Ciência

Quais os riscos de a covid-19 causar demência nos infectados

Com o aumento de casos de delírio que progridem para demência, saúde mundial tem outro problema à vista

Coronavírus: doença pode aumentar diretamente o número de casos de demência no mundo (Francine Orr / Colaborador/Getty Images)

Coronavírus: doença pode aumentar diretamente o número de casos de demência no mundo (Francine Orr / Colaborador/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 5 de dezembro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 19 de janeiro de 2021 às 12h40.

Ao longo dos meses, médicos, cientistas e demais pesquisadores foram encontrando cada vez mais sintomas e efeitos colaterais causados pelo novo coronavírus. Mais do que somente efeitos respiratórios, a doença também pode causar sérios problemas neurológicos nos infectados. Um deles é o delírio que, em quadros graves, pode evoluir para um caso de demência.

Um estudo realizado em abril deste ano na França mostrou que 65% das pessoas que tiveram quadros severos da covid-19 também tinham confusão severa --- sintoma de delírio.

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No mês passado, dados mostrados por cientistas americanos apontaram que 55% das 2.000 pessoas observadas pelo estudo que foram tratadas em Unidades Intensivas de Tratamento (UTIs) no mundo todo desenvolveram quadros de delírio. O quadro é menos comum em anos mais típicos. Em 2015, por exemplo, 1/3 das pessoas com quadros graves de uma doença chegavam a apresentar sintomas mentais.

Os casos de delírio quando alguém está infectado pela covid-19, então, são mais comuns do que em outras comorbidades --- o que preocupa os médicos. Na década passada, diversos estudos revelaram que apenas um episódio de delírio pode aumentar o risco de um quadro de demência ser desenvolvido mais para frente, e o declínio cognitivo de pessoas que já tinham a condição acontecia de forma mais rápida. Quem tem demência também corre mais riscos de desenvolver episódios de delírio. Um passo importante para a redução da incidência do delírio em até 40% é a presença de membros da família com os doentes --- algo difícil de se fazer em tempos de covid-19.

O desenvolvimento de delírios em ambientes hospitalares parece afetar diretamente os riscos de uma pessoa passar por perdas cognitivas maiores após a alta. Uma pesquisa brasileira, por exemplo, mostrou que em um grupo de 309 pessoas com uma idade média de 78 anos, 32% daqueles que desenvolveram delírio em hospitais viram o quadro progredir para uma demência quando saíram do período de internação, comparado com apenas 16% daqueles que não tiveram episódios.

Quando o assunto é o SARS-CoV-2, um estudo publicado no mês passado mostra que 28% de adultos com idades mais avançadas apresentam delírio quando chegam ao departamento de emergência de um hospital. A pandemia pode, então, levar a uma alta em casos de demência no mundo todo nas próximas décadas, ainda mais levando em conta que as populações mundiais estão cada vez mais ficando mais velhas. Anualmente, os Estados Unidos, por exemplo, gastam cerca de 152 bilhões de dólares em cuidados médicos para quadros de demência. O problema pode se tornar ainda mais sério nos próximos anos e, se não levar os sistemas de saúde a um colapso, podem chegar perto.

Como o coronavírus alcança o cérebro?

Analisando amostras de tecidos de quatro regiões diferentes do cérebro e da mucosa olfativa de 33 pacientes, com idade média de 72 anos, que morreram após contrair o SARS-CoV-2, cientistas da da Charité – Universitätsmedizin Berlin, na Alemanha, descobriram que todos os tecidos apresentaram evidências virais — sendo que a maior carga viral foi encontrada na mucosa olfativa. E é exatamente por meio dela que o vírus consegue alcançar o cérebro das pessoas. 

“Os dados apoiam a noção de que a covid-19 é capaz de usar a mucosa olfativa como uma porta de entrada para o cérebro. Uma vez dentro da mucosa, o vírus parece usar conexões da neuroanatomia, como o nervo olfativo, para chegar no cérebro”, afirmou Frank Heppner, professor e coautor do estudo. 

Helena Radbruch, professora e coautora do estudo, explica que o que os dados mostraram é que o vírus é capaz de se mover de célula nervosa para outra até conseguir chegar no órgão central do corpo humano. “É provável também que o vírus seja transportado por veias, uma vez que evidências dele foram encontradas nas paredes sanguíneas no cérebro”, disse ela. Outros vírus também devem usar o mesmo mecanismo, como a herpes e a raiva. 

Apesar disso, ainda não se sabe exatamente como o vírus se move de uma célula do sistema nervoso para outra. O próximo passo dos cientistas é, agora, entender como isso ocorre. 

Os cientistas também estudaram como o sistema imunológico responde às infecções por covid-19. Foram encontradas células imunes ativas no cérebro e na mucosa olfativa, sendo que, em alguns dos casos estudados, foram encontrados tecidos afetados por derrames causados pelo tromboembolismo venoso, que é a obstrução das veias sanguíneas por coágulos. Isso, segundo os pesquisadores, explica como os sintomas neurológicos do vírus acontecem. 

“Também encontramos o SARS-CoV-2 em áreas do cérebro que controlam funções vitais, como a respiração. Não podemos descartar que, em pacientes com quadros graves, a presença do vírus nessas áreas terão um impacto exacerbado na função respiratória, adicionando problemas de respiração diferentes daqueles causados no pulmão”, explica Heppner. 

Heppner nota que é importante “enfatizar que os pacientes envolvidos no estudo tiveram casos graves da doença”, pertencendo ao grupo no qual a covid-19 se torna fatal. “Não é necessariamente possível, então, transferir os mesmos resultados para casos leves ou moderados da doença”, afirmou ele. 

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