Sensação de frescor na produção é apoiada por vinhos excepcionais.
Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2017 às 08h11.
Última atualização em 30 de setembro de 2017 às 16h18.
Prayssac, França – Jean-Marie Sigaud, por volta de 1975, teve uma ideia brilhante.
Quando criança, Sigaud, cuja família cultiva uvas e faz vinho aqui na região de Cahors, no sudoeste da França, ouviu do pai como os melhores vinhos, aqueles que ganharam medalhas em feiras internacionais, historicamente eram cultivados no calcário das encostas íngremes das colinas.
As encostas ao longo de Cahors estavam abandonadas, cobertas de árvores. Os muros de pedra para o cultivo eram o único lembrete da presença dos vinhedos que existiam ali até serem devastados pelo pulgão phylloxera aphid na Europa do final do século XIX.
“Não vale o gasto. É íngreme demais e perigoso para trabalhar com tratores”, Sigaud se lembra de ter ouvido. Mas ele resolveu seguir em frente e investiu no cultivo do mesmo jeito. Plantou em 2005. Agora, como o patriarca da Métairie Grande du Théron, trabalhando com os filhos, Sébastien e Pierre, ele planeja plantar uvas em outra porção da encosta pedregosa.
Cahors não vê muita agitação há um bom tempo, talvez séculos. Na Idade Média, sua rival costeira Bordeaux impediu Cahors e outras regiões interiores de utilizar seus portos até que os vinhos Bordeaux fossem vendidos, impondo um grande obstáculo ao crescimento. Embora a qualidade dos vinhos fosse apreciada no século XIX, Cahors tem sido pouco mais do que um lugar esquecido, mais reconhecido pelo potencial do que valorizado por seus vinhos.
Mas uma nova era de esperança parece ter despertado a região. Projetos como o vinhedo da encosta de Sigaud, juntamente com interesse externo na área e uma geração mais jovem de produtores com bastante energia, injetou uma sensação de otimismo e frescor, apoiada por alguns vinhos excepcionais.
Esses produtores incluem pessoas como Julien Ilbert, de Château Combel-la-Serre, e Fabien Jouves, de Mas del Périé, que estão construindo uma imagem de Cahors como produtora de vinhos distintos, pesados e rústicos, mas com elegância e graça.
Há também outros produtores como Jérémie Illouz, que está fazendo vinhos naturais fáceis e adoráveis de se beber sob o rótulo Parlange & Illouz.
Também Pedro Parra, geólogo chileno, e Antonio Morescalchi, empresário toscano do vinho, que são parceiros no Altos Las Hormigas, produtor argentino que se dedica a vinhos de terroir da região de Mendoza, fizeram sociedade com três produtores em Cahors. Malbec é a principal uva vermelha de Mendoza e, embora a maioria das pessoas a associe com a Argentina, também é historicamente a uva vermelha de Cahors, onde era conhecida como côt ou auxerrois.
A conexão com a Malbec os atraiu a Cahors. Isso e o fato de que Parra é obcecado pelo calcário. Ele acredita profundamente que o mineral e a Malbec são uma combinação maravilhosa para fazer vinhos com um forte sentido de localização.
“Demoramos cinco anos para encontrar terra de pedra calcária na Argentina. Aqui, demorou cinco minutos”, ele me disse em uma visita recente a Cahors.
Os vinhedos em Cahors são plantados principalmente em uma série de terraços aluviais e com cascalho do rio Lot, ou no planalto (ou causse) acima do terraço, onde a rocha calcária é coberta apenas por uma fina camada de solo. As encostas de calcário, onde Parra acredita estar o melhor terroir de todos, seriam totalmente ignoradas, não fossem os vinhedos de Sigaud. Parra vê isso quase como sacrilégio.
Para Parra e Morescalchi, Cahors é uma região com possibilidades maravilhosas. Em sua análise, a região tem ignorado os recursos que podem tornar os vinhos mais distintos. Em vez disso, procurou desenvolver seu próprio modelo argentino, que tem alcançado grande sucesso com Malbecs maduros e frutados; ou o modelo Bordeaux, que, quando imitado por Cahors, rende um vinho de sucesso, com notas de carvalho, que pode às vezes ser interessante.
“Uma bipolaridade terrível”, afirmou Morescalchi.
