Mundo

Putin se vacina contra a covid — e quer 700 mi doses da Sputnik no mundo

A decisão de Putin de se vacinar veio após comentários críticos na União Europeia sobre o imunizante. A Sputnik mostrou eficácia alta nos testes, de quase 92%

Putin e a geopolítica das vacinas: Rússia pretende que o mundo chegue a mais de 700 milhões de doses da Sputnik por meio de parcerias de transferência de tecnologia (Alexander Nemenov/Pool/Reuters)

Putin e a geopolítica das vacinas: Rússia pretende que o mundo chegue a mais de 700 milhões de doses da Sputnik por meio de parcerias de transferência de tecnologia (Alexander Nemenov/Pool/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 23 de março de 2021 às 06h00.

Última atualização em 23 de março de 2021 às 06h28.

Esta reportagem faz parte da newsletter EXAME Desperta. Assine gratuitamente e receba todas as manhãs um resumo dos assuntos que serão notícia.

A lista de líderes mundiais vacinados ganha novo membro nesta terça-feira, 23. O presidente russo, Vladimir Putin, deve se vacinar hoje contra a covid-19, segundo informou o mandatário à imprensa estatal.

Putin tomará a Sputnik V, vacina do Instituto Gamaleya financiado pelo Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), que é responsável pelas negociações de exportação com outros países.

Outrora patinho feio das vacinas globais, o imunizante russo ganhou notoriedade depois que testes de eficácia publicados na renomada revista científica The Lancet mostraram taxa de eficácia de 91,6%.

A decisão de Putin de se vacinar veio após comentários críticos na União Europeia sobre o imunizante. No fim de semana, o ex-ministro francês Thierry Breton, comissário para o mercado interno da UE, disse que o bloco "absolutamente não tem necessidade de ter a Sputnik V". O comentário foi feito semanas após a EMA, reguladora europeia (similar à Anvisa no Brasil), começar a analisar o imunizante

Putin respondeu nesta segunda-feira, 22, classificando a fala como "estranha" diante da falta de doses na União Europeia. O bloco, que aplicou doses suficientes para cerca de 9% da população com a primeira dose, tem tido vacinação mais lenta do que outras regiões ricas, como Reino Unido (onde 42% tomaram a primeira dose) e EUA (25%).

"Nós não estamos impondo nada a ninguém... Quais interesses essas pessoas estão protegendo, o das farmacêuticas ou dos cidadãos europeus?", disse Putin, afirmando na sequência que pretendia se vacinar no dia seguinte com a Sputnik. O presidente russo disse também que, apesar do "descrédito deliberado em nossa vacina, mais e mais países estão mostrando interesse nela".

A UE tem recebido número insuficiente de doses de seus outros fornecedores, como a AstraZeneca, que cortou pela metade as doses que seriam entregues ao bloco.

Há uma viagem dos técnicos da EMA marcada para a Rússia em 10 de abril, para analisar os testes feitos para a vacina. Mas com casos de covid-19 aumentando, dois países membros, a Hungria e mais recentemente a Eslováquia nesta semana, autorizaram a Sputnik V sem esperar a reguladora europeia.

Usando a Sputnik, a Rússia aplicou ao menos 10,6 milhões de doses em seus 146 milhões de habitantes. Cerca de 4% da população tomou ao menos a primeira dose — taxa ainda baixa e similar à do Brasil, que vacinou mais de 16 milhões de pessoas, mas onde a população é maior. A Rússia passou semanas sem atualizar os dados oficiais de vacinados, mas voltou a fazê-lo nos últimos dias.

A vacina russa usa tecnologia parecida à da vacina de Oxford/AstraZeneca, com adenovírus, mas precisa ser transportada a temperatura menor, de -18 graus Celsius (o que torna o transporte mais difícil em relação à AstraZeneca, que precisa ser transportada entre 2 e 8 graus).

Mais de 50 países já aprovaram o imunizante, segundo o site oficial da Sputnik. Entre eles está a Argentina, que começou a vacinar ainda em dezembro e onde mais de 3 milhões de pessoas foram vacinadas (o equivalente a pouco mais de 3% da população), majoritariamente com a vacina russa, sem efeitos adversos graves registrados.

Em janeiro, o presidente argentino, Alberto Fernández, se tornou o primeiro presidente na América do Sul a se vacinar, tomando uma dose da Sputnik. Também aprovaram a vacina outros sul-americanos, como México, Bolívia, Paraguai e Venezuela.

