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Menos Brahma e mais Stella: a estratégia da Ambev para competir com a Heineken

Em entrevista à EXAME Invest, Lucas Lira, CFO da cervejaria, diz que recomposição de margens - tão demandada por analistas e investidores - deve acontecer em 2023

Lira: diretor financeiro da Ambev diz que movimento de compressão das margens, observado de 2020 a 2022, pode se inverter em 2023 (Ambev/Divulgação)

Lira: diretor financeiro da Ambev diz que movimento de compressão das margens, observado de 2020 a 2022, pode se inverter em 2023 (Ambev/Divulgação)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 4 de março de 2023 às 14h46.

Última atualização em 4 de março de 2023 às 16h21.

Na mesa do bar, a Brahma litrão começou a dar espaço para a versão de 600 ml da Stella Artois, cerveja premium da Ambev (ABEV3). A alemã Spaten, que é a mais novata no portfólio brasileiro, também dobrou de volume desde sua chegada. Enquanto isso, Brahma, Skol e Antárctica, marcas tão tradicionais do grupo, passaram a ser vendidas também em garrafas retornáveis de 300 ml por meio do aplicativo Zé Delivery, ficando muito mais relevantes no consumo dentro de casa.

Em 2022, as vendas do portfólio premium cresceram mais de 20% e levaram a Ambev a um volume total de 186 milhões de hectolitros, 3% maior do que um ano antes, e a uma receita líquida 20% mais alta, a R$ 79,71 bilhões. No Brasil, seu maior mercado, o volume cresceu 3,5% no ano, segurando o balanço  depois de um ano desafiador em mercados da América do Sul, América Central e Caribe e no Canadá.

Desde 2018,Ambev começou a se transformar. Parte do plano passa por tecnologia e entrada no varejo, outra se debruça sobre a ampliação do portfólio, especialmente nas faixas de maior valor agregado: premium, como Stella Artois, Corona e Becks, por exemplo, e core plus, como Spaten e Brahma Duplo Malte. "O Brasil ainda é um mercado em desenvolvimento no que diz respeito a categoria de cerveja. Então é uma oportunidade que enxergamos, assim como o concorrente", diz o CFO da Ambev, Lucas Lira, à EXAME Invest ao ser perguntado sobre a disputa de mercado com a Heineken. 

No ano passado, o volume da cervejaria holandesa aumentou um dígito alto, algo entre 8% e até 9,9%. Com a estratégia de dar foco aos rótulos Heineken Amstel, conseguiu um aumento de acima de 20% no portfólio "premium" e "mainstream", com essas duas marcas alcançando participação recorde de mercado. A Heineken, que já tem o Brasil como seu principal mercado, foi eleita a marca de cerveja mais amada pelos brasileiros, segundo pesquisa da Kantar, empresa multinacional especializada em conhecimento do consumidor. 

A estratégia da Ambev, porém, é aumentar o leque de opções para os consumidores. "A gente aprendeu ao redor do mundo, com a ABI também, é que, quanto mais desenvolvido o mercado é, mais valor tem em se poder oferecer opções diferentes para o consumidor em vez de depender de uma marca só. A gente vê várias histórias de sucesso de quem consegue oferecer mais opções", indica Lira. 

Não dá para negar, porém, que a disputa está mais acirrada entre as duas líderes, ainda que o mercado brasileiro seja competitivo há muitos anos, como argumenta o executivo.  A Ambev ainda reina com 60% de participação do mercado, mas a Heineken, segunda colocada com cerca de 20%, cresceu seu volume em ritmo mais acelerado. A "briga" pelas fatias do bolo foi parar no Cade, numa ação aberta pela Heineken para questionar contratos de exclusividade mantidos pela Ambev com alguns bares. Ainda em análise, o caso levou a regras mais dígidas de contratos para as duas companhias em algumas regiões do país.

Em entrevista à EXAME Invest, Lira falou mais da estratégia da companhia e das perspectivas para 2023, quando a companhia já projeta recomposição total das margens, um tema que tem sido alvo da atenção de analistas e investidores.

Leia abaixo a entrevista:

Em 2022, vocês chegaram a um patamar expressivo de volume de vendas de cerveja, com 18,6 bilhões de litros vendidos no total e 9,4 bilhões só no Brasil. Mas muita gente achou que o quarto trimestre, com verão e Copa do Mundo juntos pela primeira vez para nós do hemisfério Sul, decepcionou. Qual a sua análise?