Eles buscam parcerias com produtores de Cahors que procuram tornar os vinhos mais elegantes e que queiram trabalhar com terroirs melhores. Entre eles estão Château les Croisille, cuja propriedade tem vinhedos tanto nos terraços quanto no platô, Domaine du Prince, que tem vinhedos no planalto, e com a família Sigaud.
Todos estão fazendo vinhos em conjunto com Leonardo Erazo, o enólogo da Altos Las Hormigas. Cada um tem seu próprio rótulo: Causse du Vidot, de Croisille, Causse des Nos, de Prince, e Causse du Théron, dos Sigauds. A primeira vindima de cada rótulo foi em 2014.
Até agora, tudo parece muito bom. Os vinhos que provei são soberbos. Um Causse du Vidot 2014 dos terraços era leve e adorável, embora não tivesse grande profundidade. Mas outro Causse du Vidot 2014 do planalto era fresco e bem estruturado, com sabores terrosos de framboesa e uma mineralidade subjacente persistente, um vinho excelente.
O Causse des Ons 2014 do planalto era mais encorpado e mais tânico, não tão gracioso quanto o Vidot, mas poderosamente mineral. O melhor de todos foi o Causse du Théron En Pente2014, do vinhedo de encosta de Sigaud, um vinho cheio de tensão, com sabores densos de minerais entrelaçados com o frutado da framboesa, longo, profundo e intenso. Grand cru, de verdade.
“Nossos vinhos se tornaram mais elegantes, precisos e naturais. Encontramos sabores que nossos avós conheciam”, afirmou Sébastien Sigaud.
Enquanto o projeto é o sinal mais visível da evolução em Cahors, seria errado ignorar os jovens produtores da região, que são responsáveis por trazer mudanças com seus excelentes vinhos.
No vilarejo de Trespoux-Rassiels, Fabien Jouve’ Mas del Périé está fazendo vinhos soberbos de vários terroirs excelentes. Em vez de misturar as uvas de diferentes partes, como seu pai fazia e como tem sido o costume em Cahors, ele as vinifica separadamente, buscando graça ao invés de força.
“Mudei o estilo. Estava Bordelais demais. Minha filosofia é mais da Borgonha. Em vez de misturar tudo, quero mostrar os lados diferentes. Cahors é muito complexa”, declarou.
Sua primeira vindima foi em 2006, a qual ele não aprova. “Eu não sabia o que estava fazendo”, disse. Desde 2009, vem cultivando organicamente e, desde 2011, biodinamicamente.
“Quando comecei, o vinho era maior e mais doce. Com a biodinâmica, há muito mais tensão, precisão e salinidade”, pontuou.
O La Roque de Jouves 2014, de um vinhedo plantado em solo argiloso, é preciso, claro e salino, custando US$20. Seus dois melhores espaços são Les Acacias, com abundância de pedra calcária, que faz um vinho elegante e grave; e o bloco B763, uma rocha calcária fraturada, com muito ferro, o que torna o vinho suavemente mineral com muito requinte.
“Você tem que mostrar suas emoções, sua personalidade no vinho”, afirmou ele.
Nas proximidades, na vila de Saint-Vincent-Rive-d’Olt, Julien Ilbert de Château Combel-la-Serre faz apresentações descontraídas de Cahors, como com seu Le Pur Fruit du Causse 2015, que é envelhecido em aço inoxidável, e no entanto demonstra o caráter mineral subjacente da Malbec de Cahors. Ele também faz produtos excepcionais no calcário como Les Peyres Levades, preciso, fresco e distinto com sabores de mentol, ervas e minerais.
“Eu quero Cahors nos meus rótulos, não Malbec. Cahors é a região, o terroir, as pessoas. Não somos Malbec, não somos Argentina”, pontuou Ilbert.
Nenhum outro plano surgiu para cultivar vinhedos nas encostas. O custo da limpeza de árvores e das encostas íngremes pode ser grande demais. Mas os vinhos que estão saindo de Cahors são tão saborosos e têm valores tão bons que alguém rapidamente vai se inspirar e fazer o investimento.
Olhando para o vinhedo de Sigaud, Parra disse: “Há muitos lugares em Cahors como este, mas é para o futuro, para a próxima geração”.