Bolsa: entre 30 e 40 ofertas de ações no ano que vem (NurPhoto/Getty Images)
Em 2022, a euforia das companhias pela abertura de capital vista em 2020 e até agosto de 2021 deu lugar às incertezas do mercado de ações. Desde 1998, este foi o primeiro ano sem IPO - sigla em inglês para o nome técnico da coisa:oferta pública inicial. Agora, bancos de investimento e consultorias já começam a vislumbrar uma nova fila de interessados em ingressar na Bolsa de Valores brasileira, mas o movimento ainda vai ser tímido em 2023, acreditam os especialistas ouvidos pela Exame Invest. Além disso, os investidores estarão mais seletivos e de olho nas grandes operações.
Segundo eles, o mercado deve ter entre 30 e 40 ofertas de ações no ano que vem, considerando também as ofertas subsequentes (follow on) - que devem ser maioria -, e movimentar até R$ 80 bilhões. “A média das transações vai ser bem maior do que em 2021. Em 2022, foram R$ 50 bilhões em transações, mas os números ficaram distorcidos pela operação de Eletrobras, que movimentou R$ 33 bilhões”, diz Roderick Greenlees, diretor global do banco de investimentos do Itaú BBA. Considerando as projeções, seriam R$ 2 bilhões em média por operação.
Única remanescente das companhias que haviam registrado o prospecto de abertura na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para tentar uma janela de abertura ainda em 2022, a BRK Ambiental anunciou no último dia 20 que desistiu da listagem de ações, colocando uma pulga atrás da orelha de quem estava confiante com uma retomada mais acelerada das operações.
Antes dela, muitas outras desistiram, incluindo a rede de restaurantes curitibana Madero, do empresário Durski Junior, que havia tentado listagem de papéis no mercado americano em 2021 e depois buscado a bolsa brasileira. “Estamos prontos, mas não temos pressa”, diz o executivo.
Agora, no sistema da CVM resta apenas o prospecto da CTG Brasil, subsidiária brasileira da empresa de energia China Three Gorges International, que foi publicado no fim de novembro e cujo IPO é esperado para 2023. A expectativa de fontes do mercado é de que a operação levante R$ 4 bilhões.
“Eram, talvez, cem empresas no segundo semestre do ano passado [2021] que pretendiam vir a mercado e que não virão tão cedo. As condições macroeconômicas tanto no Brasil, quanto no mundo mudaram bastante”, acrescenta o executivo do Itaú. Algumas das candidatas que protocolaram seus prospectos na CVM podem ser “candidatas naturais” em 2023, mas Greenless afirma que nomes novos vão aparecer.
O fator decisivo para o sucesso da retomada das ofertas, em especial para quem quer estrear na bolsa, é o desempenho da taxa de juros. “Não é quem foi eleito, mas é muito mais a questão de como a taxa de juros tanto no Brasil quanto lá fora vai se comportar”, diz Greenlees, destacando que a equipe de macroeconomia do Itaú BBA revisou a projeção da Selic ao fim de 2023 de 11% para 12,5%, prevendo uma deterioração do ambiente fiscal. A última decisão do Copom manteve a taxa em 13,75%. Ou seja, mesmo com a expectativa de queda, essa desaceleração dos juros básicos pode levar mais tempo do que se previa anteriormente.
A aprovação da PEC da transição, que garantiu ao futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva os recursos fora do teto para financiar o Bolsa Família, deixa o mercado em compasso de espera. Embora a redução do prazo para apenas um ano tenha sido recebida como boa notícia, a possibilidade de deterioração do ambiente fiscal acende sinal de alerta. “Tendo uma expansão fiscal, se pressiona o banco central em termos de juros. Então o mercado hoje está querendo muito entender como é que vai ser a política econômica para frente”, argumenta Gustavo Miranda, responsável pela área de banco de investimentos do Santander.
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A projeção do executivo do Santander é de que mais da metade seja de ofertas subsequentes (follow on), ou seja, de quem já está na bolsa. “Os IPOs começando mais para o segundo semestre e em maior volume a depender como o mercado evolui”, diz Miranda.
A visão é compartilhada por Greenlees, do Itaú BBA. Ele explica que tem já companhias se preparando para fazer suas ofertas iniciais de ações, mas tudo dependerá das primeiras semanas de 2023. “Os follow on são muito mais fáceis porque você tem uma referência de tela. O trabalho é menor, porque a empresa já é listada em bolsa e ‘não precisa’ se apresentar aos investidores como acontece no IPO. Então é natural que os follows sejam mais ágeis.”
Com incertezas ainda pairando nos primeiros meses do ano e do novo governo, Alexandre Pierantoni, líder de finanças corporativas no Brasil da consultoria global Kroll, acredita que IPOs que saiam até o segundo trimestre serão muito pontuais, com a maior parte das operações esperando a melhor oportunidade. “Ainda tem incerteza de consumo no começo de ano. Não vejo que a janela estará aberta para todos. Vejo mais atividade no segundo semestre.”
A captação dos fundos de investimento locais é um dos fatores a se observar, mas as notícias, por enquanto, não animam. Fundos de ações e multimercados perderam R$ 68 bilhões e R$ 86 bilhões em aplicações no ano, respectivamente.
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O movimento na bolsa também mostra que o investidor local está mais cético. Considerando os números da B3 até 21 de dezembro, o investidor individual retirou R$ 1,17 bilhão do mercado secundário no ano. Já o fluxo do investidor institucional ficou negativo em R$ 136,21 bilhões. Na contramão, o investidor estrangeiro tinha saldo positivo em R$ 96,09 bilhões.
Miranda, do Santander, argumenta que há demanda pelos ativos brasileiros. De acordo com ele, os investidores estrangeiros estão vendo que o país está em melhores condições do que seus pares, com os múltiplos brasileiros atrativos. “Mesmo faturando temas de curva de juros, a bolsa está muito barata. Ela está dois desvios padrões em termos de múltiplos de lucro abaixo da média histórica. Se o mercado começa a se ajustar e andar, acho que vamos ver muitas ofertas subsequentes ocorrendo porque existem muitas oportunidades para se investir dinheiro no Brasil.”
A oferta subsequente da rede de atacarejo Assaí, na qual o grupo francês Casino vendeu uma fatia de sua participação, mostrou que "existe uma demanda reprimida", argumenta Greenlees. No total, a operçaão levantou R$ 2,7 bilhões, com desconto de 2%. Além dos investidores locais, grande parte de quem comprou os papéis foram investidores estrangeiros.
A visão é compartilhada por Pierantoni, da Kroll, que vê o investimento estrangeiro como alavanca também para o movimento de M&As [fusões e aquisições]. “O ambiente internacional deve continuar num passo atrás por causa do ambiente de recessão. Além da questão de ESG que ajuda o país a trazer recursos.”
Unanimidade entre os especialistas é de que os setores que vão liderar a retomada de operações serão os de infraestrutura, agronegócio, saneamento, energia renovável, farmacêutico e óleo e gás. “Um dos problemas um dos maiores problemas que nós tivemos com os IPOs passados é que eram operações pequenas, né? Algo de R$ 500 milhões a R$ 700 milhões. [Agora] Os investidores vão priorizar agora operações maiores, como o de empresas grandes geradoras de caixa”, argumenta Greenlees, do Itaú BBA.