Lucas Kallas: "Para chegar aqui, primeiro você precisa ter disciplina e estudar bem os negócios que você está entrando" (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 4 de julho de 2023 às 12h51.
Última atualização em 5 de setembro de 2023 às 11h39.
Os olhos do empresário mineiro Lucas Kallas brilhavam como alguém orgulhoso de seus feitos na tarde de segunda-feira, 19 de junho, enquanto olhava de cima da Mina do Gama, em Nova Lima, nos arredores de Belo Horizonte. Vizinha de morros com um verde profundo, típico das Minas Gerais, a cratera de 200 metros de profundidade difere da paisagem. Com tonalidades ocre e cinza, as montanhas de rocha e terra dão uma pista sobre o tamanho da riqueza gerada pelo minério de ferro explorado ali.
A Mina do Gama é a menina dos olhos de Kallas, uma personalidade cada vez mais proeminente em círculos do empresariado brasileiro. Ele é fundador da Cedro Mineração, um negócio aberto em 2018, a partir de minas abertas há décadas e compradas por Kallas. Muito em função do ótimo momento do comércio de minérios no mundo, a aposta do empresário mineiro trouxe resultados expressivos. Atualmente, a holding dos negócios comandados por ele fatura 2,5 bilhões de reais, 70% disso oriundo da mineração; o restante vem de investimentos em fundos aqui e nos Estados Unidos.
O salto nas receitas jogou holofotes sobre Kallas. Atualmente, ele é conselheiro da Fiemg, a influente associação dos industriais de Minas Gerais e da Santa Casa de Belo Horizonte, principal hospital filantrópico da capital mineira e um dos principais pontos de encontro da elite local. No plano nacional, o empresário ganhou uma exposição no começo do ano ao ser convidado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para integrar o Conselho do Desenvolvimento Econômico, o popular "Conselhão", fórum com alguns dos principais nomes do PIB nacional como Abílio Diniz, Luiza Trajano e Cris Junqueira, do Nubank.
Por trás da expansão da holding de Kallas está uma habilidade dele em imprimir um ritmo acelerado aos negócios. Em funcionamento desde meados de 1990, a Mina do Gama tinha uma produção anual na casa de 1,3 milhão de toneladas ao ser comprada por Kallas. Para o padrão agigantado da mineração, trata-se de uma ninharia: a mineradora Vale extrai 112 milhões de toneladas de ferro por ano na operação em Carajás, no Pará, considerada a maior mina de ferro a céu aberto no mundo. A exploração de locais do porte de Carajás, contudo, virou um desafio num planeta com preocupações ambientais em alta.
Aí, o ganho de eficiência em minas já existentes é vista com bons olhos por clientes e investidores. Após investimentos de 180 milhões de reais em melhorias, Kallas praticamente triplicou a produtividade da Gama em cinco anos. Hoje em dia, dali saem 3,9 milhões de toneladas por ano. O volume cresceu graças a aparelhos mais modernos, como uma prensa de filtragem para consolidar os rejeitos da mina.
Por um lado, ela permite resgatar com mais facilidade algumas pelotas de minério que anteriormente viravam rejeitos. Por outro, utilizar a mesma quantidade de água em novos processos de lavagem para tirar o barro grudado ao minério — 85% da água volta ao ciclo produtivo da mina — e, assim, evitar a formação de barragens capazes de provocar desastres ambientais como os de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019.
Num dia normal de operação da Gama, como o presenciado pela reportagem da EXAME, 1.500 carretas circulam por ruas de terra abertas em diferentes níveis, uns mais altos que outros, espalhadas nos 27 hectares da mina, área equivalente a quatro autódromos de Interlagos, o principal do Brasil. Elas levam o minério para siderúrgicas e fabricantes de ferro-gusa a muitos quilômetros de distância — gigantes como a siderúrgica CSN, a trading Trafigura e a própria Vale são clientes da Cedro.