Lucas Lira: O ano de 2022 foi um ano bom. Um ano importante para a gente. Desde 2020, estamos  tentando construir uma consistência e uma melhora contínua de resultado. A gente vem buscando e e falando muito de jornada de transformação, né? O que leva tempo e dá um trabalho danado. Então, era muito importante dar o próximo passo em 2022. Terminamos satisfeitos de que demos mais um passo firme nesse caminho de continuar evoluindo e melhorando a companhia. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é que a forma como isso se deu para a gente é muito importante. O Brasil, que é nosso principal mercado, voltou a crescer de forma sustentável. Se você pega a performance do Brasil em 2020 e 2021, o país meio que jogou contra, né? Acabou decrescendo o resultado do Brasil e as operações internacionais estavam melhores. Agora, foi o contrário. 

Mas não dá para negar que tem impacto negativo do mercado externo...

Lira: Quando a gente fala das operações internacionais, realmente tivemos um ano abaixo das expectativas na CAC (América Central e Caribe). A região sofreu mais do que a gente esperava com toda a ruptura de supply chain. No Caribe e na América Central, depende muito de frete oceânico e é administrar a cadeia do suprimentos lá é mais complicado, mas foi um ano abaixo das expectativas mesmo. Já o Canadá, embora também tenha sofrido, sofreu menos e começou a recuperar mais rápido. E a América do Sul, eu gosto de explicar quebrando em dois: Argentina e os outros países. Argentina é o maior mercado do Cone Sul. Representa mais ou menos 60%, depois vem Bolívia, Paraguai, Chile e Uruguai. Qual é a boa notícia de 2022? A Bolívia se recuperou. A Bolívia, junto com Panamá, foram os dois países que mais sofreram na pandemia. A Bolívia demorou mas voltou e o Paraguai sofreu menos e continuou bem. No Chile, passamos por um momento de transição. Porque passamos a ter maior produção local. Nossa capacidade de produzir estava no limite. Em 2021 e 2022 investimos em ampliação de produção e embalagem e agora passamos de um modelo de muito importação e mais produção local. A agilidade vai ser muito maior e passa a ser mais rentável, vamos ver esse embalo em 2023. Então o entorno da Argentina teve um ano positivo, enquanto o país continua vivendo um momento complexo por macroeconômia e sua hiperinflação. Mas a boa notícia é que fizemos avanços importantes em 2022 se olharmos a saúde das marcas e o nível de serviço no ponto de venda, pois chegamos com o BEES e o TaDá [nome do aplicativo de venda direta Zé Delivery nos países hispânicos].

Mas a saída do Brasil nas quartas de final e o verão mais frio e chuvoso foram fatores que vocês sentiram no quarto trimestre? Frustrou vocês do ponto de vista de volumes?

Lira: O Brasil ter saído nas quartas de final obviamente tem um impacto, se tivesse chegado na semi ou na final a gente ia ter ali mais dois jogos, mais duas ocasiões de consumo, mais eventos... Isso tem um impacto, né? O clima também não ajudou. O trimestre inteiro foi de chuva e frio mesmo, né? O verão demorou para chegar, então algum impacto teve. Porém acho que uma coisa que a gente não pode perder de vista é que não se pode ficar míope com o resultado do trimestre. Quando se deixa de olhar a foto do quarto trimestre e olha o filme dos últimos anos, o que o que o que a gente vê é que de 2019 para cá, a gente está numa toada consistente de crescer volume e receita. São 10 trimestres consecutivos de crescimento. Não é sorte nem coincidência,sabe? Alguma coisa a gente está fazendo, que está acertando mais que errando. E mudou o patamar de volume. Então vai ter trimestre que vai crescer mais, outro que crescerá menos, mas o importante é continuar crescendo o volume de forma consistente.

E o que esperar de 2023? Vai ser um ano de menos avanço em volume e mais recomposição de margem? Vocês já consideram um aumento de custo menor do que previram para 2022.

Lira: Com a pandemia, a gente aprendeu a trabalhar com diferentes cenários, sendo capaz de mudar qualquer caminho o mais rápido possível. Mas, para 2023, já acreditamos que não haverá tantos ventos contrários como se teve nos últimos quatro anos: real e peso se desvalorizando, alumínio, malte e cevada mudando de patamar e inflação também, com [aumento  de despesa de] mão de obra. Para 2023, a gente começa a ver uma mudança nessa tendência. Pela primeira vez em quatro anos nem tudo está jogando contra. O alumínio, para o qual fazemos hedge de 12 meses, em média, para frente, já nos ajuda. Ficou abaixo do nível de hedge que a gente fez ano passado e o real mesma coisa. Então isso ajuda muito e nos dá confiança de dar aquele guidance. Obviamente está começando muita coisa e tem muita água para rolar ainda, mas acreditamos que será um ano onde a inflação de custo vai ficar entre 6% e 9,9%. Ano passado previmos entre 16% e 19%, e ficou em 16,6%. No ano retrasado, salvo engano, foi entre 20% e 23%.

