PLAY: O dia que Sartre disse ‘não’ ao Nobel
Exatamente em 22 de outubro, no ano de 1964, o escritor francês foi o primeiro a negar a mais relevante premiação do mundo
Bússola
Publicado em 22 de outubro de 2022 às 17h22.
Por Danilo Vicente*
Este mês de outubro marca a entrega do mais importante prêmio do planeta, o Nobel. São 121 anos de premiação. Em 2022, o da categoria mais esperada, o Nobel da Paz, foi para o defensor dos direitos humanos Ales Bialiatski, de Belarus, e as organizações Memorial, da Rússia, e Center for Civil Liberties, da Ucrânia.
As demais categorias – Economia, Química, Física, Medicina e Literatura – saíram para 11 pessoas.
Outubro marca o anúncio dos vencedores neste ano, mas também a mais escandalosa recusa. Exatamente neste 22 de outubro, no ano de 1964, o escritor francês Jean-Paul Sartre disse “não” ao Nobel de Literatura. O motivo alegado por ele foi que recusava todas as honrarias oficiais. Nada contra o Nobel, mas, sim, contra premiações.
Em 2014, soube-se que o caso poderia ter sido evitado pela Academia Real de Ciências Sueca (que escolhe o premiado). Somente após 50 anos da premiação a instituição libera documentos sobre as escolhas.
O jornal sueco Svenska Dagbladet foi atrás e descobriu que Sartre, sabendo que estava entre os indicados, enviou uma carta à Academia, alertando sobre o “não” à possível vitória. No entanto, a correspondência só chegou às mãos dos acadêmicos dias depois da escolha.
“Ainda que seja sempre presunçoso falar de um voto antes que este ocorra, tomo a liberdade de escrever-lhe para evitar um mal-entendido: por razões estritamente pessoais, não desejo figurar na lista dos possíveis agraciados. Sem que isso signifique questionar a alta estima que tenho pela Academia Sueca e pelo prêmio que ela concede, não posso e nem quero neste ano e nem no futuro aceitar o prêmio Nobel”, escreveu o autor de A Náusea na carta à Academia.
Houve um segundo vencedor que negou a premiação. O político Le Duc Tho, ganhador do Nobel da Paz em 1973, junto com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, argumentou que a então situação de seu país, o Vietnã ainda em guerra, não permitia receber um prêmio originado por um cessar-fogo. A guerra do Vietnã continuaria por um ano após a premiação, motivada por um documento que na prática não era respeitado.
Ainda houve quatro vencedores que foram forçados por seus governos a recusar o Nobel. Adolf Hitler proibiu três alemães - Richard Kuhn, Adolf Butenandt e Gerhard Domagk - de aceitá-lo - todos receberam o diploma e a medalha, mas não o dinheiro (cerca de US$ 1 milhão, geralmente).
O soviético Boris Pasternak, Nobel de Literatura em 1958, aceitou inicialmente o prémio, mas depois foi coagido pelas autoridades da União Soviética a recusar. Época da Guerra Fria a todo vapor.
Desde o primeiro laureado, em 1901, as 615 premiações foram a 989 pessoas e organizações. Com alguns recebendo o Nobel mais de uma vez, são 954 indivíduos e 27 organizações.
Dos quase 1000 que venceram, dois disseram “não” sem um governo forçando a barra. A recusa de Sartre ainda é a mais emblemática por ter sido a primeira. Se acertou ou errou, cada um julga como prefere. Fato é que 58 anos se passaram e a história de Sartre e do Prêmio Nobel continuam icônicos.
*Danilo Vicente é sócio-diretor da Loures Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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