No exterior, há questionamentos sobre o porquê de a Rússia estar vendendo vacinas enquanto a vacinação em casa é insuficiente. "Ainda nos perguntamos por que a Rússia está teoricamente oferecendo milhões e milhões de doses enquanto não tem progredido suficientemente na vacinação de sua própria população", disse em fevereiro a presiente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Mortes por coronavírus: número de novas vítimas na Rússia tem caído, mas vacinação ainda precisa ser acelerada (Our World In Data/Adaptado)

O ministro da Saúde Mikhail Murashko anunciou o plano de vacinar 60% da população até julho. Em declaração no fim de fevereiro, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o número de vacinados aumentou dez vezes desde janeiro, de 13.000 pessoas para de 135.000 a 145.000 doses aplicadas diariamente.

Mas o número terá de subir mais para que a meta seja cumprida. O país também aprovou recentemente outras duas vacinas, a EpiVacCorona e a CoviVac - embora a Sputnik ainda seja a principal usada na Rússia. Como foi com a Sputnik, aprovada ainda em agosto, as vacinas receberam aval para uso na Rússia antes da fase 3 de testes. Também está sendo testada uma versão de somente uma dose da Sputnik (que vem sendo chamada de "Sputnik Light").

Enquanto isso, a média móvel de novas mortes por covid-19 na Rússia caiu mais de 20% desde o pico, em dezembro e janeiro, mas, como no restante da Europa, a prevalência de novas variantes da covid-19 é uma preocupação.

O governo russo diz que espera que a Sputnik V chegue a 700 milhões de doses globalmente neste ano. Só para os países africanos, a Rússia ofereceu 300 milhões de doses. O plano para chegar lá é fazer parcerias de transferência de tecnologia com fabricantes mundo afora e ampliar a produção (similar aos contratos feitos entre Fiocruz-AstraZeneca e Butantan-Sinovac, que permitem a produção no Brasil).

Nesta semana, o fundo russo fechou parceria com o laboratório indiano Virchow Biotech para fabricar 200 milhões de doses por ano. No Brasil, a parceira é a União Química, que projeta fabricar 8 milhões de doses da Sputnik por mês.

Mas a desconfiança com relação à vacina russa ainda não desapareceu após a divulgação da eficácia. Mesmo dentro da Rússia, uma pesquisa no começo do mês mostrou que menos de um terço da população deseja se imunizar.

Como feito por outras potências, o governo russo espera usar a vacina como arma de diplomacia global. A demanda crescente - e a falta de doses suficientes das farmacêuticas americanas e europeias - tem feito os países emergentes se voltarem a vacinas de países como Rússia, China e Índia.

O imunizante tem se mostrado seguro nos países onde começou a ser aplicado, o que é uma boa notícia para esses planos e para a imagem que Putin deseja transmitir da Rússia como grande potência científica. Ao afirmar que iria se vacinar, Putin disse que a Sputnik V é "um sucesso absoluto de nossos cientistas e especialistas".

Sputnik V no Brasil

No Brasil, a Sputnik V ainda precisa ser aprovada pela Anvisa para uso emergencial. A reguladora afirma que faltam documentos a serem entregues até maio pelas fabricantes, antes da aprovação.

O consórcio dos governadores do Nordeste fechou neste mês a compra de 37 milhões de doses da Sputnik V, a serem entregues entre abril e julho e usadas em todo o país por meio do Plano Nacional de Imunização.

Já o governo federal comprou diretamente outras 10 milhões de doses, todas importadas prontas (serão 400.000 doses até o fim de abril, mais 2 milhões no fim de maio e 7,6 milhões em junho). Nos próximos meses, a Sputnik também será produzida nacionalmente por meio do laboratório brasileiro União Química.

A Sputnik virou ainda assunto na política externa brasileira após os EUA divulgarem um documento mostrando que, no governo do ex-presidente Donald Trump, o país pediu ao Brasil que não comprasse vacinas russas. O documento foi divulgado pelo próprio governo americano, agora sob presidência do democrata Joe Biden. A atuação para que o Brasil não usasse a vacina foi feita sem contrapartidas, como o oferecimento de vacinas americanas.

 

De 0 a 10 quanto você recomendaria Exame para um amigo ou parente?

Clicando em um dos números acima e finalizando sua avaliação você nos ajudará a melhorar ainda mais.

Acompanhe tudo sobre:Exame HojeRússiaSputnik VVladimir Putin

Mais de Mundo

Qual visto é necessário para trabalhar nos EUA? Saiba como emitir

Talibã proíbe livros 'não islâmicos' em bibliotecas e livrarias do Afeganistão

China e Brasil fortalecem parceria estratégica e destacam compromisso com futuro compartilhado

Matt Gaetz desiste de indicação para ser secretário de Justiça de Donald Trump