Unico: após aporte milionário, startup Acesso Digital mudou sua marca para Unico (Germano Lüders/Exame)
Carolina Ingizza
Publicado em 28 de dezembro de 2020 às 06h00.
As startups e empresas de tecnologia desafiaram a crise em 2020. Enquanto o PIB brasileiro deve cair cerca de 5% neste ano, as companhias que trabalham com inovação receberam 2,87 bilhões de dólares em 426 aportes espalhados de janeiro a novembro. O valor já é superior ao montante recebido no mesmo período de 2019, que havia sido considerado recorde para as startups no Brasil.
O mercado esperava que 2020 seguisse o mesmo ritmo de 2019. E o ano começou promissor. Logo na primeira semana de janeiro, a Loft anunciou uma rodada milionária que a colocou no rol de unicórnios brasileiros. O primeiro bimestre foi recorde, com mais de 1 bilhão de reais em aportes, 45% a mais que no ano anterior.
Mas todo o otimismo que empolgava as empresas e os investidores ruiu com a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil. Diante das incertezas sobre quais seriam os impactos da doença na economia global, os fundos de investimento e investidores-anjo se retraíram.
“Nos primeiros meses da crise, as empresas que não haviam começado a captar sofreram. Só as rodadas maiores ou as que já estavam em processo de análise avançaram”, relembra Alan Leite, presidente da aceleradora Startup Farm. A tendência de retração seguiu até o final do primeiro semestre, o que resultou em um volume 50% menor de investimentos na comparação com o primeiro semestre de 2019.
Conforme os meses foram passando, os fundos entenderam que as empresas que trabalham com tecnologia seriam beneficiadas pela crise, que estava impulsionando uma digitalização maior da economia. “A partir de junho, com o aporte do Nubank, o mercado começou a se normalizar”, diz Gustavo Gierun, fundador do Distrito, que monitora o ecossistema de startups brasileiro. No segundo semestre, os aportes ressurgiram com força e deram origem a novos unicórnios no país.
A pedido da EXAME, o Distrito fez um levantamento sobre os 10 maiores aportes em startups brasileiras de 2020 (veja abaixo). O resultado mostra que o setor que recebeu os maiores cheques do ano foi o de fintechs, queridinho dos investidores. “É uma indústria muito grande e consolidada no Brasil, é natural que seja atacada por empreendedores. O ambiente regulatório mais favorável, com Pix e Open Banking, também atrai inovação”, diz Gierun.
Para 2021, segundo o especialista, a expectativa é que os investidores mantenham o ritmo e que o volume investido aumente. “A economia está recuperando lentamente, mas dá sinais de que a tendência de digitalização será permanente”, diz.
Durante a pandemia, o Nubank foi convencido por seus investidores a levantar mais capital não só como uma proteção aos riscos de uma economia sem fôlego mas também para ir às compras, como contou o fundador David Vélez em entrevista anterior à EXAME. A empresa, então, captou um aporte de 300 milhões de dólares em junho com os fundos Sequoia Capital, Kaszek Ventures e Ribbit Capital. O dinheiro veio menos de um ano depois de a companhia ter levantado uma rodada de 400 milhões de dólares. Desde então, o Nubank adquiriu a corretora Easynvest e lançou sua operação na Colômbia, o segundo mercado internacional da empresa, que atua também no México.
Empatado com o Nubank, o Neon tem a maior rodada de captação de 2020. Em setembro, a fintech captou 300 milhões de dólares em uma rodada série C liderada pelo General Atlantic. A última rodada da empresa havia sido no final de 2019, quando levantou cerca de 100 milhões de dólares com o General Atlantic e o BV. Com o novo investimento, o banco digital partiu para o ataque em diferentes frentes: aquisições, lançamento de produtos, aumento da oferta de crédito e contratação de talentos. Em novembro, por exemplo, companhia adquiriu a operação da fintech Consiga+ para embarcar no mercado de crédito consignado.
Último unicórnio de 2020, a Creditas conquistou a segunda maior rodada do ano. No dia 18 de dezembro, a empresa anunciou ter concluído sua rodada série E, na qual captou 255 milhões de dólares com os fundos LGT Lightstone, Tarsadia Capital, Wellington Management, e.ventures e Advent International. Na rodada, a startup foi avaliada em mais de 1,75 bilhão de dólares, o que lhe garante o título de unicórnio. A empresa disse que irá usar o dinheiro para expandir seus produtos financeiros e de soluções para o consumidor, assim como para investir na operação no México, iniciada há quatro meses.
