Negócios

Será a OpenAI uma nova Netscape?

O debate sobre a sustentabilidade da OpenAI parece um replay atualizado de Netscape vs. Microsoft, diz Cassio Spina

Netscape: nos anos 1990, a navegador da empresa virou sinônimo da categoria, assim como o ChatGPT agora com IA (Wikimedia Commons)

Netscape: nos anos 1990, a navegador da empresa virou sinônimo da categoria, assim como o ChatGPT agora com IA (Wikimedia Commons)

Cássio Spina
Cássio Spina

Colaborador

Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 16h07.

Tudo sobreInovação
Saiba mais

Se olharmos com um pouco de distância, o debate sobre a sustentabilidade da OpenAI parece um replay atualizado de Netscape vs. Microsoft, temperado com as ideias do Clayton Christensen sobre first movers e fast followers.

A pergunta de fundo é simples: em um jogo que exige centenas de bilhões de dólares em infraestrutura, um “puro player” de IA como a OpenAI consegue se sustentar no longo prazo diante de gigantes como Google e Meta, que tratam IA como uma camada de um negócio muito maior?

Hoje, a OpenAI está na posição que a Netscape ocupou nos anos 1990: foi quem colocou a “nova tecnologia” na frente do mundo, criou o produto símbolo (Netscape Navigator lá atrás, ChatGPT agora) e virou sinônimo da categoria.

Mas, assim como a Netscape, ela é basicamente uma empresa cujo core é um produto só, dependendo de capital externo e de estruturas de terceiros para rodar; no caso da OpenAI, grandes data centers financiados por parceiros, dívidas e aportes de investidores.

Do outro lado, vemos um papel muito parecido com o da Microsoft na época da “guerra dos navegadores”. A Microsoft usou o poder do Windows e do Office para empurrar o Internet Explorer, oferecendo o navegador gratuitamente porque o objetivo estratégico era defender o sistema operacional e o pacote de produtividade.

Hoje, o Google pode fazer algo análogo com o Gemini: embutir IA no Search, no YouTube, no Android, no Workspace e no Google Cloud, sem depender que a linha de negócio “Gemini” em si seja altamente lucrativa neste momento. IA vira custo defensivo e alavanca para fortalecer o que já dá muito lucro.

Custo de provar a tecnologia

A posição financeira reforça essa assimetria. A OpenAI cresce em receita, mas queima caixa em uma escala gigantesca com computação, energia, pesquisa e desenvolvimento de modelos cada vez maiores. Para continuar jogando, precisa de rodadas recordes, alianças com fundos e fabricantes de chips e planos de mega data centers em parceria com grandes financiadores.

Esse modelo funciona enquanto o mercado acredita que, lá na frente, os lucros vão compensar a conta. Se os investidores começarem a ficar céticos – como aconteceu no fim da bolha ponto.com, o aperto vem rápido.

Já Google, Microsoft, Amazon e Meta financiam a corrida de IA principalmente com o próprio fluxo de caixa de negócios existentes. O Google pode investir pesado em Gemini porque sabe que qualquer ganho de eficiência em anúncios, search e cloud, multiplicado pela base que já tem, paga boa parte da conta.

O mesmo vale para a Microsoft com Copilot e Azure. Eles podem ser fast followers agressivos: deixam o first mover provar o mercado, observam o que funciona, e então replicam e integram nos seus ecossistemas, subsidiando a adoção com bundles e cross-subsidy.

É aqui que o Clayton Christensen entra. Ele mostra que o first mover carrega o custo de provar a tecnologia, educar o cliente e enfrentar a incerteza.

O fast follower incumbente, quando finalmente se mexe, parte de uma base instalada enorme, de canais de distribuição consolidados e de uma capacidade de cross-subsidy que o novo entrante simplesmente não tem. Em mercados “leves”, isso já é duro; em mercados de infraestrutura pesada, como IA de fronteira, é brutal.

Ao mesmo tempo, o caso atual não é uma simples reedição da história da Netscape. A OpenAI, diferente da Netscape, é parcialmente “abraçada” por um incumbente (Microsoft), tem uma marca fortíssima junto ao público, e o mercado de IA é menos padronizado do que o mercado de navegadores.

É possível que haja espaço para mais de uma grande plataforma sobreviver. Mas a lógica estrutural continua: quem tem caixa, distribuição e plataforma diversificada joga esse jogo com muito mais folga.

Dito isso, o que CEOs e conselhos de empresas incumbentes podem aprender dessa história, olhando para potenciais disruptores em seus próprios setores?

