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Brasil provou ter relevância mundial no mercado de shows, diz CEO da Eventim

Em entrevista à EXAME, Jorge Reis reforça que o país ainda tem barreiras para atrair artistas estrangeiros, mas setor de eventos culturais chegou a outro patamar

Jorge Reis, CEO da Eventim no Brasil (Maicon Douglas/Divulgação)
Mateus Omena

Repórter da Home

Publicado em 24 de março de 2024 às 09h00.

Última atualização em 26 de março de 2024 às 18h33.

Curtir um show é uma das principais opções de entretenimento dos brasileiros, que por tradição não desperdiçam uma boa festa. Mas, essa demanda parece ter ficando mais intensa nos últimos anos.

Para Jorge Reis, CEO da Eventim , o 'superaquecimento' do setor de música ao vivo ajudou a atrair artistas estrangeiros ao Brasil e impulsionou muitos artistas nacionais. Esse cenário ganhou força com o fim do pico da pandemia de covid-19 e, segundo o executivo, não deve acabar tão cedo.

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De origem alemã, a Eventim é a segunda maior empresa do mundo em venda de ingressos. O fim do lockdown e a reabertura das casas de shows representou um novo começo para a companhia em todo o mundo. Mas, o ano de 2023 foi marcante, em razão do crescimento de 23% de receita nos nove primeiros meses do ano, alcançando 1,75 bilhão de euros. Além de um lucro líquido que cresceu 57%, chegando a 205 milhões de euros.

Dados fornecidos pela empresa mostram que o site para venda de ingressos registra atualmente 2 milhões de acessos únicos por mês e a companhia vende 250 milhões de ingressos por ano em todo mundo - 6 milhões apenas no Brasil. Acompanhando o momento positivo desse mercado.

De acordo com levantamento da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), entre janeiro e outubro de 2023, o setor de eventos e cultura teve crescimento acumulado de 46,6%, com consumo que movimentou R$ 96,7 bilhões. Resultado de 12,5% superior ao mesmo período de 2022, de R$ 86 bilhões.

Em entrevista à EXAME, Reis conta que, além de fatores operacionais, o desempenho da Eventim no país avança na esteira de profundas mudanças que o setor de shows e eventos culturais tem passado por aqui e que vieram para ficar. Confira:

Como a Eventim encarou as restrições causadas pela pandemia?

Foi bem difícil, porque o setor de cultura foi o primeiro a parar de funcionar e o último a retornar. Mesmo assim, a Eventim manteve funcionários, adotou medidas para cortar custos e evitou grandes dívidas, enquanto que diversas empresas do nicho se endividaram.

Quando o pico da pandemia passou, surgiu uma vontade imensa do público em voltar a assistir a shows ao vivo. Embora muitas empresas estivessem despreparadas para atender essa demanda. O artistas também foram bastante procurados, o que estimulou um aumento no valor do cachê. O mercado cultural voltou rapidamente aquecido, graças à forte demanda e a queda da concorrência.

O ano de 2023 foi bem intenso, com acirrada disputa de ingressos para shows de grandes artistas brasileiros e estrangeiros. Como a Eventim se posicionou diante disso?

Depois da pandemia, o setor foi forçado a se readaptar aos cuidados com a saúde, principalmente por causa de aglomerações. Quando as condições ficaram mais flexíveis, já estávamos preparados para voltar com força para atender a procura do público por eventos.

Eu assumi o cargo de CEO em dezembro de 2021, e desde então percebo um interesse grande em atrações esportivas, especialmente a Fórmula 1, com a qual tivemos excelentes resultados em venda de milhões de ingressos. E ao longo do tempo, conseguimos alcançar nossas metas com as programações musicais que foram acontecendo até o momento, e tivemos um saldo positivo diante desse desafio.

Com o fortalecimento do setor, o Brasil conseguiu se colocar em uma posição de vanguarda?

Além da melhoria do acesso do público a essas entradas, que nunca foram baratas, ficou mais fácil trazer artistas internacionais para cá. Uma das explicações para isso é o aumento de mão de obra qualificada para fazer com que esses shows aconteçam, em comparação com 10 anos atrás. Houve também melhorias nas condições de infraestrutura dos locais para a realização dos shows. Geralmente, esses artista vêm ao Brasil em uma comitiva de mais de 100 pessoas, com vários veículos para se deslocar entre os estados. É uma operação de guerra. Demanda não é a única coisa que atrai o artista a vir, ele leva em conta também as condições que são oferecidas para trabalhar. E hoje o Brasil é bem visto.

O que desmotiva os artistas estrangeiros a virem para cá?

A nossa maior falha está na infraestrutura das cidades brasileiras e também na oferta de locais apropriados. São Paulo é uma cidade de grandes dimensões, mas não possui tantos estádios com a capacidade semelhantes ao Allianz, por exemplo, que chega a mais de 40 mil lugares. Um local mais aberto como o Ibirapuera não dá conta de grandes shows e festivais. Interlagos tem potencial, mas também limitações. Existem casas de shows com capacidade para 5 mil a 7 mil pessoas. Mesmo assim, ainda é insuficiente. Se tivessemos mais estádios, seria possível produzir mais shows.

