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Os EUA têm uma regra para guardar dinheiro — mas funciona no Brasil?

Planejadores financeiros explicam como usar a regra 50/30/20 para organizar o orçamento e conseguir guardar dinheiro todo o mês

Especialistas afirmam que o método ajuda a organizar o orçamento e criar o hábito de poupar, mas precisa ser adaptado à renda, ao custo de vida e à realidade brasileira para funcionar no dia a dia (OsakaWayne Studios/Getty Images)

Especialistas afirmam que o método ajuda a organizar o orçamento e criar o hábito de poupar, mas precisa ser adaptado à renda, ao custo de vida e à realidade brasileira para funcionar no dia a dia (OsakaWayne Studios/Getty Images)

Publicado em 21 de dezembro de 2025 às 10h00.

Guardar dinheiro de forma regular ainda é exceção no Brasil. Ao menos 55% dos brasileiros das classes A, B e C não mantém um planejamento financeiro e metade (50%) diz nunca ou raramente conseguir poupar ao longo do mês, segundo pesquisa da Nexus. Nesse cenário, regras e métodos de organização do orçamento passaram a ganhar espaço como tentativa de dar previsibilidade às finanças pessoais. Entre eles, a chamada regra 50/30/20 se tornou uma das mais conhecidas, tanto pela simplicidade quanto pelas dúvidas sobre sua aplicação prática na realidade brasileira.

Criado nos Estados Unidos como um modelo de divisão do orçamento, o método propõe separar a renda mensal entre despesas essenciais, gastos com estilo de vida e uma parcela destinada à poupança e aos investimentos.

Especialistas ouvidos pela EXAME afirmam que a regra pode ajudar a organizar as contas e criar o hábito de guardar dinheiro, mas alertam que ela não deve ser seguida de forma automática e precisa de adaptações para a realidade brasileira conforme renda, tipo de trabalho e custo de vida.

O que é a regra 50/30/20 e qual é a lógica por trás dela?

A regra 50/30/20 é um modelo simplificado de gestão do orçamento pessoal que propõe dividir a renda líquida mensal em três partes. A primeira, equivalente a 50%, deve ser destinada aos gastos essenciais, ou seja, tudo aquilo que é necessário para viver, como aluguel, condomínio, contas de luz, água, internet, transporte, alimentação e saúde.

Os outros 30% vão para despesas ligadas ao estilo de vida e ao lazer, como delivery, assinaturas de streaming, roupas, viagens e compras não essenciais. Já os 20% finais são reservados para objetivos financeiros de longo prazo, como a formação da reserva de emergência e investimentos.

Segundo Lucas Buffon, especialista em investimentos e sócio da GT Capital, a lógica da regra é criar equilíbrio e consciência financeira.

"O que realmente faz diferença é saber para onde o seu dinheiro está indo e garantir que uma parte dele esteja sendo usada para construir o futuro", afirma.

Um ponto central do método é que a parcela destinada a poupar ou investir não deve ser o que sobra no fim do mês. A ideia é tratar esses 20% como um compromisso fixo, separando o valor assim que o salário cai na conta.

É preciso seguir a regra à risca?

Os especialistas são unânimes em afirmar que a regra não deve ser encarada como um padrão rígido.

Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, compara o método a uma receita de bolo.

"Você pode não ter exatamente todos os ingredientes ou precisar adaptar as quantidades. O mais importante não são os números exatos, mas o conceito de separar necessidades, desejos e futuro", diz.

Diego Endrigo, planejador financeiro CFP pela Planejar, reforça que a regra funciona como um guia inicial.

"Ela traz clareza financeira, ajuda a diferenciar o que é essencial, desejável e estratégico, e cria disciplina. No longo prazo, o hábito de poupar é mais importante do que o valor poupado em si".

A regra ajuda mesmo a guardar dinheiro?

Para quem está perdido financeiramente ou nunca conseguiu poupar, a regra 50/30/20 costuma funcionar como um ponto de partida eficaz. O primeiro benefício é o diagnóstico. "Quando a pessoa coloca tudo no papel, muitas vezes se assusta ao perceber que gasta mais com desejos do que com necessidades", afirma Patzlaff.

Outro ganho relevante é psicológico. Ao transformar a poupança em uma despesa fixa, a regra reduz a ansiedade em relação ao consumo. "Não é sobre não gastar, é sobre ter liberdade. Se você sabe que sua parte do futuro está garantida, pode aproveitar o presente sem culpa", acrescenta o especialista.

Além disso, a regra funciona como porta de entrada para o mundo dos investimentos. Ao criar um excedente mensal e dar um destino claro a ele, a pessoa passa a investir de forma mais consciente e consistente, destacam os planejadores.