No começo de dezembro, o C6 Bank captou 241,6 milhões de dólares por meio da emissão de ações ordinárias para mais de 40 investidores privados, cuja identidade não foi revelada. Na operação, o banco digital foi avaliado em 2,1 bilhões de dólares. Os recursos serão utilizados para aumentar o capital do banco, ampliando a capacidade de expansão. O presidente Marcelo Kalim disse que o capital permitirá que o banco complete o desenvolvimento da sua plataforma de investimentos e avance em novas linhas de negócio. Há dúvidas se o banco digital deve ser chamado de unicórnio, já que os sócios não se referem a empresa como startup e não há investidores de Venture Capital no negócio.
Primeiro unicórnio brasileiro da pandemia, a VTEX, de soluções para e-commerce, captou um dos dez maiores investimentos do ano. Em setembro, na sua rodada de captação série D, a empresa recebeu 225 milhões de dólares dos fundos Tiger Global e Lone Pine Capital. Com o dinheiro, a empresa vai fazer aquisições, contratar mais funcionários e acelerar o crescimento nos Estados Unidos, Europa e Ásia. No final de 2019, a companhia havia recebido um investimento de 140 milhões de dólares dos fundos SoftBank, Gávea e Constellation Asset Management.
A Loft, startup de compra e venda de imóveis, foi alvo de uma rodada de 175 milhões de dólares em janeiro — o que a tornou o primeiro unicórnio brasileiro de 2020. Os fundos Vulcan Capital e Andreessen Horowitz colideraram a rodada, com a participação da QED Investors, Fifth Wall Ventures, Thrive Capital, Valor Capital e Monashees. De lá para cá, a Loft comprou startups menores, como a Uotel e a Invest Mais; intermediou mais de 500 financiamentos imobiliários; lançou um novo fundo imobiliário de 360 milhões de reais na B3; e aumentou sua equipe em mais de 50% para dar conta do crescimento do negócio.
A startup Conductor, de processamento de pagamentos e banking as a service, conquistou uma das maiores rodadas de investimentos em 2020. A empresa captou 170 milhões de dólares para expandir seus negócios na América Latina enquanto avalia a possibilidade de listagem no mercado de ações dos Estados Unidos. Na rodada, participaram os fundos Viking Global Investors, Sunley House Capital, Advent International e Temasek. A startup tem mais 30 milhões de usuários ativos e processa mais de 1,5 bilhão de transações financeiras por ano.
Em agosto, nove meses depois de a Wildlife entrar no seleto clube de startups “unicórnios“, com um valuation de 1,3 bilhão de dólares, a empresa de games mobile criada no Brasil voltou a impressionar. Com o crescimento da indústria de jogos acelerado pela pandemia do novo coronavírus, a companhia atraiu um novo investimento de 120 milhões de dólares e foi avaliada em 3 bilhões. Em entrevista à EXAME, os sócios contaram que só aceitaram receber um novo investimento quando o fundo americano Vulcan Capital mostrou interesse em liderar a rodada. Além de ter investido em gigantes como Uber e Spotify, o fundo conhece bem a indústria de games. Em 2018, participou da rodada de 1,25 bilhão de dólares da Epic Games, companhia por trás do sucesso Fortnite, avaliada em 17,3 bilhões em agosto de 2020.
Fundada em 2007, a startup Acesso Digital teve um 2020 agitado. Em setembro, recebeu um aporte de 109 milhões de dólares liderado pelos fundos General Atlantic e SoftBank. A empresa, que oferece serviços digitais de identificação, biometria e assinatura eletrônica, dobrou seu faturamento em 2020 e vai usar o investimento para expandir sua atuação para outros mercados. Para simbolizar a expansão do negócio, a marca troucou de nome em dezembro, e agora se chama Unico.
A empresa de tecnologia Nelogica, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi avaliada em mais de 2,9 bilhões de reais em sua primeira rodada de captação, de 102 milhões de dólares, liderada pelas gestoras Crescera e Vulcan Capital. Fundada em 2003 pelos amigos de infância Marcos Boschetti e Fabiano Kerber, a Nelogica nasceu para democratizar o acesso do investidor amador à bolsa. Pagando uma assinatura mensal, o cliente consegue ver em tempo real as cotações das principais bolsas do mundo na plataforma da empresa, chamada Profit. O investimento vai ajudá-la em seu processo de internacionalização começado em 2019.
Aumentar a equipe de tecnologia, investir em desenvolvimento de produtos e organizar a expansão para fora do Brasil. É assim que a empresa de tecnologia mineira Take planeja investir o aporte de 100 milhões de dólares que recebeu em outubro da gestora americana Warburg Pincus. O cheque é o primeiro investimento externo recebido pela startup e é o maior já concedido a uma empresa brasileira em uma rodada de captação série A, de acordo com o Crunchbase.