É bastante comum ver concentração dos shows de músicos mais populares no Rio e em São Paulo. Por que é tão complicado levar essas apresentações a outros locais fora desse eixo?

São Paulo e todas as capitais da América do Sul concorrem com turnês da Europa, Estados Unidos, Japão, China e Austrália. Quando se traz um artista muito popular para cá, o tempo dele no país é bem limitado, o que reduz as datas de apresentações. O custo para operações e deslocamento é altíssimo, principalmente para levá-lo para dezenas de estados. É difícil fazer isso em um país com dimensão continental. Na Europa, isso é mais viável porque uma equipe consegue em poucas horas se deslocar de Paris para Lion, ou de Berlim para Bruxelas. Pode parecer estranho para nós [brasileiros], mas para eles não é tão comum encarar longas horas de voo para países muito distantes.

É claro que a escolha da cidade depende também do tamanho do público e do potencial desse local, com a presença de hoteis, estabelecimentos e transportes. Como a oferta é melhor nesses pontos, não se pode perder oportunidade. Mas, devo deixar claro que na maioria das vezes o próprio artista não tem vontade de viajar tanto. Ele quer ficar fixo em um lugar ou se deslocar em até 2 ou 3 cidades.

Em quais shows a Eventim conquistou maiores arrecadações em 2023?

Tivemos excelentes resultados no último ano. Os shows do Coldplay foram o nosso case de maior sucesso, assim como o do Paul McCartney e RBD. Em seguida, o Red Hot Chili Peppers. Nesse período, foram vários MorumBIS e Allianz Parque que lotaram. Cada um deles foi um grande sucesso de público, mas o do Coldplay foi uma febre tão grande no Brasil que representou o nosso maior desempenho.

Mesmo assim, esse mérito é bem mais dos promotores do que nosso, como vendedores de ingressos (brinca). É um trabalho feito em parceria, de mãos dadas, principalmente para dimensionar essas apresentações. Para 2024, pretendemos inovar nesse quesito, participar mais das negociações com os artistas e se apoiar mais nos recursos de inteligência de mercado. Além de melhorar o atendimento ao cliente com a tecnologia, sem perder o toque de humanidade, e garantir uma boa experiência dos clientes.

Shows, festivais e eventos diversos foram bastante criticados na internet pela desorganização, infraestrutura que deixa a desejar e muitos problemas com o clima. As pessoas não estão mais dispostas a pagar caro para enfrentar perrengues. Como você vê esse problema?

Ocorreram situações bastante desagradáveis em espetáculos promovidos por várias empresas. O episódio trágico da garota que morreu no show da Taylor Swift reforçou uma reflexão sobre o problema. Embora não pareça, ele não é exclusivo do Brasil, acontece em todos os cantos do mundo. De qualquer forma, é prioridade que a experiência do público seja a melhor possível.

Ficou clara a nossa vulnerabilidade para as temperaturas extremas que temos vivido. Os efeitos das mudanças climáticas estão impactando todos os negócios, inclusive o setor de entretenimento. Muitos shows também já foram cancelados por altas temperaturas e alagamentos. É um desafio global. As empresas do setor deverão ser mais cuidadosas com a segurança e o conforto do público nos locais de apresentação. E isso fica complicado em estádios muito velhos e sem recursos para lidar com o clima. Isso vai exigir não apenas um esforço da iniciativa privada, como também uma ação conjunta com o poder público.

O público brasileiro está mais interessado em apresentações de artistas pouco conhecidos ou alternativos, independente do estilo e gênero musical?

Sem dúvida! Os expectadores de São Paulo são um bom exemplo desse movimento. Na capital, casas de shows como o Blue Note tem contribuído para dar palco a artistas novos. E no caso da Eventim, percebemos uma crescente demanda e as vendas de ingressos para shows menores cresceram bastante. As pessoas também se sentem atraídas por ambientes mais intimistas e em locais mais confortáveis, onde não há necessidade de encarar filas quilométricas. Isso ficou evidente em apresentações menos complexas, como as últimas do João Bosco e da Marina Sena. A experiência é diferente, principalmente porque os fãs podem ficar a poucos metros dos artistas. Cantores que não tem a oportunidade de cantar em um Allianz estão se beneficiando disso, tanto que os cantores mais consolidados e populares estão mais interessados em se apresentar dessa maneira.

Todas essas mudanças trazem boas perspectivas para 2024 e para os próximos anos?

Com certeza, para o entretenimento ao vivo de forma geral. O Brasil provou ter uma relevância enorme no mercado de música ao vivo no mundo. É claro que a concorrência permanece grande. Estamos concorrendo com artistas e empresas na Europa e nos Estados Unidos, onde o preço do cachê é em dolar e o consumo de entretenimento também é bastante intenso.

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