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Entenda a nova era do Brunello di Montalcino

A Argiano faz parte de uma geração de produtores de vinho que buscam equilíbrio entre a tradição e a transformação do mercado

Argiano, na Toscana: nova geração em movimento (Argiano/Divulgação)

Argiano, na Toscana: nova geração em movimento (Argiano/Divulgação)

Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 07h00.

Última atualização em 11 de dezembro de 2025 às 07h35.

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Poucos vinhos no mundo carregam um peso histórico tão grande quanto o Brunello di Montalcino. Nascido na segunda metade do século 19 pelas mãos da família Biondi-Santi, na Toscana, o Brunello surgiu como um projeto claro de vinho de prestígio, longevidade e identidade territorial.

A ideia era simples e, ao mesmo tempo, revolucionária para a época: isolar uma seleção especial da Sangiovese local, vinificar com rigor extremo e criar um tinto capaz de atravessar décadas em garrafa. Nascia ali não apenas um vinho, mas um conceito de tempo, paciência e valor.

A “receita” original era marcada por colheitas tardias, fermentações longas, extração firme e estágios prolongados em grandes tonéis de carvalho. O resultado eram vinhos austeros, de taninos marcantes, acidez elevada e uma curva de evolução que exigia anos, às vezes décadas, para atingir seu auge. Durante muito tempo, Brunello foi sinônimo de espera. E isso ajudou a moldar sua aura de exclusividade.

Tradição que virou sistema

Com o passar das décadas, Montalcino se organizou, cresceu e ganhou relevância internacional. A denominação oficial, criada em 1966, consolidou regras rígidas como: uso exclusivo de Sangiovese, longos períodos mínimos de envelhecimento, delimitação clara de território.

E esse modelo funcionou. O Brunello virou um símbolo global de vinho italiano de alta gama, com preços que acompanharam sua fama. Mas o mesmo sistema que construiu o mito também passou a conviver com tensões. De um lado, a tradição. De outro, um mercado global em transformação, com novos consumidores, novas referências de estilo e uma busca crescente por vinhos mais acessíveis em sua juventude.

Uma nova geração em movimento

É nesse contexto que surge uma nova geração de produtores em Montalcino. Nomes como Cerbaiona, Stella di Campalto, Ciacci Piccolomini, Le Chiuse, Castello Romitorio e Argiano representam bem esse movimento.

A base continua sendo a Sangiovese, o território permanece no centro da identidade, mas o caminho da vinificação mudou. A extração passou a ser mais delicada. As macerações, mais curtas. O uso da madeira, mais criterioso. A leitura de terroir ganhou protagonismo. O foco saiu da potência pura e migrou para a precisão.

O objetivo agora é construir Brunellos que expressem solo, altitude, exposição e clima com mais clareza, e que entreguem prazer mais cedo, sem abrir mão da capacidade de envelhecimento.

Entre a tipicidade e a nova linguagem

Essa mudança de estilo naturalmente trouxe debates. Alguns vinhos fogem da tipicidade clássica que moldou a imagem do Brunello por décadas. Outros, no entanto, acertam um equilíbrio raro. Conseguem preservar a energia vibrante da Sangiovese, a acidez, o caráter terroso e a estrutura de guarda, mas entregam tudo isso em uma leitura mais acessível na juventude.

São esses vinhos que vêm conquistando uma nova geração de consumidores ao redor do mundo. O efeito disso é direto no mercado. Brunellos que antes exigiam longos anos de adega agora aparecem mais cedo nas cartas de restaurante e nas compras do consumidor interessado. Isso impacta preço, giro, posicionamento e comunicação.

A Argiano como retrato da virada

Dentro desse novo cenário, a Argiano talvez seja um dos casos mais emblemáticos de transformação recente em Montalcino. Desde a safra de 2018, a vinícola passou a ter a assinatura integral do enólogo Bernardino Sani. O impacto dessa autonomia técnica é visível no perfil dos vinhos. Há uma mudança clara de leitura de terroir, de construção de taninos, de precisão aromática e de frescor.

Não por acaso, a safra 2018 marcou uma virada de posicionamento no mercado. A Argiano passou a figurar com mais regularidade entre os grandes Brunellos da região. O preço acompanhou esse movimento. O reconhecimento veio rápido, tanto da crítica quanto do mercado em geral.

