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As lições de Lester Wunderman, o “pai do marketing direto”

Peter Rosenwald, fundador e primeiro CEO da divisão internacional da agência Wunderman, relembra seu guru e amigo Lester Wunderman, morto em janeiro

Lester Wunderman: um inovador incessante (Lester Wunderman/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 05h58.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2019 às 11h25.

Lester Wunderman, morto aos 98 anos em janeiro, era um gigante tranquilo entre inovadores visionários. Se o universo do marketing é hoje totalmente diferente do que era na época dos “mad men”, na década de 1960, Lester merece boa parte dos créditos por essa transformação. Recentemente, ele viu a Wunderman, empresa que fundou, fundir-se à J. Walter Thompson, o que deve ter lhe dado um prazer considerável.

Em 1958, com seu irmão e dois outros sócios, ele fundou a Wunderman, Ricotta & Kline, empresa focada em marketing e vendas pelo correio. Ficava num modesto escritório na Union Square, em Nova York. Na época, poucas empresas faziam vendas à distância. As que faziam, como o “Clube do Livro do Mês” empregavam sua própria estrutura de marketing. Um dos primeiros clientes da Wunderman e, durante muitos anos, o principal, foi a Columbia House, clube de compras da gravadora Columbia Records.

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Eras são medidas e definidas pela amplitude das mudanças que acontecem nelas e pelos visionários que impulsionam essas mudanças, cujas inovações criam um cenário totalmente novo. Agora, depois de anos como “cidadãos de segunda classe” na comunidade do marketing, o marketing direto e o baseado em dados se tornaram protagonistas. Lester sempre dizia que era só uma questão de tempo até isso acontecer.

Citando o chief growth officer do grupo Publicis, um artigo no site MediaPost diz: “...os modelos convencionais de construção de marca já não funcionam tão bem como antes. As grandes marcas estão percebendo que a única maneira de ter uma relação com os clientes e entendê-los é eliminar o intermediário e ter proximidade com eles.”

A essência do marketing deu uma volta completa, da divulgação porta a porta e das vendas pessoais ao marketing de massa; e de volta, novamente, às vendas pessoais que Wunderman sempre defendeu – mas com tecnologias com as quais nem se sonhava na década de 1950. Numa palestra no MIT em 1967, Lester insistiu em dar um nome adequado a essa prática. O termo “marketing direto” substituiu outros como “vendas por correspondência”.

Convidado a fazer uma palestra na então U.S. Direct Mail Marketing Association, Lester aceitou, mas com a condição de que a associação mudasse seu nome para Direct Market Association. Houve uma disputa ruidosa, mas Wunderman venceu. Isso fez ele se tornar conhecido como o “pai do marketing direto”.

No último meio século, Lester era meu melhor amigo e meu guru. Seu caráter humano ia de mãos dadas com sua visão. “Não há nada que não vá mudar”, dizia ele a qualquer pessoa sortuda o bastante para ouvi-lo. “Direcione essa mudança na direção certa, arrisque-se e meça, sempre meça, seu sucesso ou fracasso.”

Lester passou bastante tempo com sua querida tribo Dogon, no Mali, e até recebeu o título honorário de chefe tribal. Ele nunca perdeu contato com o que via como a vida real, um entendimento primitivo do comportamento humano e um respeito profundo pelos valores humanistas.

Ele sabia instintivamente (e provou isso seguidas vezes) que uma relação direta entre pessoas – sejam parceiras, amigas, conhecidas, clientes ou possíveis clientes – tinha de ser mais enriquecedora que qualquer relação à distância. Sua curiosidade infinita exigia que ele soubesse tanto quando possível sobre essas pessoas. À medida que o computador gradualmente substituía o sistema de fichas em papel, a possibilidade de capturar dados para atender melhor aos clientes cresceu explosivamente.

Conforme fluxos de dados crescentes se tornaram disponíveis, os clientes passaram a reclamar do custo de mantê-los e gerenciá-los. Mas isso não deteve Lester, que cunhou uma de suas melhores e mais duradouras percepções: “Dados são caros. Conhecimento é barato”, disse. O conhecimento crescente tornou-se uma busca constante para Lester, e esse era um lema que ele compartilhava em casa e no mundo.

A Wunderman Wordwide nasceu numa noite de verão em meu jardim em Londres, em torno de uma garrafa de ótimo vinho. Foi projetada para tornar seu conhecimento e suas práticas de marketing disponíveis para outros marqueteiros jovens, ambiciosos e com mentalidade afim – primeiro no Reino Unido, na França e na Alemanha; e, depois, em qualquer país onde esses serviços fossem desejados. Hoje há 175 escritórios da Wunderman em 60 países.

