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O pop é o ringue de Trump: por que Sabrina Carpenter entrou na briga

Uso de músicas populares por Trump em sua campanha desperta controvérsias e reacende debates sobre a relação entre arte, política e direitos autorais

Sabrina Carpenter: cantora é mais novo alvo de Trump no ringue do pop (Getty Images)

Sabrina Carpenter: cantora é mais novo alvo de Trump no ringue do pop (Getty Images)

Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 11h08.

Última atualização em 5 de dezembro de 2025 às 11h16.

Brigas na internet por conta de artistas pop acontecem na mesma frequência com que um garfo é encontrado na cozinha — diariamente surgem novos motivos para as guerras entre fandoms. Mas a situação muda quando o instigador da confusão é o presidente da maior economia do mundo.

Durante suas campanhas presidenciais de 2016, 2020 e 2024, e agora em seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, utilizou dezenas de músicas populares em vídeos oficiais, eventos e comícios, frequentemente sem permissão dos artistas.

No caso mais recente, a cantora Sabrina Carpenter protestou contra o uso de sua música Juno em um vídeo oficial da Casa Branca, publicado na terça-feira, 2.

A gravação mostrava agentes da agência de imigração dos EUA (ICE, na sigla em inglês) detendo imigrantes ilegais, ao som do trecho “have you ever tried this one?”, originalmente associado a uma conotação sexual ("você já tentou essa aqui?", em tradução literal). Carpenter reagiu afirmando que o vídeo era “maligno e nojento". "Nunca envolva minha música nessa agenda desumana", disse a cantora.

A resposta do governo veio no dia seguinte. Em comunicado, um porta-voz da Casa Branca citou outra música da artista, Manchild. “Não vamos pedir desculpas por deportar assassinos, estupradores e pedófilos ilegais do nosso país. Quem defende esse tipo de gente deve ser estúpido, ou é lento?”, afirmava o comunicado.

Para Marcelo Vitorino, professor de marketing político da ESPM, em entrevista à EXAME, isso é uma provocação calculada.

"Quando ele usa uma música da Beyoncé ou da Sabrina sem autorização, ele sabe que vai gerar reação. E a reação é o combustível da estratégia dele", diz. "Funciona assim: artista reclama, mídia repercute, fãs se dividem, e Trump está em todo lugar de novo. É o velho princípio de que não existe publicidade ruim — pelo menos na lógica dele."

A postagem, publicada no perfil oficial da Casa Branca, não foi removida até o momento.

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Nem a primeira, nem a segunda

O episódio com Carpenter não é isolado. Nos últimos meses, outros artistas denunciaram o uso não autorizado de suas músicas por órgãos do governo Trump ou pela própria campanha presidencial.

Em novembro deste ano, a cantora Olivia Rodrigo reagiu após o Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) usar a faixa All-American Bitch em um vídeo que promovia a autodeportação de imigrantes. “Não usem minhas músicas para divulgar sua propaganda racista e odiosa”, escreveu a artista.

O DHS respondeu com um comentário irônico, citando a letra da própria Rodrigo: “A América é grata o tempo todo aos nossos agentes federais. Ela deveria agradecê-los pelo serviço, não menosprezá-los.”

Olivia Rodrigo

Olivia Rodrigo: cantora também já se envolveu em brigas com a Casa Branca (Getty Images)

Antes disso, em julho, a britânica Jess Glynne teve sua música Hold My Hand associada a outro vídeo de deportações. Ela afirmou estar “devastada” com o uso da faixa, originalmente composta, segundo ela, para transmitir “esperança e apoio”.

Um ringue para Trump

Bandas como MGMT  e Semisonic conseguiram derrubar vídeos por meio de pedidos com base na Lei de Direitos Autorais do Milênio Digital (DMCA, na sigla em inglês).

O MGMT protestou contra o uso de Little Dark Age em uma publicação que mostrava a prisão de manifestantes anti-ICE. O vídeo foi removido do X (antigo Twitter), mas permanece no Instagram, sem áudio.

Mais de 70 artistas já se manifestaram contra o uso indevido de suas obras. Nomes como Adele, Elton John, R.E.M., Bruce Springsteen, Rihanna, Neil Young, Guns N’ Roses e The Rolling Stones enviaram notificações extrajudiciais ou moveram ações contra o presidente.

Sobrou até para o Bad Bunny

O porto-riquenho Bad Bunny, artista mais ouvido no Spotify em 2025, também foi alvo de críticas feitas por Trump.

O presidente dos Estados Unidos chamou de “ridícula” a escolha do cantor para o show do intervalo do Super Bowl, em entrevista à Newsmax. “Não sei quem ele é. Não sei por que estão fazendo isso. É uma loucura”, disse Trump, que atribuiu a decisão a um promotor terceirizado.

