NFT e case ucraniano: como a tecnologia pode inspirar a educação no Brasil
A ampliação no emprego dessa tecnologia trará ainda mais benefícios utilitários e estratégicos para o setor
Bússola
Publicado em 19 de abril de 2022 às 17h30.
Por André Dratovsky *
Ao celebrar seus 75 anos de fundação no final do ano passado, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) iniciou, em janeiro deste ano, a venda de uma coleção de mil tokens não fungíveis (NFTs) na plataforma Ethereum. O valor da venda delas, criada pelo artista digital e cientista de dados, Nadieh Bremer, tem um destino certo: promover o acesso à internet para alunos em escolas em todo o mundo, além de financiar outros projetos do órgão da ONU. Contudo, esse é só um exemplo de como as NFTs podem contribuir para potencializar a educação.
Se você não está familiarizado com a sigla, NFT, não tem problema, a maioria das pessoas ainda não está. É uma tecnologia relativamente nova na praça e no setor educacional. Por isso, ao entrar na seara do aprendizado, nada mais justo do que explicar o que são esses ativos digitais, e como eles incorporam uma série de benefícios à educação.
As NFTs ganharam destaque na imprensa, em empresas e entre profissionais de inúmeras áreas por causa do alto valor aplicado em algumas artes digitais. A título de curiosidade, a obra The Merge, do artista Pak, tem uma valorização atual, em março de 2021, de US$ 91 milhões (R$ 434 milhões). Esta NFT, com fundo preto com uma grande bola branca no centro, é, atualmente, a obra de arte mais cara de um artista vivo.
Do ponto de vista mais técnico, seguindo a trilha de livros e artigos de Tatiana Revoredo, especialista e estrategista de blockchain, respectivamente, pelo MIT e Universidade de Oxford, NFT é a abreviação em inglês de Non Fungible Tokens. Para não complicar o que já é complexo, vamos por partes.
Primeiro, não fungibilidade representa algo que não pode ser substituído, seja em quantidade ou qualidade. Diferente do dinheiro, por exemplo, que é um bem fungível e que pode ser trocado por outro dinheiro, cada NFT é um arquivo digital único, tendo seu valor singular.
Você pode até dar um print screen na tela do seu computador ao ver uma NFT — uma arte digital que tem um valor milionário, por exemplo —, porém essa cópia não tem valor algum, uma vez que a peça original de NTF carrega em si um código — um token, que explicaremos mais à frente.
Para exemplificar o que são as NFTs, pense que você tem um objeto físico de grande estima e que seria possível digitalizar essa peça sem que artefato original perdesse seu valor. Assim, por mais que possam ser parecidos, você teria dois objetos únicos, um físico e outro virtual. Desse modo, no universo das NFTs, tudo pode ser digital ou digitalizado, ou melhor, “tokenizado” — e aqui entra a segunda parte da nossa explicação.
Tokens nada mais são que representações de arquivos digitais. Contudo, essas representações recebem uma criptografia, um protocolo único em formato de números e/ou símbolos. A maioria de nós reconhece o uso de tokens nos aplicativos de bancos e e-mails, a fim de reforçar a segurança e a privacidade dos nossos dados e acessos. Isso pode ser feito de maneira preventiva (“enviamos um código para o seu e-mail”) ou como sinal de alerta (“alguém acessou a sua conta. Enviamos um código para o seu celular para confirmar a identidade”).
Neste sentido, cada dono de NFT tem consigo um token (um código simbólico e numeral) que representa aquele arquivo digital. Em outras palavras, ao comprar uma NFT você recebe um código (token) que atesta que aquela obra é de sua propriedade. Esse código nada mais é que uma certificação digital registrada num banco de dados global extremamente seguro (uma plataforma blockchain, como a Ethereum).
Na prática, é possível utilizar tokens para representar praticamente tudo, desde um simples lápis, contrato, fotografia, logo, avatar, até uma obra de arte digital. Ou seja, é possível que num futuro muito próximo a gente possa ver a tokenização de tudo.
NFTs na educação — uma ponte em construção
Imagine a seguinte situação: você é um professor (a) e dedica mais horas do que deveria no seu dia a dia. No final do ciclo anual, como recompensa pelo seu esforço, você ganha uma NFT. Essa já é a realidade para professores da Preply, uma edtech ucraniana que conta com 140 mil tutores ensinando 50 idiomas em 203 países.
Os professores podem fazer especulações financeiras, guardando ou vendendo as suas NFTs para terceiros. O próximo passo da edtech será utilizar NFTs como recompensa para alunos e professores que ganham destaque na jornada de aprendizado e ensino. De forma semelhante, em fevereiro deste ano, a Seton Hall University premiou seus ex-alunos com NFTs na cerimônia Entrepreneur Hall of Fame.
Agora imagine outra situação em que, você, é um empregador. Em sua caixa de e-mail, existe um currículo para ser avaliado e, muito provavelmente, esse candidato pode, quiçá, preencher uma vaga na sua empresa. Como saber se a pessoa realmente concluiu os cursos que descreveu no documento? Pedir e verificar cada um dos diplomas seria um trabalho enfadonho para você e o candidato.
Contudo, e se os diplomas fossem tokenizados em formato NFT? Nesse contexto, vale ressaltar que a decisão de monetizar uma NTF é exclusiva do seu dono, ou combinada entre o proprietário e terceiros. Assim, em essência, o valor de um token não precisa ser financeiro, destinado para uma relação comercial de compra e venda, por exemplo.
Esse conceito foi utilizado no uso de diploma em formato NFT, implementado pelo educador da Pepperdine University, Beau Brennan, em seu curso de finanças pessoais.
O objetivo do documento “tokenizado”, é o de provar que o aluno foi formado no curso, contendo na NFT os detalhes do desempenho do estudante e informações sobre a capacitação.
Uma proposta semelhante foi colocada em prática na histórica Universidade de Duke (EUA), que passou a emitir NFTs como credenciais educacionais no mestrado de engenharia em tecnologia financeira, evitando, assim, qualquer tipo de fraude com diplomas.
O uso de NFT de certificações traz vantagens para o mercado de trabalho, aos estudantes e professores, tendo em vista que todos os diplomas, o histórico escolar e até mesmo as microcredenciais de cursos técnicos, livres e de disciplinas específicas, podem ser registradas numa carteira digital. Como dono dessas informações, o aluno pode guardar ou compartilhar seus dados, de acordo com o seu interesse ou mediante a uma solicitação prévia de um empregador ou centro de ensino.
Para os professores, universidades e edtechs, os materiais didáticos, como livros, ementas, cursos adicionais, e outros recursos, como banco de horas, podem ser tokenizados. Os centros de ensino podem utilizar tokens para que estudantes tenham acesso a crédito estudantil, para financiar pesquisas, garantir um desconto em cursos e em programas de mentoria.
Em síntese, é ainda incipiente o uso de NFTs no setor educacional, mas, sem dúvida, a ampliação no emprego dessa tecnologia trará ainda mais benefícios utilitários e estratégicos aos programas tradicionais de universidades. Se temos um longo caminho a percorrer no Brasil? Sim, temos. Mas, se até pouco tempo atrás era impensável chamar um serviço de táxi e entrar em um carro de um desconhecido, pedir comida por apps, investir em criptos, pensar em open education e na tokenização da educação é questão de tempo.
*André Dratovsky é CEO e fundador da Elleve, fintech educacional de fomento e impulsionamento de carreiras
Siga a Bússola nas redes:Instagram|Linkedin|Twitter|Facebook|Youtube