Demonstração com o óculos Hololens 2: inteligência artificial embarcada no hardware substitui manuais em papel por telas animadas e orientações em tempo real (Divulgação/Divulgação)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 8 de março de 2024 às 14h42.
Última atualização em 11 de março de 2024 às 19h04.
REDMOND (ESTADOS UNIDOS) — Um dos aspectos inevitáveis de uma visita à sede global da Microsoft é presenciar alguma obra ou reforma em andamento. Localizado em Redmond, um subúrbio de Seattle, o campus onde mais de 40.000 funcionários circulam diariamente está passando por um dos maiores ciclos de expansão em 38 anos de presença da empresa fundada por Bill Gates por ali.
Em meio a uma densa floresta de coníferas, é possível encontrar guindastes e operários dando retoques num complexo de 17 edifícios agregados ao campus desde 2017. Atualmente, a empresa ocupa 125 edifícios numa área de 2,1 quilômetros quadrados. É metade do perímetro do Itaim Bibi, onde está o coração financeiro de São Paulo. A vastidão da sede da Microsoft é tamanha que um sistema de micro-ônibus circula de tempos em tempos para levar os funcionários de um ponto a outro.
A expansão no campus da Microsoft em Redmond coincide com um momento de ouro da companhia impulsionado pela inteligência artificial. Em fevereiro do ano passado, o anúncio da parceria com a OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, posicionou a companhia como líder do tema. Desde então, o valor de mercado dobrou. Em janeiro, embalada pela adoção maciça do ChatGPT mundo afora, a Microsoft ultrapassou a Apple como empresa mais valiosa do mundo. Hoje, o número está em 3 trilhões de dólares, 30% acima do PIB brasileiro: 2,2 trilhões de dólares.
Em 11 de fevereiro, um comercial da Microsoft veiculado no intervalo do Superbowl, o maior evento esportivo dos Estados Unidos, declarou muito da visão da companhia para o futuro: melhorar a vida dos humanos a partir da inteligência artificial. Em 1 minuto, o vídeo exibe jovens profissionais às voltas com pensamentos negativos do tipo: "Eu nunca vou conseguir abrir meu negócio" ou "Sou muito jovem para mudar o mundo" para, na sequência, mostrar os mesmos profissionais conseguindo resolver seus desafios com apoio das ferramentas de IA da companhia.
Num esforço de relatar o que está fazendo para levar o tema da IA adiante, a Microsoft convidou um grupo de 20 jornalistas estrangeiros para conhecer o campus. A EXAME foi o único veículo da América Latina presente. A programação incluiu conversas com executivos das áreas de hardware e software da companhia. As conversas giraram sobretudo ao redor do que está por vir no Copilot, uma ferramenta de inteligência artificial que a Microsoft vem acoplando progressivamente ao pacote Office.
A ideia é facilitar o trabalho em aplicativos como Excel, Teams ou Word com o apoio da inteligência artificial agregada em grandes modelos de idiomas, conhecidos pela sigla LLM, uma abreviação do nome em inglês: large language model. São essas bases de muitas informações agregadas que, estimuladas por algoritmos, conseguem formular respostas elaboradas. E, em alguns casos, estabelecer conexões entre fatos com uma precisão igual ou superior ao do cérebro humano. O ecossistema da Microsoft tem mais de 15.000 desses LLMs, sejam eles criados dentro de casa ou por parceiros como a OpenAI.
A comitiva de jornalistas teve a oportunidade de presenciar alguns usos ainda em fase de protótipo e com lançamento previsto para os próximos meses. Na lista estão facilidades como um botão do Copilot no Teams capaz de gravar uma reunião e, em tempo real, transcrever o que foi falado e já dar um resumo dos principais pontos da conversa, além de sugestões de próximos passos. No Excel, um botão semelhante permite análises detalhadas sobre o impacto dos números em cada linha ou coluna. É uma mão na roda para quem hoje fica horas analisando números em busca de algum sentido em planilhas imensas.
