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Conheça o movimento do vinho natural da Austrália

Other Right é apenas uma das muitas produtoras que fazem parte de uma próspera contracultura de vinhos na Austrália

Abel Gibson, da Ruggabellus Wines, localizada no Eden Valley, sul da Austrália: (Randy Larcombe/The New York Times)

Abel Gibson, da Ruggabellus Wines, localizada no Eden Valley, sul da Austrália: (Randy Larcombe/The New York Times)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h00.

Última atualização em 25 de abril de 2019 às 05h00.

Durante o dia, Alex Schulkin estuda tópicos da química do vinho, como a textura, para o Instituto Australiano de Pesquisa do Vinho, que é apoiado por grandes vinicultores e produtores da bebida.

Quando sai do trabalho, Schulkin vai a um armazém simples nos arredores desta pequena cidade em Adelaide Hills. Lá, ele e sua esposa, Galit Shachaf, fazem vinhos suaves e adoráveis sob o rótulo Other Right, que ganham vida no copo, livres de aditivos, manipulações e outras armadilhas da vinificação convencional que ele estuda.

A Other Right é apenas uma das muitas produtoras que fazem parte de uma próspera contracultura de vinhos na Austrália, agrupada aqui na região de Adelaide Hills, mas que se estende por muitas outras áreas vinícolas do país.

Essa contracultura não é um grupo único de enólogos que visa a um objetivo, mas um espectro que comporta graus diferentes de rebeldia contra os padrões australianos estabelecidos na década de 1990. O que eles têm em comum é a miríade de belos vinhos que produzem.

De um lado estão aqueles que abraçam interpretações extremas do vinho natural, produtores como Anton van Klopper (do rótulo Lucy Margaux), James Erskine (Jauma) e Travis Tausend em Adelaide Hills, Tom Shobbrook em Barossa e Sam Vinciullo em Margaret River.

Do outro lado estão os produtores subversivos, mas flexíveis, que rejeitam ser chamados de enólogos naturais, quer porque não gostam das conotações do termo, quer porque não correspondem à sua definição pessoal do gênero. Eles incluem La Violetta e Brave New Wine em Denmark, Blind Corner e Si Vintners em Margaret River, e Gentle Folk e Ochota Barrels em Adelaide Hills.

E há aqueles de outros locais, como Abel Gibson e Emma Epstein de Ruggabellus, em Barossa, que fazem vinhos complexos e desafiadores, mas belos, que mostram a influência de Radikon e de Gravner, mestres de estilos antigos renascidos como modernos na região de Friuli-Venezia Giulia, no nordeste da Itália.

Esses não são produtores que fazem experimentações com estilos mais rústicos. Eles se destacam neles, mostrando pouca tolerância com os vinicultores descuidados que aceitam falhas ou com os pretensiosos que valorizam a teoria sobre a prática.

Embora sendo pouco mais que um nicho na cultura vinícola do país, os enólogos naturais da Austrália, como os produtores naturais em todo o mundo, têm uma grande influência, que vai muito além de seus números.

Com sua ênfase na produção minimalista e na agricultura orgânica ou biodinâmica, esses produtores involuntariamente se tornaram uma espécie de consciência para a indústria, uma voz na cabeça dos apreciadores de vinho em todos os lugares, fazendo perguntas que vão desde o gosto até as questões de saúde, moralidade e filosofia, tudo ao mesmo tempo que fazem um vinho que varia de delicioso a profundo.

Poucos debates sobre o vinho durante os últimos 15 anos são mais acirrados ou apaixonados que os argumentos sobre o significado e a importância do vinho natural. De um grupo pequeno e desorganizado de produtores na França, seus números se espalharam por todos os cantos do mundo.

Mesmo assim, o "vinho natural" permanece indefinido e sujeito a controvérsias, especialmente entre os produtores. Acima de tudo, é um ideal, um desejo de cultivar com respeito pela natureza e pelas tradições centenárias, e de fazer um produto com a menor intervenção possível – sem levedura ou bactérias adicionadas para a fermentação, sem acidez ou taninos além dos existentes nas uvas, e nada para melhorar ou alterar a textura, o sabor, o aroma ou a cor.

Abel Gibson e Emma Epstein na Ruggabellus Wines, no Eden Valley, sul da Australia

Abel Gibson e Emma Epstein na Ruggabellus Wines, no Eden Valley, sul da Australia (Randy Larcombe)

A questão mais controversa é se pequenas quantidades de dióxido de enxofre, uma espécie de antioxidante e conservante, devem ser usadas.

Alguns produtores optam por um pouco de dióxido de enxofre antes do engarrafamento para evitar riscos, aceitando a alteração nos aromas e sabores. Outros, não – preferem aromas e sabores vibrantes e imediatos que podem existir sem os sulfitos.

