Líderes árabes e ocidentais reunidos na Cúpula do Egito neste sábado, 21 (EGYPTIAN PRESIDENCY/AFP)
Redação Exame
Publicado em 21 de outubro de 2023 às 13h00.
Líderes árabes e ocidentais, reunidos em uma "Cúpula da Paz" no Cairo, pediram neste sábado, 21, um "cessar-fogo" entre Israel e Hamas, assim como uma entrega de ajuda em larga escala para a Faixa de Gaza e uma "solução" definitiva para conflito israelense-palestino, que já dura 75 anos.
"Devemos agir agora para acabar com o pesadelo", afirmou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
Mais de 1.400 pessoas morreram no ataque sem precedentes do Hamas contra Israel executado em 7 de outubro, segundo as autoridades israelenses. Mais de 200 pessoas continuam sequestradas pelo grupo islamista palestino.
Quase 4.400 palestinos morreram na Faixa de Gaza nos bombardeios diários israelenses em represália, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, que governa o enclave.
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A Faixa de Gaza, que está sob cerco total de Israel, precisa de "uma entrega massiva de ajuda", acrescentou Guterres, depois que 20 caminhões com assistência entraram no território palestino procedentes do Egito neste sábado.
A ONU calcula que são necessários ao menos 100 caminhões diários para ajudar os 2,4 milhões de moradores de Gaza, que enfrentam a falta de água, energia elétrica e combustíveis.
Guterres discursou para líderes políticos do Egito, Jordânia e da Autoridade Palestina, além dos ministros das Relações Exteriores de países árabes e europeus, dirigentes da Liga Árabe, da União Africana e da União Europeia. O chanceler brasileiro Mauro Vieira estava presente na cúpula.
Rússia, China, Japão, Canadá e Estados Unidos também enviaram representantes.
O rei Abdullah II da Jordânia pediu um "cessar-fogo imediato", enquanto o presidente egípcio Abdel Fatah al Sisi afirmou que a "única solução para a questão palestina é a justiça", insistindo no "direito" dos palestinos "a estabelecer seu Estado".
"Não podemos permitir que este conflito vire uma crise regional", declarou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.
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Guterres mencionou o "contexto mais amplo", com uma referência a "56 anos de ocupação sem fim à vista". "Mas nada pode justificar o ataque condenável do Hamas" que deve libertar de maneira imediata e sem condições" os reféns sequestrados em Israel.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, reiterou a necessidade de "acabar com a ocupação israelense dos Territórios Palestinos e de uma solução de dois Estados", um israelense e outro palestino.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que não viajou à cúpula, afirmou durante sua curta visita a Tel Aviv na quarta-feira que a guerra entre Israel e o Hamas reforça sua "determinação" por uma solução de dois Estados.
"Não vamos embora" das terras palestinas, repetiu três vezes Abbas, que ao lado do Egito e da Jordânia expressa oposição há vários dias à ordem israelense para que os habitantes do norte da Faixa de Gaza abandonem a área e prossigam para o sul, na fronteira com o Egito.
Os líderes políticos da região consideram que este é um primeiro passo para um "deslocamento forçado" de palestinos em direção ao Sinai egípcio. Abbas afirmou que isto seria o equivalente a "uma segunda Nakba" (catástrofe em árabe), em referência à expulsão de quase 760.000 palestinos após a criação do Estado de Israel em 1948.
Abdullah II criticou o "silêncio global", que considero uma "mensagem muito perigosa".
"A mensagem que o mundo árabe está escutando é alta e clara: as vidas palestinianas importam menos do que as israelenses. Nossas vidas importam menos do que outras vidas", declarou.
"A aplicação do direito internacional é opcional. E os direitos humanos têm limites, param nas fronteiras, nas raças, nas religiões, acrescentou.
O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, denunciou a "ajuda militar incondicional a Israel que serve apenas para manter a ocupação" dos Territórios palestinos. Seu homólogo saudita, Faisal bin Farhan, criticou a rejeição do Conselho de Segurança da ONU a duas resoluções que pediam o fim das hostilidades.
O Egito, que organizou a cúpula, quer desempenhar um papel diplomático importante no conflito.
O país foi a primeira nação árabe a assinar um acordo de paz com Israel, em 1979, e desde então o Cairo atua como mediador habitual entre Israel e os palestinos, incluindo o grupo Hamas. Além disso, o Egito tem o único ponto de entrada para a Faixa de Gaza que não é controlado por Israel, Rafah.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, participa neste sábado, dia 21, da Cúpula da Paz no Cairo, a convite do presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi.
O convite ao Brasil foi interpretado pelo Itamaraty como um sinal de prestígio pela tradição diplomática e pelo papel como presidente atual do Conselho de Segurança das Nações Unidas
Chefes de Estado e Governo, Majestades, Altezas, Ministros e chefes de delegação,
Senhoras e senhores,
O mundo acompanha com ansiedade e com esperança a Conferência de Paz do Cairo no dia de hoje. Congratulo o governo egípcio pelos esforços na organização tão expedita desta cúpula. A missão que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva me confiou, quando me instruiu a representá-lo nesta reunião, foi inequívoca: somar a voz do Brasil à de todos aqueles que apelam pela calma, pela contenção e pela paz na região.
O Brasil vem acompanhando com preocupação a escalada de violência e a deterioração na situação da região em matéria de segurança, recentemente e ao longo dos últimos meses. Lamentamos ter de testemunhar essas condições no ano do trigésimo aniversário dos Acordos de Oslo. Se houvéssemos tido progressos desde então, estaríamos celebrando a paz e a amizade. Porém, a situação diante de nós é muito grave.