Então dará para ao menos recompor margem?

Lira: Olhando o longo prazo, o filme nos anima. É cada vez menos pressão de um lado e do outro o business foi ganhando embalo. De 2019 para 2020, o que aconteceu foi que o custo aumentou de maneira significativa muito rápido enquanto o business em termo de volume e receita não conseguia subir na mesma toada. E aí a margem comprime. Agora achamos que estamos chegando num momento em que o custo desacelera e, se a gente conseguir continuar embalado do lado da receita, tem a chance até de inverter isso. Vai depender de como a gente entrega o crescimento de volume e receita.

Os rótulos premium cresceram bastante, mais de 20%. É um ritmo muito parecido com seu principal concorrente, a Heineken. Como está essa briga com a Heineken e essa mudança de comportamento do consumidor? O que vocês estão fazendo para crescer nesse contexto?

Lira:  Na nossa visão, o Brasil sempre foi um mercado competitivo. Se você estratifica o market share por região, por canal ou por segmento de mercado,  você tem realidades diferentes. Então sempre vimos o país como competitivo. Mas, o segundo ponto, é que o Brasil, no que diz respeito a desenvolvimento de mercado, ainda está em amadurecimento, em desenvolvimento. É diferente do mercado dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, que são mais desenvolvidos. Isso é uma oportunidade que a gente enxerga e o concorrente também. No sentido de que, cada vez mais, os consumidores e as consumidoras brasileiros tendem a querer buscar marcas acima das marcas tradicionais, as mainstream. No nosso caso, Brahma, Skol e Antárctica. Vemos essa tendência há muitos anos. Em 2009 e 2010 começamos a apostar no premium e nos últimos quatro anos apostamos no core plus, com Brahma Duplo Malte e Spaten. Spaten está indo tão bem que está colando no premium. Então, a nossa visão é de que, cada vez mais, o premium e o core plus vão continuar ganhando peso e consequentemente as mainstream e econômicas perdem peso. Então o desafio que temos é ter marcas em cada segmento que atendem os diferentes tipos de consumidores e ocasiões de consumo. A gente aprendeu ao redor do mundo, com a ABI também, é que, quanto mais desenvolvido o mercado é, mais valor tem em se poder oferecer opções diferentes para o consumidor em vez de depender de uma marca só. A gente vê várias histórias de sucesso de quem consegue oferecer mais opções. Esse é o nosso desafio para não depender de uma marca só e continuar oferecendo as melhores opções. 

Mas qual vai ser papel de Skol, Brahma e Antárctica nesse cenário?

Lira: Continuam sendo muito relevantes, por mais que core plus e premium cresçam. O core [cervejas mais tradicionais do grupo] ainda vai ser muito importante e a gente vê isso na pandemia, quando o core foi muito resiliente. À medida em que os consumidores ficaram mais dentro de casa a gente viu um movimento de volta para as marcas mais conhecidas. A gente obviamente tem que trabalhar para que essas marcas continuem sendo relevantes, seja do ponto de vista de na proposta de valor, 'affordability' [acessibilidade], diferentes embalagens, etc. Uma coisa que fizemos, de 2020 para cá, foi aumentar a participação da nossa garrafa retornável de 300 ml. O Brasil historicamente tinha a garrafa de 600 ml, que era mais forte especialmente no bar. Lá pelos idos de 2009, a gente lançou o litrão, que era uma proposta de mais por menos. E aí lá entre 2012 e 2013, a gente lançou o litrinho, que é a garrafa de 300 ml com uma proposta de um desembolso menor. Da pandemia para cá, a gente conseguiu, e o próprio Zé tem ajudado, trazer a garrafa de 300 ml para a ocasião de consumo dentro de casa. Então essa é uma forma da gente manter as marcas presentes na vida dos consumidores. É diferente do passado. Não é necessariamente Brahma, Skol e Antárctica no bar. Agora, na mesa do bar tem 600 ml de Becks, de Stella, de Original e Spaten, que não existiam antes da pandemia. E as outras marcas em 300 ml para consumo em casa. 

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