Bad Bunny será o primeiro homem latino-americano a liderar a apresentação, escolhida pela NFL em parceria com a Apple Music e a Roc Nation, empresa de entretenimento de Jay-Z. Ele lançou em janeiro o álbum Debí Tirar Más Fotos e apresentou a estreia da nova temporada do Saturday Night Live.

Bad Bunny

Bad Bunny: cantor é o latino mais ouvido no mundo (Getty Images)

O artista, que já criticou publicamente as políticas migratórias do governo Trump, evitou turnês no território continental dos EUA em sua última agenda por receio de ações do ICE nos locais de show.

Três dias após o anúncio de seu nome, um conselheiro da Secretaria de Segurança Interna afirmou que agentes estarão no estádio do Super Bowl, prometendo deter e deportar imigrantes ilegais.

Brigas antigas

Uma das brigas mais antigas de Trump com ícones pop é com a cantora Taylor Swift.

A rivalidade começou em 2018, quando Swift criticou Trump e passou a incentivar seus fãs a votarem contra ele. Desde então, virou alvo recorrente do ex-presidente.

Trump já afirmou gostar “25% menos” da música da cantora e, em 2023, ironizou o namoro dela com o jogador de futebol americano Travis Kelce. No ano seguinte, disse ter “superado Taylor Swift” nas paradas com uma música gravada com apoiadores presos pelos ataques ao Capitólio.

Ele também tentou associar sua gestão à artista, citando a Lei de Modernização da Música. Em agosto de 2024, publicou imagens manipuladas com a frase “Swifties for Trump” — e depois negou autoria. Swift nunca declarou apoio ao presidente.

"Quando Trump provoca uma Taylor Swift ou um Bad Bunny, ele não está tentando conquistar esses fãs — ele está energizando a própria base. É como cutucar um vespeiro sabendo que seus apoiadores vão adorar ver as vespas irritadas. A polarização é o objetivo, não o efeito colateral", afirma Vitorino.

No outro lado do entretenimento, (e cerca de cinco anos antes de seu primeiro mandato), Trump também não poupou críticas à atriz Kristen Stewart.

Em 2012, quando ainda era apresentador de reality show, Donald Trump publicou uma série de tuítes atacando a protagonista da saga Crepúsculo após a divulgação de fotos que mostravam a traição de Stewart ao então namorado, Robert Pattinson.

Na época, Trump escreveu que Pattinson “poderia conseguir algo muito melhor” e deveria “terminar com Kristen Stewart”, afirmando que ela seria infiel novamente: “100% certo. Alguma vez me equivoquei?”, questionou.

Foram cinco tuítes em menos de dois meses. Cinco anos depois, em 2017, Stewart classificou os comentários como uma “obsessão”. Segundo ela, só com o tempo percebeu o peso daquelas declarações. “Naquele momento, ele era apenas um astro de reality shows. Não era realmente uma coisa importante”, disse à Variety.

Para Vitorino, ao criticar artistas pop, Trump se posiciona como o cara que fala o que pensa, que não tem medo de celebridade, o que ressoa muito com a base dele. "Isso mostra que a equipe está antenada na cultura pop, que não leva desaforo, que tem senso de humor. É a mesma coisa de um meme bem feito — viraliza, gera conversa, mantém ele no centro do debate. A Casa Branca virou uma máquina de conteúdo", afirma.

Licenciamento e brechas legais

Campanhas políticas podem obter licenças gerais de execução de músicas por meio das entidades BMI e ASCAP, mas artistas têm o direito de remover obras desses pacotes quando se trata de uso político.

Ao receber notificação, o comitê de campanha é legalmente obrigado a suspender a execução da música, sob risco de processos por violação de direitos autorais, uso indevido de imagem ou propaganda enganosa.

Rihanna

Rihanna: cantora proibiu Trump de usar suas músicas em 2018 (Getty Images)

Mesmo com ações judiciais, a reincidência é alta. O governo norte-americano, sob Trump, intensificou o uso de referências da cultura pop como estratégia de comunicação, com vídeos editados, memes, trilhas sonoras famosas e imagens geradas por inteligência artificial.

A fricção entre arte e política é intensa. Para os músicos, a autorização continua sendo uma linha vermelha — mesmo quando o espectador é o presidente dos Estados Unidos.

"É como se a política tivesse migrado do palanque para o palco. E Trump, que sempre foi mais showman do que estadista, se sente em casa nesse ringue. Ele não quer convencer todo mundo — quer que todo mundo fale dele. E nisso, ele é imbatível", diz Vitorino.

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