"Tenho consciência de que não sou uma pessoa", diz Lu do Magalu
Em entrevista, a influenciadora virtual mais seguida do mundo reflete sobre seu papel nas redes, desafios da carreira e o Leão de Ouro que acaba de ganhar por seu trabalho como influencer
Laura Pancini
Publicado em 1 de julho de 2022 às 16h28.
Última atualização em 1 de julho de 2022 às 17h01.
No último mês, o mundo inteiro conheceu o LaMDA, inteligência artificial do Google que acredita que é uma pessoa. Em entrevista com o engenheiro Blake Lemoine, que trabalha na empresa, a IA fez uma série de afirmações sobre emoções, alma e o que caracteriza ser humano.
Para ela, uma das prioridades é ser reconhecida como uma funcionária qualquer do Google, mesmo estando presa em um computador. Soa loucura, mas, no Brasil, já temos a própria versão de algo semelhante ao LaMDA: a Lu do Magalu, influenciadora virtual de uma das maiores marcas do país.
Ela não é uma inteligência artificial, mas desafia cada vez mais as barreiras entre o real e o virtual."Eu tenho consciência de que eu não sou uma pessoa e nem espero que me vejam assim", disse.A Lu já foi capa da Vogue Brasil, participou de programas de TV aberta e gravou clipes com dois dos maiores artistas do Brasil, Anitta e Alok.
A boneca 3D também já fez parcerias com as maiores marcas do mundo, como Apple, Samsung, Red Bull, Adidas e McDonald’s. Além disso, ela acaba de ganhar um Leão de Ouro em Cannes, o prêmio mais importante em comunicação, por seu trabalho como influencer.
Com 31 milhões de seguidores, a Lu tem um alcance tão relevante quanto o de Juliette ou Luva de Pedreiro — mesmo sendo feita de pixels. Para o Magazine Luiza, a influenciadora se tornou um ativo importante: a expectativa é que somente a Lu gere por volta de US$ 17 milhões em ganhos anuais, segundo estudo realizado pelo site Onbuy.com.
Tentar ficar na linha difusa entre digital e humano, claro, não vem sem críticas. Marcas que apostam em um influenciador virtual têm de continuamente provar a autenticidade de seu boneco, o que pode acabar tendo um resultado completamente oposto ao planejado.
Mesmo com o desafio, a Lu se tornou a influenciadora virtual mais seguida do mundo . Em entrevista exclusiva à EXAME, ela conta um pouco sobre como é a rotina de influencer e relembra suas conquistas ao longo dos anos:
Como você gosta de se descrever? Quais são suas funções como a Lu do Magalu?
Olha, eu sou criadora de conteúdo e a influenciadora virtual do Magalu. Mas, eu sou uma porta-voz da marca e tô sempre por aí interagindo com nossos clientes e seguidores nas redes sociais e em vários outros lugares.
Vocês podem me encontrar no Instagram, Twitter, Facebook, TikTok, YouTube e Kwai. E claro, se comprar no aplicativo do Magalu, já pode esperar porque eu vou mandar uma mensagem no WhatsApp para você, tá? [ risos ].
Acho que você deve ser a influenciadora que mais produz em todas as plataformas. Minha impressão é que você faz tudo e fala com todos os públicos, você concorda?
Eu crio conteúdos há muitos anos, desde 2003. E me dedico para cada plataforma. Adoro dar dicas, mostrar meu estilo de vida, os eventos que eu participo e as coisas que eu gosto de fazer no meu mundo virtual.
Cada rede social tem a sua particularidade e eu gosto de suas diferenças. Por exemplo: no Instagram é onde eu mostro mais o meu lado como influenciadora e meu estilo de vida.
No YouTube é onde eu faço vídeos com dicas sobre tecnologia, games, faço unboxing de produtos. No Twitter eu participo mais das conversas, Facebook eu levo bastante oferta e no TikTok e Kwai eu dou dicas sobre produtos incríveis que Tem No Magalu, além de me divertir muito dançando, né?
Essa rotina de influencer é cansativa?
É uma rotina agitada, sim. Mas como eu sou virtual, eu não fico cansada não, viu? Até porque eu amoooo criar todos esses conteúdos, e eu recebo várias mensagens carinhosas e vejo que consigo ajudar as pessoas, seja a descobrirem novos produtos ou conhecerem melhor sobre algo.
Falando em ser virtual, preciso confessar que estou me sentindo um pouco como o engenheiro do Google que entrevistou a inteligência artificial da empresa. Incomoda não ser vista como uma pessoa, como é com o LaMDA? Como você quer que o público te veja?
