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Bússola Poder: RS, o culpado está no espelho

Somos todos culpados, mostra o espelho triste das águas barrentas das enchentes

Sem um debate profundo, conduzido pelo governo, não se encontrará a solução (NELSON ALMEIDA/AFP)

Sem um debate profundo, conduzido pelo governo, não se encontrará a solução (NELSON ALMEIDA/AFP)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 10 de maio de 2024 às 16h00.

O domínio do fogo foi a primeira forma de emissão de carbono. O desequilíbrio começou na idade da pedra. Seguiu pelas fogueiras, forjas, máquinas a vapor, indústrias. A sociedade de consumo mundial de oito bilhões de pessoas produz espelhos em escala monumental para o ser humano se enxergar. Mas para certos temas, eles são inúteis. A questão climática é uma delas, a responsabilidade é de todos. E não adianta subir a montanha, há risco de desabamento ou de se ficar isolado. Somos todos culpados, mostra o espelho triste das águas barrentas das enchentes. 

A dimensão da tragédia no Rio Grande Sul é prova disso. Enquanto o estado naufragava dias atrás, a mídia da província brasileira se deliciava com o playback de Madonna em Copacabana. E as redes sociais se escandalizavam mais com as simulações de sexo do que com as mortes de dezenas de compatriotas.

Não só governos têm falhado na conscientização da sociedade, mas também empresas, líderes políticos, artistas, formadores de opinião. Muito se fala sobre transição, mas não se constroem pontes para as mudanças. Levantam-se muros que impedem o diálogo e não são suficientes para conter a inundação de incompreensões de lado a lado, ambientalistas e negacionistas.

Não há agenda clara no país para enfrentar os problemas advindos do aquecimento global – nem preventiva, nem reativa. A prioridade do Congresso é gastar. Do governo também. Mas cada um à sua própria maneira. Matérias sobre energia ganham jabutis que poderiam ser identificados como cágados (com trocadilho, por favor). Esses bichos parlamentares incentivam térmicas a carvão, propõem construção de usinas distantes de fontes de energia, forçam a construção de dutos que levam dinheiro para bolsos de grupos econômicos mais preocupados com o lucro imediato do que com a consequência dos desatinos administrativos.

Há matérias importantes para dar segurança à transição energética, atrair investidores para esse setor e regular de forma racional os próximos passos da geração de energia. Enquanto não acontecem, a matriz fóssil atual se perpetua pela força da inércia. É impossível fugir dos voos de avião sem que o SAF da aviação esteja disponível, sem que o biodiesel avance para caminhões, sem que o etanol seja usado para abastecer carros e não num longo e caro processo para ser convertido em hidrogênio verde, como pretendem algumas iniciativas. 

Governo e legislativo têm a missão de criar os trilhos por onde a transição energética vai passar, além de debater melhoria nas normas ambientais. Devem incluir a visão conciliatória entre a recuperação de áreas degradadas, preservação e desenvolvimento sustentável. É uma equação difícil, pois todas as mudanças implicam resistência de setores tradicionais e acomodados.

Mesmo importantes lideranças do agronegócio são permeáveis ao debate e estão conscientes da imperiosa adaptação de práticas e processos de produção, armazenamento e transporte em equilíbrio com a natureza.

Sem um debate profundo, conduzido pelo governo, não se encontrará a solução. Ficar nas trincheiras ideológicas do ambientalismo radical ou do furor negacionista de que nada está acontecendo não é opção. É hora de produzir luz para esse debate, não fogo.

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