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Suprema Corte põe fim ao Roe vs. Wade, que garantia direito ao aborto nos EUA

Juízes optaram por reverter a decisão Roe vs. Wade, dos anos 1970, que por meio século garantiu a jurisprudência sobre aborto nos EUA

Protesto em frente à Suprema Corte nos EUA: lei sobre aborto no Texas gerou críticas em todo o país no ano passado (Drew Angerer/Getty Images)

Protesto em frente à Suprema Corte nos EUA: lei sobre aborto no Texas gerou críticas em todo o país no ano passado (Drew Angerer/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 24 de junho de 2022 às 11h39.

Última atualização em 24 de junho de 2022 às 21h15.

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu nesta sexta-feira, 24, revogar oficialmente a decisão conhecida como Roe vs. Wade, que por meio século garantiu o direito ao aborto no país.

A mudança já era esperada em meio à maioria de juízes conservadores na Corte nos últimos anos, e após um rascunho da decisão ser vazado neste ano, gerando revolta em movimentos ativistas e progressistas nos EUA. Os grupos contrários vinham tentando pressionar para que a decisão fosse adiada.

A decisão não proíbe o aborto nos EUA, mas muda os limites até onde os estados podem ir. O veredicto autoriza estados americanos a terem leis mais restritivas contra a decisão das mulheres de interromper a gravidez.

VEJA TAMBÉM: Aborto nos EUA: o que é Roe vs. Wade, decisão na mira da Suprema Corte

A mudança abre caminho para uma série de estados que passaram leis sobre o tema, como o Texas, mas que antes eram barrados pela jurisprudência no Roe vs. Wade. Em estados vistos como progressistas, o aborto continuará sendo autorizado a depender das escolhas locais.

O julgamento que desencadeou a revisão do Roe vs. Wade foi relativo a uma lei do Mississippi, que proibia quase todos os abortos que acontecessem após 15 semanas de gestação.

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A votação nesta sexta-feira a favor da lei (na prática, contrária ao Roe vs. Wade) foi de 6 a 3, refletindo o número de juízes em cada lado do espectro político atualmente na Corte.

O tribunal tem desde 2020 maioria conservadora de seis juízes, contra três liberais ou progressistas. 

O juiz Samuel Alito, um dos pertencentes ao grupo de juízes conservadores na Corte, justificou o voto dizendo que a decisão no Roe vs. Wade foi "errada desde o começo".

Guinada conservadora na Suprema Corte

A decisão nos EUA vem na esteira da mudança de composição da Suprema Corte nos últimos anos. O tribunal máximo do país passou a ter maioria amplamente conservadora sobretudo no governo do ex-presidente Donald Trump, que indicou três juízes durante o mandato.

A última indicação foi em 2020, meses antes do fim do mandato, levando a maioria conservadora de 5 a 4 (o que ainda garantia empate em algumas decisões mais polêmicas) para 6 a 3.

VEJA TAMBÉM: Suprema Corte dos EUA anula lei de NY que proibia porte de armas em público

O veredito sobre o aborto acontece ainda na mesma semana em que a Suprema Corte já havia barrado, na quinta-feira, 23, a lei de Nova York a respeito do porte de armas fora de casa. O estado tinha uma das leis mais restritivas quanto ao porte de armas nos EUA.

A Suprema Corte entendeu que o direito ao porte de armas em locais públicos deve valer nacionalmente, independentemente de leis estaduais contrárias. O placar também foi de 6 a 3, com os mesmos juízes que hoje votaram contra o Roe vs. Wade.

O que foi a decisão Roe vs. Wade

Nos anos 1970, muitos estados americanos consideravam o aborto crime na legislação penal. O caso Roe vs. Wade começou em um desses estados, o Texas, após uma ação judicial movida por uma mãe solteira, Jane Roe (pseudônimo de Norma McCorvey).

Roe estava grávida pela terceira vez em 1969, e atacou a constitucionalidade da lei do Texas. A mulher terminou abrindo um recurso contra o promotor de Dallas, Henry Wade, e o caso chegou à Suprema Corte.

A Corte votaria três anos depois, em 1973. Os juízes na ocasião votaram por 7-2 a favor do caso de Jane Roe.

Com a decisão, caiu por terra a lei antiaborto no Texas e em uma série de outros estados que, na época, tratavam aborto como crime.

O entendimento dos juízes na época foi de que a Constituição dos Estados Unidos protege o direito de uma mulher de decidir, sem intervenção excessiva do Estado, sobre levar adiante uma gravidez recém-descoberta. A exceção seria para estágios avançados da gravidez, quando o direito da mulher à privacidade não seria absoluto, segundo entendimento da Corte.

Desde então, com base na jurisprudência de 1973 que classificava o direito ao aborto como constitucional, estados não podiam passar leis que sejam contrárias a este entendimento.

Influência do pensamento liberal

O Roe vs. Wade veio em um momento específico na história do Ocidente, de ampliação do pensamento liberal, tanto econômico quanto político, e de oposição a um controle governamental que fosse visto como excessivo, em meio aos embates na guerra fria.

O pensamento liberal defendia que o Estado não interferisse na vida dos cidadãos, com exceção do que fosse necessário para prover direitos e oportunidades iguais na base.

A leitura de um Estado liberal se expandiu para os costumes, com a visão de que o direito ao respeito à vida privada, garantida pela Constituição dos EUA, se aplicava ao direito da mulher em decidir sobre ter ou não um filho — caso a decisão fosse tomada ainda no início da gravidez.

A Corte decretou, assim, que “o direito ao respeito da vida privada, presente na 14ª Emenda da Constituição (...), é suficientemente amplo para ser aplicado à decisão de uma mulher de interromper, ou não, sua gravidez".

"Uma lei como a do Texas, que faz do aborto um crime, salvo quando a vida da mãe está em perigo, sem levar em conta o estado da gravidez, ou outros interesses em jogo, viola a 14ª Emenda da Constituição."

Leis sobre aborto no mundo e no Brasil

A maioria dos países desenvolvidos, como os EUA, tem leis de aborto que datam dos anos 1970 ou anos seguintes.

Na época da aprovação do Roe vs. Wade, o mesmo entendimento visto nos EUA ocorreu em países europeus, que já viviam debates sobre o tema paralelamente e começaram a legislar sobre direito ao aborto. Nos anos seguintes, o aborto seria autorizado em quase todos os países da Europa Ocidental e no Canadá.

Na América Latina, que tem uma das legislações mais restritivas sobre aborto e maioria da população católica, a legislação vem mudando somente nos últimos anos. Uruguai (2012), Argentina (2020), Colômbia (2022) e partes do México (2022) mudaram suas regras recentemente. Países como o Chile também estudam mudanças.

O Brasil tem uma das legislações mais restritivas do mundo sobre aborto, em um arcabouço que, no geral, data do Código Penal de 1940.

O procedimento só é permitido em três casos: estupro, gravidez que oferece risco à vida da mulher e, segundo decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, em casos de anencefalia, quando há malformação do cérebro do feto.

No entanto, organizações progressistas argumentam que a tendência é que a mudança de status nos EUA, como ocorreu nos anos 1970, gere repercussão em outros lugares do mundo rumo a uma maior restrição dos direitos das mulheres.

A Anistia Internacional divulgou nota neste ano afirmando que a movimentação nos EUA poderia "dar um exemplo terrível do qual outros governos e grupos antidireitos poderiam se aproveitar em todo o mundo, em uma tentativa de negar os direitos das mulheres, meninas e outras pessoas que podem ficar grávidas", segundo a secretária-geral da organização, Agnes Callamard.

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