O ganho de produtividade da Gama motivou Kallas a comprar outra mina, em Mariana, em operação desde o fim de 2022 - outras três aguardavam liberações de órgãos governamentais. Por trás da aposta dobrada está o ótimo momento do mercado de minério de ferro. Em 2018, a cotação internacional da matéria-prima girava ao redor de 70 dólares. Em 2021, em meio às disrupções em cadeias globais de suprimentos motivadas pela pandemia, o preço chegou a 220 dólares. Hoje, está em 110 dólares.
A bonança motivou uma generosidade incomum na política de recursos humanos — e planos ambiciosos para o futuro. Em 2022, a receita cresceu 25%. A expansão garantiu um bônus gordo para os quase 500 funcionários diretos da mina. Cada um recebeu 12 salários extras, num total de 24 salários pagos ao longo do ano passado. A política de participação em lucros e resultados, ou PLR, foi criada em 2019 e depende do atingimento de metas coletivas, como volume de produção, bons indicadores de segurança no trabalho, implantação de projetos inovadores e, sobretudo, condições de mercado favoráveis.
"Brinco que não adianta ser dono e não querer repartir com quem te ajuda", diz Kallas. "Pagamos 12 salários de PLR para todo mundo, do gerente à moça do cafezinho." Como resultado, o índice de rotatividade no negócio é "muito baixo", nas palavras dele. "O pessoal está fechado com a gente. Não tem jeito de manter um negócio desses se não tiver uma equipe engajada", diz ele.
Com a máquina azeitada, Kallas conseguiu quitar antecipadamente a compra da Mina do Gama — em vez dos seis anos previstos em contrato, foram apenas dois. Agora, para além da unidade em Mariana, o empresário pretende adquirir outras cinco minas nos próximos anos. A meta é multiplicar por cinco a produção até 2026, para um total de 20 milhões de toneladas. O volume poderá colocar a companhia como a quarta maior produtora de minério de ferro no Brasil, atrás de Vale, Anglo American e CSN.
O bom desempenho da mineração deu margem ao empresário de 43 anos para empreender em outras frentes. Um dos principais temas de conversa de Kallas com amigos e funcionários das empresas dele presenciadas por EXAME estão detalhes de negócios que ele vem investindo ou de alguma fazenda recém-comprada.
Um dos tópicos prediletos é o da Cedro Agro, uma divisão estruturada a partir de 2020 com a aquisição de terras na Serra do Cabral, no centro norte mineiros e próximo ao Vale do Jequitinhonha, historicamente uma das regiões mais pobres do estado. Com altitude média 1.200 metros, a região tem atraído produtores de café nos últimos 15 anos pela combinação de temperatura favorável (o calor do dia dá espaço a temperaturas amenas à noite), um regime de chuvas fartas na época do plantio e um terreno argiloso ideal para produção de café de qualidade.
No região a 380 quilômetros de Belo Horizonte, a Cedro comprou três fazendas num total de 4.130 hectares cultiváveis. Na fazenda no município de Francisco Dumont, a área que antes servia para o plantio de eucaliptos agora tem um time de 220 funcionários que se reveza no cuidado de 1.000 hectares de mudas de café. Outras duas áreas dedicadas à mesma cultura aguardam autorização de órgãos ambientais para saírem do papel.
O "retrofit" da fazenda para o cultivo de café custou 130 milhões de reais e os frutos devem vir já em 2024: a primeira safra completa da fazenda, já com os pés maduros, deve render 43.200 sacas a serem destinadas 100% ao mercado internacional. O negócio foi apresentado a Kallas por Luis Carlos Casim, até então dono da Nutril, uma empresa de lácteos de Minas Gerais. Amigos de longa data, ambos conversavam sobre terem um negócio juntos. Após vender a Nutril, Casim virou o responsável por tocar a operação agro da Cedro e, para isso, detém 5% de participação do negócio.