Como aplicar na prática: CLT x autônomos

A aplicação da regra começa pelo mapeamento detalhado do orçamento. O primeiro passo é listar todas as despesas, fixas e variáveis, e compará-las com a renda mensal líquida.

Para quem é CLT, o processo tende a ser mais simples, já que a renda é previsível. "Basta aplicar as porcentagens sobre o salário líquido e organizar os gastos dentro das três categorias", diz Buffon.

para autônomos e pessoas com renda variável, o desafio é maior. Nesse caso, a recomendação é trabalhar com médias. Endrigo sugere usar a renda dos últimos três a seis meses como base, enquanto Patzlaff indica até 12 meses, de forma conservadora.

"O mais importante é manter constância no acompanhamento", diz o especialista da Planejar. Segundo ele, o autônomo, por exemplo, pode destinar 20% dos meses de renda mais alta à reserva, compensando eventuais meses de menor faturamento.

As limitações da regra e a realidade brasileira

Apesar da popularidade, a regra 50/30/20 não é isenta de críticas. A principal delas é a simplificação excessiva. "Ela não considera contextos muito diferentes, como famílias com dependentes, dívidas elevadas ou renda insuficiente para cobrir o básico", afirma Buffon.

Outro ponto é que o modelo nasceu nos Estados Unidos, em um cenário de renda média mais alta e inflação mais estável. No Brasil, o custo de vida pressiona principalmente a chamada "caixa dos 50%".

"Em grandes capitais como São Paulo e Rio, não é raro que aluguel e condomínio consumam sozinhos 40% da renda", adverte Patzlaff. "E se você ganha um salário mínimo, é muito provável que seus gastos essenciais (50%) sejam, na verdade, 70% ou 80% da sua renda, nesses casos, o objetivo é sobreviver".

Nesse cenário, os especialistas defendem que a adaptação do modelo de planejamento financeiro para a realidade brasileira é fundamental. Para muitas famílias, versões como 60/25/15 ou até 70/20/10 são mais realistas. "Isso não é um fracasso pessoal, é reflexo do custo de vida", diz o planejador financeiro. "O princípio continua válido, mas copiar a regra sem adaptação pode gerar frustração", completa Endrigo.

A regra também costuma falhar em situações específicas, como para pessoas superendividadas. Nesse caso, os especialistas apontam que se 80% da renda de uma pessoa já está comprometida com dívidas e gastos essenciais, a prioridade absoluta é sair do vermelho, não falar em lazer ou investimento.

A principal dificuldade, segundo os especialistas, está em equilibrar o consumo do presente com a construção de uma reserva para o futuro. Para que a regra 50/30/20 funcione no médio prazo, ela precisa ser ajustada à realidade de cada pessoa, da renda, custo de vida, dívidas e até o momento de vida.

O princípio que sustenta o método, no entanto, é universal: gastar menos do que se ganha, evitar dívidas caras e reservar uma parte da renda para viver melhor no futuro. "A regra funciona como um uniforme que precisa ser ajustado na costureira para caber no corpo brasileiro", resume Jeff Patzlaff.

Como poupar dinheiro de forma realista

Para quem quer começar a organizar o orçamento, mas considera inviável poupar 20% da renda, o caminho é iniciar de forma gradual. Patzlaff lembra que quase ninguém consegue sair do zero para os 20% de um mês para o outro sem frustração. "Guardar dinheiro é como começar uma academia: você não tenta levantar 100 quilos no primeiro dia", afirma.

O primeiro passo, segundo ele, é fazer um diagnóstico detalhado das finanças, registrando todas as despesas — do aluguel ao cafezinho — em um aplicativo, planilha ou até em um caderno, sem julgamentos.

A partir desse mapeamento, a recomendação é começar com um percentual pequeno, mesmo que simbólico, como 1% da renda. O objetivo inicial não é acumular grandes valores, mas criar o hábito de direcionar parte do dinheiro para o futuro. Com o tempo, esse percentual pode ser ajustado para cima, à medida que a pessoa revê gastos e muda hábitos de consumo, como reduzir pedidos de delivery ou compras por impulso.

Outra estratégia indicada pelos planejadores financeiros é tratar a poupança como uma despesa fixa. Assim que o salário cai na conta, o valor reservado deve ser transferido automaticamente para outra conta, uma aplicação financeira ou uma "caixinha" digital.

"A sensação de conquista aparece quando você percebe que é possível, sim, guardar e investir mensalmente, mesmo começando pequeno", finaliza Patzlaff.

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