O governo brasileiro rejeita e condena, de maneira inequívoca, os atos terroristas perpetrados pelo Hamas em Israel no dia 7 de outubro, assim como a captura de civis como reféns. Brasileiros estão entre as vítimas, três compatriotas foram assassinados em Israel.
Como muitos outros países, o Brasil também tem cidadãs e cidadãos que esperam ser evacuadas de Gaza, enquanto assistimos, alarma dos, a deterioração da situação humanitária na região, e em especial a escassez de insumos médicos, alimentos, água, eletricidade e combustíveis. Israel, como potência ocupante, tem responsabilidades específicas em matéria de direitos humanos e da lei humanitária. Elas devem ser atendidas sob quaisquer circunstâncias.
Ao longo das últimas décadas, temos testemunhado um conflito sem vencedores, que se arrasta no tempo. E um conflito no qual a população civil continua a ser a principal vítima da falta de diálogo e de um ressentimento crescente.
O impasse no processo de paz; a estagnação econômica e social que tem prevalecido em Gaza; a corrente expansão de colônias israelenses nos territórios ocupados, a violência contra civis, a destruição de infraestrutura básica, violações do “status quo” histórico nos lugares sagrados de Jerusalém, todos esses fatores somados geram um ambiente social e cultural que põe em risco a “solução de dois Estados” e que provoca ódio, violência e extremismo.
Excelências,
A trágica situação em curso na Faixa de Gaza é de máxima preocupação. Enquanto sempre haverá aqueles que estão dispostos a atirar gasolina no fogo, o Brasil conclamará em favor do diálogo.
A destruição de infraestrutura civil, incluindo de atendimento à saúde, é inaceitável. Acompanhamos com consternação a explosão de bomba ocorrida no hospital Al Ahli-Arab, e lamentamos as centenas de mortes de civis, incluindo pacientes, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da área humanitária.
Todas as partes devem proteger integralmente civis e respeitar o direito internacional e o direito humanitário internacional.
A comunidade internacional deve empregar ao máximo seus esforços diplomáticos para assegurar o pronto estabelecimento de pausas e corredores humanitários, bem como de um cessar-fogo imediato.
Conforme afirmou o Presidente Lula, a atual crise requer com urgência uma ação humanitária multilateral com o propósito de acabar com o sofrimento de civis encurralados pelas hostilidades.
Na condição de presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas durante o mês de outubro, o Brasil convocou sessões de emergência e promoveu o diálogo.
Apesar desses esforços, lamentavelmente o Conselho de Segurança não pôde adotar uma resolução no dia 18 de outubro. No entanto, os muitos votos favoráveis - de 12 dos 15 membros - evidenciam o amplo apoio político em favor de uma ação rápida por parte do Conselho. Acreditamos que essa visão é compartilhada pela comunidade internacional em geral.
Permitam-me que seja claro: há um amplo chamado político em favor da abertura das pausas humanitárias urgentemente necessárias, do estabelecimento de corredores humanitários e da proteção dos profissionais da área humanitária.
Devemos encontrar maneiras para desbloquear a ação no plano multilateral. O Brasil não poupará esforços nesse sentido. No dia 24 de outubro, presidirei o debate aberto trimestral do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação no Oriente Médio, incluindo a questão palestina. Sugiro que continuemos esse diálogo lá, no mais alto nível possível, em uma tentativa de continuar buscando consensos em torno de ações imediatas. A paralisia do Conselho de Segurança vem tendo consequências negativas para a segurança e para as vidas de milhões de pessoas. Isso não é do interesse da comunidade internacional.
Devemos também esforçar-nos para evitar qualquer possibilidade de que o conflito se espalhe pela região.
Mais adiante no processo, devemos encontrar maneiras de revitalizar o processo de paz, de modo a fazer avançar negociações políticas na direção de uma paz abrangente, justa e duradoura no Oriente Médio. A simples administração do conflito não é uma alternativa aceitável. Apenas a retomada de negociações efetivas podem trazer resultados concretos no sentido de implementar a solução de dois Estados, em sintonia com todas as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, com Israel e Palestina convivendo em paz e segurança, com fronteiras acordadas mutuamente e internacionalmente reconhecidas.
O Brasil está pronto e à disposição para apoiar todos os esforços com esse objetivo.
Muito obrigado.
O Hamas lançou a "Operação Al-Aqsa Flood" para, segundo alega, defender a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, palco de tensões entre palestinos e israelenses.
A Faixa de Gaza é um região palestina localizada ao leste do território israelense, a oeste pelo Mediterrâneo e ao sul pelo Egito. Mais de dois milhões de palestinos vivem na região, com quase 6.000 habitantes por km² — uma das densidades populacionais mais altas do mundo.
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) não reconhece o Hamas como um grupo terrorista. Países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e nações da União Europeia apontam que o Hamas é uma organização terrorista.
Ismail Haniyeh lidera o Hamas desde 2017 e reside em Doha, Catar, desde 2020 devido às restrições de saída e entrada em Gaza, que enfrenta bloqueios em suas fronteiras tanto com Israel quanto com o Egito.
Na sua Carta de Princípios de 1988, o Hamas declarou que a Palestina é uma terra islâmica e não reconhece a existência do Estado de Israel.
*Com informações da AFP