"Nós pousamos aqui, só tinha uma casinha e terra. O Lucas olhou e disse: eu gosto é disso, de desafio, negócio que dá trabalho. Agora é com você, pegue e resolva", diz Kallas. Além do café da Serra do Cabral, a divisão agro tem outros 12.500 hectares no município baiano de Santa Rita de Cássia, a 870 quilômetros a oeste de Salvador e no coração da fronteira agrícola apelidada de Matopiba. Para além da agricultura, o plano é aproveitar o sol praticamente no ano inteiro na região para instalar usinas solares.
Kallas tem planos ainda mais robustos para o mercado imobiliário, base do empreendedorismo da família dele. Lucas é neto de Farid Kallas, libanês que imigrou ao Brasil na virada dos anos 1900. Estabelecido em Passos, no sul do estado, ele criou a Farid Eletrodomésticos, uma varejista, e a Kallas Construtora, uma das principais loteadoras de Minas Gerais. Quando o neto demonstrou interesse em empreender, nos anos 2000, Farid cedeu um terreno para o neto começar um negócio. "Eu pegava a área, urbanizava e vendia", diz.
A metros do escritório da Cedro, no edifício Concordia, uma torre envidraçada em Nova Lima, cidade pólo de negócios na Grande Belo Horizonte, o braço de investimentos imobiliários de Kallas está desenvolvendo um complexo com shopping center, centros de convenções, hospital, além de torres residenciais e comerciais. Ainda à espera de alvarás, o empreendimento chamado Himalaya Town Center deve receber investimento total de 1,2 bilhão de reais.
Em paralelo, a empresa de Kallas fechou parceria com a rede de clínicas particulares Oncoclínicas para erguer centros hospitalares em São Paulo, Goiânia e nos arredores do Himalaya. No setor, o Grupo está preparando também o lançamento de um projeto em Trancoso, região sul da Bahia. A Cedro adquiriu 21 terrenos que somam 1 milhão de metros quadrados, pegando áreas próximas às famosas falésias de Trancoso, na área do Club Med, e deve começar a oferecer os lotes ainda no próximo verão. Também está no papel a parceria com a rede de hotéis de luxo Nômade, do México, para a construção de casas.
Os outros negócios são a partir de fundos, como um Fiagro em que a Cedro entrou como investidora-âncora para a aquisição de fazenda no estado do Tocantins. Ou um FIP de energia solar, do qual o grupo já saiu depois de um investimento de 100 milhões de reais."Mineração é o que a gente realmente entende e o que nós vamos continuar. Todos os demais são oportunidade de entrar, desenvolver, implementar e crescer. A partir deste momento, se surgir um investidor com interesse em adquirir, nós vamos sentar e se tiver número que interesse, nós vamos fazer negócio. Foi o que aconteceu", afirma Bruno Bottrel, diretor de novos negócios da Cedro.
À medida que os negócios crescem, Kallas tem ganhado projeção nacional. No dia que a reportagem da EXAME foi conhecer o escritório da Cedro, ele tinha um encontro com Romeu Zema, governador de Minas Gerais, e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia do governo Lula, no conselho estratégico da Fiemg, mas diz não querer mais atuar no setor público, onde começou seus negócios, dependente de concessões e de contratos com governos. Prefere focar em contratos privados, onde pode dar seu ritmo aos negócios.
Além do sucesso como empresário, Kallas investe para ser conhecido pelo trabalho que tem desenvolvido no lado social. A Cedro apoia atualmente mais de 50 entidades de diferentes setores, incluindo uma creche que mantém sozinha e onde atende cerca de 600 crianças.
Entre tantos negócios, não dá para saber qual o futuro do império de Lucas Kallas. Seja qual for, será calculado em uma velha calculadora que ele usa para bater os números com os seus sócios e funcionários. Na história que circula pelos corredores do escritório na Cedro no 13º andar do Concordia, enquanto eles levam dias em planilhas e fórmulas, ele chega aos resultados em minutos nas anotações com a calculadora que carrega por todos os cantos.
Questionado sobre o que o levou a chegar aonde está, Kallas não titubeia. "Para chegar aqui, primeiro você precisa ter disciplina e estudar bem os negócios que você está entrando", diz ele. "E até hoje, em todos os negócios que entramos, estamos indo muito bem."
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