O caminho para o sucesso não foi nada suave. A compra da Wunderman pela Young & Rubicam em 1973 foi mais um casamento de conveniência que uma união amorosa. A Y&R precisava ser vista como dona de habilidades de marketing direto que ela não tinha – mesmo tendo pouco entusiasmo por essa prática. Já a WRK queria ter acesso a grandes clientes que começavam a se interessar seriamente pelo marketing direto.

Por razões que nunca ficaram claras para Wunderman ou para o mercado, e quebrando uma regra clássica de branding, a direção da Y&R criou uma nova marca, Impiric, e agregou todos os seus negócios não-tradicionais sob esse rótulo. De um dia para o outro, a marca Wunderman foi apagada das placas. Lester ficou pessoalmente abalado e profissionalmente furioso ao ver anos de construção de marca desparecerem no que parecia ser pouco mais que um ato impensado.

Felizmente, poucos anos depois, quando a WPP de Sir Martin Sorrel comprou a Y&R, ele procurou a Wunderman e encontrou-a soterrada sob a Impiric. Tão confuso em relação à Impiric quanto as demais pessoas, ele ligou para Lester e convidou-o para almoçar. No almoço, eles orgulhosamente restabeleceram a marca Wunderman e Lester virou chairman emérito vitalício da empresa.

Em 2010, numa entrevista à publicação especializada AdAge, Lester disse: “Para mim, que iniciei um pequeno escritório com meu irmão lá na Union Square, ser chairman de uma empresa global, que emprega práticas avançadas no mundo inteiro, foi a realização de toda a vida. Foi como ir da publicidade da era das carroças para a internet. Parece algo mágico. As coisas que sabemos sobre as pessoas, nossa habilidade de fazer comunicações mais relevantes e oportunas – a publicidade é simplesmente mais relevante do que costumava ser.”

A criatividade e as invenções de Lester são legendárias. Ele estava sempre decidido a jamais deixar um cliente ou possível cliente sem algo novo e inesperado. Muitos dos avanços que ele trouxe eram respostas brilhantes a problemas momentâneos movidas a adrenalina. Certa vez, um furioso executivo da Columbia House jogou sobre a mesa de reuniões folhetos publicitários rejeitados pelos consumidores. Milhões haviam sido impressos, mas os folhetos haviam encalhado. Lester andou tranquilamente até o porta-revistas da sala de reuniões, pegou uma cópia da revista TV Guide, colocou um dos folhetos no centro dela (onde ele se encaixou quase perfeitamente) e anunciou que naquele exato momento o departamento de mídia estava reservando aquela posição exclusivamente para a Colúmbia e que todos os folhetos impressos seriam usados. Aquela posição se tornou uma das mais eficazes para publicidade em sua época.

O credo de Wunderman nunca mudou. Os meios para realizá-lo poderiam ser programas de fidelidade, clubes de assinaturas, encartes em jornais apoiados por anúncios na TV ou linhas 0800 para atendimento telefônico aos clientes. Aproxime-se do consumidor o máximo possível, ouça-o e estabeleça uma relação direta, um a um. Num congresso onde outros discutiam o regulamento postal, do nada Lester propôs a criação de uma caixa postal inteligente para cada consumidor, uma caixa que saberia o que era desejado e só aceitaria aquele tipo de correspondência. Hoje nós a chamados de “caixa de entrada” em nosso serviço de e-mail.

Lester era um ávido jogador de tênis. Ele nunca deixou que o trabalho o impedisse totalmente de jogar. Até recentemente, encontrava tempo todas as semanas para jogar algumas partidas com os profissionais de seu clube de tênis. Em viagens de negócios no inverno, ele podia ser visto esquiando em St. Moritz ou Davos, na Suíça. No verão, preferia sua linda casa em Mogins, na França. Há 43 anos, quando estava tentando conquistar sua futura esposa Suzanne, que se tornaria sua companheira e musa, ele interrompeu uma importante reunião de negócios para cuidadosamente escrever a receita do molho especial que queria para a salada do jantar. Para Lester, as coisas importantes sempre tinham prioridade.

Lester Wunderman era um cavalheiro num mercado onde os cavalheiros não são abundantes. Leia seus livros Beging Direct e Frontiers of Direct Marketing, ou olhe atentamente para suas fotos da tribo Dogon, seus irmãos (as fotos estão na coleção permanente do Metropolitan Museum of Art, em Nova York); e converse com profissionais que trabalharam com ele. Você não vai deixar de perceber seu caráter mágico.

Perdemos um grande guru e amigo, e ele deixa saudade. Temos sorte de sua sabedoria e seus ensinamentos estarem na mente de duas gerações de marqueteiros nos Estados Unidos e em outros países.

*Peter Rosenwald foi o primeiro CEO da Wunderman Wordwide, divisão internacional da agência Wunderman que ele fundou com Lester Wunderman. Também foi executivo da editora Abril, que publica EXAME. Ele vive em São Paulo e atua como consultor de marketing em diversos países.

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