Em conjunto com o óculos de realidade aumentada (ou misturada, uma vez que o portador também vê objetos à sua frente) Hololens 2, também da Microsoft, o Copilot já permite a um operário de linha de produção consultar a inteligência artificial para tirar dúvidas sobre a melhor decisão para resolver problemas como o conserto de uma peça defeituosa. Ou, então, a seguir de forma multimídia, com áudios e vídeos animados, os tutoriais de operação de uma fábrica até recentemente só acessados após a leitura de manuais com páginas e mais páginas.
De certo modo, o Copilot é uma resposta da Microsoft ao ChatGPT. Para além de acoplado ao pacote Office, o Copilot pode ser acessado por um aplicativo próprio, tal como a ferramenta criada pela OpenAI. No Copilot, por exemplo, é possível até pedir à IA coisas banais do dia a dia como dicas de gastronomia. Uma das sessões de demonstração do Copilot girou ao redor de uma receita de café expresso criada pela IA, uma ajuda e tanto para a concentração de jornalistas estrangeiros ainda às voltas com os efeitos do jet lag da viagem a Seattle.
Em comum a todas as aplicações está a visão da Microsoft de uma inteligência artificial longe de substituir o trabalho dos humanos, um dos principais temores por trás do avanço dessas tecnologias. Por ali, o discurso é o de uma IA servindo como uma espécie de copiloto dos humanos na resolução de problemas em menos tempo e esforço. Daí o nome Copilot.
Boa parte dos LLMs utilizados para abastecer o Copilot vieram de parceiros. O mais óbvio deles é o ChatGPT da OpenAI, mas há outros. E a lista está aumentando. Em 27 de fevereiro, a companhia anunciou uma parceria com a startup francesa Mistral, uma das queridinhas dos investidores com olhos para a inteligência artificial. Da mesma maneira como fez com a OpenAI, a Microsoft adquiriu uma participação minoritária na startup sediada em Paris e dona de uma tecnologia de IA capaz de gerar respostas afiadas a partir de bancos de dados mais enxutos. Na ponta, o sistema da Mistral acelera ainda mais a IA com um gasto inferior de energia para movimentar processadores.
Além da Mistral, a Microsoft está criando produtos com outras empresas de tecnologia. Numa dessas frentes, com a fabricante de processadores Nvidia, outra gigante cujos resultados foram impulsionados nos últimos meses por causa da IA, vem criando infraestruturas de data centers mais robustos para dar conta do aumento gigantesco no consumo de dados esperado para os próximos anos com a popularização da IA. "Muita gente ainda pergunta para nossos executivos: 'Ok, vocês têm a parceria com a OpenAI, e o que mais?", diz John Montgomery, um dos vice-presidentes da Microsoft ligados à agenda de IA da companhia. "A nossa visão é a de tornar a companhia uma plataforma de soluções de IA, sejam proprietárias ou open source."
De certa maneira, a Microsoft dobra a aposta numa estratégia de criação conjunta de produtos que a fez chegar aonde chegou. Nos anos 80 e 90, por exemplo, a parceria da empresa com a fabricante de processadores Intel revolucionou a computação ao consolidar a era dos microcomputadores embarcados com o sistema operacional Windows. Uma relação próxima à alemã SAP colocou os produtos da gigante dos softwares de gestão empresarial dentro dos produtos da Microsoft, que assim reforçou a posição dela como fornecedora preferencial de soluções para milhões de empresas ao redor do planeta.
Olhando para o futuro, há muitos desafios para a Microsoft manter o momentum dela na inteligência artificial. Em fevereiro, a Alphabet, dona do Google, lançou uma versão mais potente do Gemini, uma ferramenta de inteligência artificial aos moldes do ChatGPT que, apesar de vasculhar bases vastíssimas de dados, é compacta o suficiente para funcionar num celular. Mesmo parceiros da Microsoft, como a NVidia, estão de olho no sucesso de softwares como o ChatGPT.
Por ora, o discurso na companhia é otimista. "Não há motivos para temer a concorrência", diz Steven Batiche, vice-presidente de operações do Windows e funcionário da empresa desde meados dos anos 90. "Basta olhar a nossa história para entender que é nos momentos de competição acirrada que entregamos as melhores soluções." A julgar pelo tamanho da ambição e do otimismo nos corredores da empresa, há motivos para acreditar que o campus da Microsoft em Redmond ficará pequeno de novo — e em breve.
* O jornalista viajou a convite da Microsoft