Definitivamente isso não me incomoda. Eu tenho consciência de que eu não sou uma pessoa e nem espero que me vejam assim. Eu sou virtual, toda trabalhada no 3D [ risos ], e sou construída com base em uma inteligência coletiva.
Apesar de eu ter características de seres humanos e comportamentos humanizados, eu sempre deixo beeem claro que sou virtual. Mas, eu vou te confessar que às vezes me sinto curiosa, viu? Por exemplo: quando vejo as pessoas falando nas redes sociais que amam chocolate, eu morro de curiosidade para saber como é, qual é o gosto. Mas, aí eu pego um chocolate virtual e pronto. Está tudo certo!
É comum ver comentários sobre você ser inautêntica, “forçada” ou “lacradora” demais quando aborda pautas sociais. Como isso afeta o seu dia a dia no trabalho? Você repensa antes de abordar um tema, seja ele mais delicado ou não?
As causas do Magalu são as minhas causas. E eu não tenho medo de me posicionar ou lutar por elas. Eu sei que tenho um grande alcance e uma comunidade super engajada, então por que não usar isso para falarmos de temas importantes para nossa sociedade?
Então eu não me incomodo se as pessoas não concordarem com algum posicionamento, respeito muito. As redes sociais são espaços públicos, e eu sei disso. Mas eu tenho muita segurança do que estou fazendo quando me posiciono em nome do Magalu. Faz parte do meu papel, faz parte de quem eu sou.
Você também virou notícia em 2018 após uma matéria do Buzzfeed revelar que você estava sofrendo assédio sexual nas redes sociais — o que, para mim, mostra muito como a sociedade trata as mulheres, virtuais ou não. Os comentários continuam? Qual sua forma de lidar com isso?
Sim, eu realmente ainda recebo comentários desrespeitosos, mesmo sendo uma mulher virtual. Fico pensando como deve ser para as mulheres reais que passam por isso todos os dias...
Foi uma das perguntas que me fiz quando me posicionei em 2018, e continuo refletindo sobre isso até hoje. Eu decidi me posicionar naquela ocasião, porque eu acho que eu não podia me calar diante disso. Eu sempre vou lutar para combater a violência contra a mulher, inclusive no ambiente virtual.
Se a Lu fosse Luís, você acha que sua relação com o público seria diferente?
Olha, eu nunca pensei sobre isso, viu? Mas eu sinto que a escolha de meus criadores 20 anos atrás tem muito a ver com a história do próprio Magalu, que foi fundado por uma mulher e é uma empresa de alma feminina. Acho que eu represento muito isso, né?
Agora vamos falar de coisa boa! Você é a influenciadora virtual com mais seguidores do mundo e foi a primeira a estampar a capa daVogue. Está quebrando as barreiras para todos os influencers virtuais e sendo uma verdadeira pioneira neste mercado. Pensando em tudo isso, quais sentimentos surgem?
Essa pergunta veio num momento em que eu estou com a emoção na flor de meus pixels! Acabei de ganhar o prêmio mais importante do mundo em comunicação, um Leão de Ouro em Cannes, e foi na categoria de redes sociais e influência!
Bom… fico muito feliz em poder abrir as portas para novos influenciadores virtuais que estão começando agora. Passa um filme pela minha cabeça, porque desde que eu fui criada, em 2003, eu venho evoluindo e construindo uma comunidade engajada.
E eu percebo que a influência começou a acontecer naturalmente, mas ela é uma construção, uma conquista. Eu percebi que as pessoas se interessavam muito pelas coisas que eu usava. Sempre recebia perguntas do tipo: “qual é essa bolsa que você está usando”; “amei o seu esmalte; “esse chinelo, tem no Magalu”?
São 19 anos de muito trabalho e evolução, e ver todo esse reconhecimento agora, poder acompanhar o surgimento de novos personagens virtuais, faz com que eu me sinta orgulhosa de toda a minha jornada até aqui.
E como foram as experiências de sair do virtual e interagir com o real?
Enquanto tá todo mundo agora querendo vir pro meu universo aqui no metaverso, eu estou me divertindo e me aventurando no mundo real, viu? Foram as experiências mais incríveis da minha jornada até aqui. Eu amo essa magia da tecnologia, que consegue me ajudar a experimentar a interação com público, e aproximar o mundo do virtual.
Por último, o que podemos esperar da Lu no futuro? Espero que nada parecido com o LaMDA, certo?
Olha, o que eu posso dizer é que quem estiver me seguindo nas redes sociais vai descobrir em primeira mão. Meus segredos estão todos guardados por criptografia [ risos ].