevou essa lógica, seguindo o mesmo roteiro: vazamento do vídeo íntimo, reality show familiar, marcas próprias e, por fim, bilhão na conta. Seu diferencial foi consolidar um império mais coeso. “Eu sou uma marca para meus fãs”, declarou em 2010. E foram as Kardashian, segundo Marx, que levaram o modelo adiante. Com mais ambição e menos ironia.
Kim Kardashian: estrela de reality show criou a 'economia das selfies' (David Livingston/Getty Images)
Quando a vida íntima vira capital
Segundo Blank Space, o que Paris e Kim criaram foi mais do que uma nova forma de celebridade. Foi a fundação da economia da atenção como modelo dominante na era digital. A série Keeping Up With the Kardashians serviu como canal direto entre a intimidade e o capital, transformando cada momento — festas, brigas, casamentos, divórcios — em conteúdo monetizável.
“A internet, com sua capacidade de contornar os gatekeepers da mídia tradicional, era o melhor lugar para devorar essa lógica. Qualquer pessoa com um smartphone podia documentar sua vida, buscar atenção e eventualmente transformá-la em dinheiro", escreveu Marx.
O que antes era privilégio de dinastias de Hollywood virou plataforma para todos. A celebridade não precisava mais de talento performático. Bastava visibilidade e, claro, saber onde mirar a câmera.
“Kim inventou, à sua maneira, uma nova linhagem de capitalismo. Sua moeda é a selfie" — Megan Garber, jornalista da revista The Atlantic.
O fim do mérito, o começo da autopromoção
A ascensão dessa lógica coincidiu com o colapso de antigas fronteiras culturais. A distinção entre fama e talento, prestígio e polêmica, arte e marketing desapareceu, segundo o autor. Para Marx, “sem a vergonha, a infâmia e a estima se tornam indistinguíveis”. O que importava era o impacto, não o conteúdo.
Assim, para o autor, a crítica cultural virou entretenimento performático. A audiência aprendeu a julgar não pela relevância artística, mas pela viralização. Kardashian não ficou apenas famosa — ela fez isso de forma bastante eficaz.
O modelo Paris–Kim dissolveu a linha entre fama e infâmia. No novo regime cultural, sem vergonha, para Marx, estima e desprezo se tornaram indistinguíveis. Hilton e Kardashian abriram a porta para um ecossistema de celebridades, influenciadores e creators que monetizam cada aspecto de suas vidas.
Para Marx, a atenção se tornou o bem mais disputado da era digital, e a celebridade — despida de mérito, mas rica em métricas — é o motor de um sistema onde ser notado é mais importante que ser respeitado. Em um mundo de visibilidade infinita, segundo o autor, a reputação virou capital volátil, e o “eu” virou o negócio mais lucrativo de todos.
:format(webp))