Primeiro, ignorar o first mover é um erro estratégico. A OpenAI colocou uma pressão sem precedentes sobre o Google e a Microsoft: se eles não tivessem reagido, corriam o risco de ver a interface primária de interação com informação migrar para outra empresa.

Em qualquer setor, um entrante que muda radicalmente a experiência do usuário precisa ser levado a sério, mesmo que o modelo de negócio ainda não esteja claro. O “vamos esperar estabilizar” costuma ser exatamente o que Christensen chama de armadilha do incumbente racional.

Segundo, reagir tarde demais com projetos pilotos fragmentados é quase tão ruim quanto não reagir. Quando decidiram responder, Google e Microsoft não fizeram “projetinhos de inovação isolados”; colocaram IA no centro do core business, com compromissos de capital de dezenas de bilhões, mexendo em produtos estratégicos.

Para CEOs e conselheiros, isso significa que a resposta ao disruptor precisa ser proporcional à ameaça, não ao tamanho da área de inovação do organograma.

Terceiro, faz sentido criar unidades semiautônomas para explorar a nova tecnologia, mas conectadas a um plano claro de absorção pelo core. Christensen defende há décadas que a melhor forma de enfrentar uma ruptura é criar uma organização separada, com métricas e incentivos próprios, capaz de canibalizar o negócio atual.

Lição de humildade

O que vemos hoje nas grandes techs é uma versão moderna disso: times de IA com autonomia grande, mas com uma ponte clara para o produto principal (search, ads, cloud, office, etc.). Para conselhos, isso implica apoiar estruturas que tenham liberdade para “rodar diferente”, sem ficarem sufocadas pela máquina atual, mas que não virem laboratórios sem impacto.

Quarto, “moats” em mercados de infraestrutura pesada são construídos antes que a ruptura fique óbvia. A vantagem do Google não é só o modelo Gemini em si, mas anos de investimento em data centers, chips próprios, acordos de energia, engenharia de sistemas. Quando surge a “moda” da IA, esse arcabouço vira vantagem competitiva quase inatacável.

Em outros setores, o paralelo está em logística, canais de distribuição, dados proprietários, integrações regulatórias. Se o incumbente espera a ruptura aparecer para começar a construir esse tipo de infraestrutura, ele já está atrasado.

Quinto, estratégia defensiva não é apenas copiar a funcionalidade do disruptor, e sim reconfigurar o pacote de valor. A Microsoft não “só” fez um navegador parecido com o da Netscape; ela o amarrou ao Windows, alterou o pacote de valor inteiro.

O Google não quer apenas um chatbot comparável ao ChatGPT; quer que IA seja a cola entre todos os seus serviços. CEOs e conselhos deveriam olhar para entrantes disruptivos e perguntar: “como reempacotar nosso portfólio de forma que essa inovação jogue a nosso favor, e não contra nós?”, em vez de limitar-se a criar um produto semelhante em uma área isolada.

Por fim, há uma lição de humildade: mesmo para empresas brilhantes, ser o first mover de uma tecnologia intensiva em capital é extremamente arriscado. Na prática, a combinação mais resiliente tende a ser um incumbente que consegue se comportar como startup em algumas frentes e uma startup que, cedo ou tarde, encontra ancoragem em fluxos de caixa reais e diversificados.

CEOs e conselhos que forem capazes de ler esse jogo com antecedência terão mais chances de transformar potenciais disruptores em oportunidades de reposicionamento, e não apenas em ameaças a serem reagidas quando já é tarde.

Nem sempre a mesma história se repete, mas aprender com as lições deixadas é fundamental para quem não deseja replicar os mesmos ciclos de ascensão meteórica e queda retumbante que muitos pioneiros e incubentes tiveram.

E tudo isto ainda pode ser traduzido do CNPJ para seu CPF: o que você está fazendo para sua carreira não ser disruptada por um jovem inovador? O melhor jeito de se defender é o ditado “se não pode com o inimigo, junte-se a ele!”, ou seja, participe e se envolva ativamente com os inovadores que estão transformando mundo.

Acompanhe tudo sobre:OpenAIInovaçãoInovação AIChatGPT

Mais de Negócios

Ópera da Serra da Capivara impulsiona economia do sertão do Piauí

Ele vendeu sua marca por milhões, agora aos 66 anos, sua aposta é abrir outra empresa

Elas levantaram US$ 20 mi com IA que transforma patentes em ativos estratégicos

Eles começaram com US$ 2 mil no porão e agora faturam quase US$ 300 mil por ano