Em vez disso, procuram a estabilidade por meio da higiene e da vinificação meticulosa, da atenção aos detalhes e da manutenção do pH do vinho baixo o suficiente para desencorajar o desenvolvimento de micróbios indesejados.

Schulkin prefere não usar dióxido de enxofre, mas não é intransigente. "Não nos importamos com a vida em nossas garrafas, mas não gostamos de atividade, por isso preferimos o pH baixo. A ideia não é evitar riscos, mas gerenciá-los."

Sam Vinciullo, que faz o vinho na região do Rio Margaret, na Austrália Ocidental, não é tão tolerante. Ele é definitivamente contra o enxofre.

Ao contrário de Schulkin e de alguns outros enólogos naturais que compram uvas porque não podem ter seus próprios vinhedos, Vinciullo essencialmente investiu tudo no leasing de um antigo vinhedo e de seu equipamento de vinificação. Ele prefere se encarregar de todo o cultivo a permitir que outros o façam.

No entanto, produz vinhos deliciosos e não convencionais, como seu Warner Glen White/Red 2018, 75 por cento Sauvignon Blanc e 25 por cento Shiraz, que é fresco, puro e texturizado, como morder uma fruta fresca. Ele diz que os enólogos que trabalham naturalmente devem ser meticulosos e pacientes. Muitas vezes, buscando retorno sobre o investimento, os produtores têm pressa em engarrafar a bebida e vendê-la.

"É como o queijo feito de leite cru. Tenha paciência e conseguirá algo puro, vivo", disse ele.

Mas Vinciullo não tem muito tempo para os que não compartilham sua militância. Ele desconfia de enólogos que dizem trabalhar organicamente, mas que acrescentam "apenas um pouco de enxofre", e se recusa a vender vinho para as pessoas que, para ele, não entendem o que está tentando fazer. Ele precisa lidar com as exigências que sua situação demanda.

"Toda vez que pulverizo o vinhedo com enxofre, morro um pouco por dentro", disse ele.

Taras Ochota, em Adelaide Hills, inspirou uma série de produtores locais que trabalham com o vinho natural, incluindo a Basket Range Wine e a Commune of Buttons, mas não quer ser chamado de produtor de vinho natural. "É meio chato, na verdade", afirmou.

Ele cultiva organicamente, e consegue fazer vinhos suculentos e deliciosos que se desenvolvem ao longo do tempo. Mas gosta de usar um pouco de dióxido de enxofre.

Ochota adora a acidez do vinho, que dá vida à bebida, mas não é fã de gêneros populares entre os produtores de vinho natural, como o pétillant naturel, e nem de atitudes rígidas.

Vinhos feitos pela Sam Vinciullo no Margaret River, região da Australia,

Vinhos feitos pela Sam Vinciullo no Margaret River, região da Australia, (Frances Andrijich)

"O esnobismo vem mais dos enólogos naturais linha-dura, que pensam que qualquer coisa com dióxido de enxofre é lixo. A velha ordem é um pouco mais compreensiva e curiosa."

Os australianos mais jovens são atraídos por vinhos naturais mais pela aura de informalidade e despretensão.

Jasper Button cresceu em Adelaide Hills, em uma espécie de comunidade. Vários casais lá, incluindo seus pais, plantaram um vinhedo no início da década de 1990. Em 2010, o mercado para suas uvas estava morrendo, mas Button foi capaz de vender para produtores como Ochota, o que lhe permitiu manter a vinícola e fazer vinho. Seu rótulo, Commune of Buttons, agora produz vinhos suculentos, descontraídos e energéticos.

Em Denmark, no extremo sudoeste da Austrália, Andrew Hoadley, da La Violetta, faz alguns vinhos maravilhosos. Ele evita o termo "vinho natural" porque acha que é divisivo e porque prefere usar pequenas quantidades de dióxido de enxofre.

Ainda assim, ele personifica o ideal rebelde. Tendo trabalhado em vinícolas corporativas da Austrália, ele viu em primeira mão como o aspecto frutado era valorizado em detrimento da complexidade saborosa nos vinhos tintos, e como os brancos eram feitos usando métodos cautelosos que evitavam riscos a todo custo.

Em seus próprios brancos, preferiu a abordagem oposta. Ele fermenta seu riesling nos barris e não em tanques de aço, e não filtra nem afila o vinho.

"Quando comecei, era uma coisa radical não refinar ou filtrar um riesling. Não proteger o vinho em cada passo do processo era considerado impensável."

Seu riesling 2017 é adorável, ricamente texturizado, um dos melhores rieslings australianos que provei, cheio de sabores indescritíveis a perseguir. Ele o chama de "Das Sakrileg".

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