Em uma conversa recente com Margherita Mascagni, diretora comercial da Argiano, pude provar lado a lado os Brunellos 2020 e 2021 da casa. Uma degustação didática que ajuda a entender não apenas a filosofia atual da vinícola, mas também o momento climático e estilístico de Montalcino.

A safra 2021 ainda não está disponível nem na Itália e foi apresentada oficialmente no Benvenuto Brunello. A partir de fevereiro, estará no mercado brasileiro, pela importadora Aurora / Inovini, a partir de 1.200 reais a garrafa.

Desde já, esse vinho desponta como uma das grandes safras da região. O vinho combina frescor vibrante, austeridade bem desenhada e uma concentração de fruta que define os grandes Brunellos.

Há tensão, precisão e um desenho de taninos que aponta claramente para uma longa vida. A safra 2020, mais quente, mostra outro perfil. Taninos extremamente polidos, fruta madura, textura macia e uma prontidão de consumo evidente. É um Brunello que conversa de forma direta com o consumidor contemporâneo, aquele que busca um grande vinho, mas não necessariamente quer esperar dez ou quinze anos para abri-lo.

Clima, safras e decisões de estilo

Essas duas safras lado a lado também ajudam a ilustrar o peso crescente das decisões de vinificação em um contexto de mudanças climáticas. Anos mais quentes exigem ainda mais precisão na colheita, no manejo do vinhedo e na extração.

Anos mais frescos permitem construir vinhos mais tensos, verticais e longevos. O desafio do produtor hoje não é apenas interpretar o terroir, mas também reagir com inteligência ao clima de cada ano.

O mercado de vinhos mudou profundamente na última década. O consumidor busca mais informação, mais diversidade, mais experiências. Há menos apego automático a rótulos históricos e mais abertura para novos estilos, desde que tenham identidade. Ao mesmo tempo, há uma pressão por preços mais racionais dentro do segmento premium. Nesse contexto, o Brunello enfrenta um dilema clássico: como manter sua identidade de vinho de longa guarda e, ao mesmo tempo, dialogar com um público que quer degustar melhor agora. A resposta de parte da região tem sido essa nova leitura de elegância, frescor e taninos mais refinados.

Tradição não é imobilidade

É um erro comum tratar tradição como sinônimo de imobilidade. A própria história do Brunello nasceu de uma ruptura. Biondi-Santi rompeu com o padrão de sua época para criar algo novo. O que a nova geração faz agora, em muitos casos, é exatamente isso. Atualiza a linguagem sem romper com a essência.

O risco existe, claro. Há vinhos que perdem identidade no caminho. Mas há outros que conseguem algo raro: ser profundamente modernos sem deixar de ser inconfundivelmente Brunello.

Essa transição também tem reflexos claros no negócio. Vinhos mais acessíveis em sua juventude giram mais rápido. Entram antes em restaurantes. Aparecem mais cedo em degustações. Criam uma relação mais dinâmica com o consumidor.

Para importadores, distribuidores e lojistas, isso muda completamente a estratégia de portfólio e de comunicação. O Brunello deixa de ser apenas um vinho de ocasião solene e passa a disputar espaço com outros grandes tintos do mundo em momentos mais variados de consumo.

Um futuro de equilíbrio

O grande desafio de Montalcino, daqui para frente, é encontrar esse ponto de equilíbrio entre passado e futuro. Preservar a identidade da Sangiovese, do solo, do clima e da longevidade, mas sem fechar os olhos para a transformação do mercado e do paladar.

Os exemplos estão aí. Argiano, ao lado de outros produtores da nova geração, mostra que é possível reinterpretar o Brunello sem descaracterizá-lo. Pelo contrário. Em muitos casos, a leitura mais precisa do terroir torna o vinho ainda mais fiel à sua origem.

Falar em nova era do Brunello di Montalcino não significa negar sua história. Significa reconhecer que a tradição continua viva exatamente porque evolui. O Brunello que marcou o século 20 ensinou o mundo a respeitar o tempo. O Brunello do século 21 começa a ensinar também sobre equilíbrio, frescor, precisão e diálogo com o presente.

E, como sempre acontece com os grandes vinhos, quem ganha é o consumidor. Hoje ele pode escolher entre a austeridade clássica e a elegância contemporânea, entre a garrafa para abrir daqui a 20 anos e aquela que já brilha na taça agora.

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