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Gastronomia de Washington se contrasta com política indigesta

A capital tem uma cena gastronômica formada por competidores menos vistosos, que juntos elevam a cidade à liderança do campeonato

Washington DC: política e gastronomia (Win McNamee/Getty Images)

Washington DC: política e gastronomia (Win McNamee/Getty Images)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 21 de dezembro de 2019 às 07h00.

Última atualização em 21 de dezembro de 2019 às 08h00.

Em uma era de polarização extrema, não surpreende que uma das maiores polêmicas culinárias do ano tenha surgido em Washington. Em janeiro, a paralisação orçamentária do governo americano afetou o bufê da Casa Branca, mas o presidente Donald Trump recebeu o time campeão da liga universitária de futebol americano Clemson Tigers com US$ 3.000 em lanches do McDonald’s, Wendy’s e Burger King servidos em travessas de prata.

Não foi por falta de opção: Washington, apesar de tudo o que se ouve por aí, é o destino gastronômico mais empolgante dos EUA.

A capital nacional não é a escolha óbvia para um elogio desses. Los Angeles se tornou o destino badalado, recebendo chefs de renome como Gabriela Cámara, David Chang e Enrique Olvera, que abriram ou estão planejando novos conceitos na metrópole da Califórnia. Oportunidades proporcionadas por empresas de mídia como a Netflix — que produz séries como Ugly Delicious e Chef’s Table — tornaram Hollywood atraente para a imprensa especializada em um momento em que as revistas tradicionais de gastronomia caminham para a extinção.

O ano foi difícil para outra candidata de sempre: Nova York. Por lá, entrou em vigor o salário mínimo de US$ 15 por hora e os aluguéis seguem proibitivos. As maiores inaugurações de restaurantes na cidade em 2019 foram em um shopping center, o Hudson Yards, ou são reedições de velhos favoritos como o Pastis.

Já Washington tem uma cena gastronômica formada por competidores menos vistosos, que juntos elevam a cidade à liderança do campeonato.

Chefs como Jean-Louis Palladin, que servia os figurões do governo Ronald Reagan, e Nora Pouillon, precursora da onda orgânica, tornaram a cidade atraente já na década de 1980. Eles prepararam o terreno para gente como José Andrés, que ajudou a apresentar os tapas aos americanos e se tornou ativista de alimentação em áreas de desastre. Os ingredientes típicos da região de Washington também são generosos, especialmente os queijos da Virgínia, as ostras de Rappahannock e os caranguejos de Maryland.

Estes são alguns outros motivos para o sucesso da capital americana:

Tamanho certo

Os restaurantes nunca ficam a uma distância maior do que 20 minutos de carro. A região à beira d’água de Wharf, um projeto de US$ 2 bilhões, atraiu chefs de grande prestígio como Fabio Trabocchi, do Del Mar, e Cathal Armstrong, do Filipino Kaliwa.

Público apreciador

A cidade tem um percentual elevado de famílias em que os dois adultos têm renda e escolaridade elevada, gostam de comer fora e se destacam pelo paladar apurado.

Incubadora de conceitos

Alguns dos mais importantes restaurantes informais do país — Five Guys, Cava, &pizza e Sweetgree — tiveram origem em Washington. Isso graças à elevada parcela de jovens profissionais (a idade mediana dos habitantes da cidade é 34 anos, a segunda menor dos EUA) e aos custos acessíveis para abrir um negócio. Na nova geração estão o indiano Spice 6, o Taco Bamba e o Falafel (que vende sanduíches por US$ 3 e doa uma parcela do valor de cada pedido a refugiados, sob uma parceria com o Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas).

Ênfase em preços acessíveis

O menu degustação de um dos melhores restaurantes da cidade, o Komi, citado no guia Michelin e um dos preferidos do ex-presidente Barack Obama, custa US$ 165. Até os restaurantes mais caros parecem razoáveis na comparação com rivais de São Francisco, onde os menus degustação custam algumas centenas de dólares.

Opções globais

Washington é uma das cidades com maior diversidade nos EUA, onde vivem pessoas de mais de 170 nacionalidades e grupos étnicos. É com folga o melhor lugar do país para provar a culinária das Filipinas e tem diversos restaurantes de comida da Etiópia, notadamente o Zenebech.

Mentalidade comunitária

A capital serve de ponto de encontro para chefs e estabelecimentos de perfil ativista. O restaurante Immigrant Food, a um quarteirão da Casa Branca, mistura especialidades de vários países no mesmo prato, como lentilhas da Etiópia e bife preparado ao estilo de El Salvador. Quando não está aberto ao público, o Immigrant Food cede espaço para aulas de inglês e qualificação profissional para imigrantes.

Washington é a base do mais famoso chef ativista do planeta, José Andrés, atuante em áreas de desastre, mas também localmente. Sua organização sem fins lucrativos, chamada World Central Kitchen, serviu mais de 100.000 refeições a funcionários públicos e seus familiares durante os 35 dias em que o governo foi paralisado por causa de um impasse orçamentário.

“Agora eu posso ir onde precisam de mim”, diz ele.

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