Gustavo Franco: o comitê cogitou expressamente “um ritmo mais lento de distensão monetária” na direção do que designou como “taxa terminal" (Dado Galdieri / Bloomberg/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 5 de abril de 2024 às 06h22.
O grande evento do mês de março de 2024 não foi uma vírgula, mas foi perto. Foi um plural no comunicado do Copom.
Mais precisamente o modo como o Copom enuncia o que se conhece no idioma dos especialistas como forward guidance: o comitê antevê uma redução na Selic semelhante “na próxima” reunião, e não mais nas próximas, como nos comunicados anteriores.
O plural faz toda a diferença. E a mensagem parece clara: está chegando a hora de parar de reduzir os juros, ou de reduzir o ritmo de queda. Provavelmente não na próxima, nos dias 7 e 8 de maio (quando se espera mais uma redução de 0,5% na Selic, para 10,15%), mas na seguinte.
O comitê cogitou expressamente “um ritmo mais lento de distensão monetária” na direção do que designou como “taxa terminal”, aquela que vai encerrar esse ciclo de baixa.
A taxa terminal deveria estar próxima da “taxa neutra”, aquela que não é nem contracionista nem expansionista.
Não deve haver dúvida: o mês de março de 2024 testemunhou uma calmaria imensa, uma falta de assunto gritante, como se pode ver pelo debate sobre a gramática das atas do Copom. A monotonia também é perceptível quando as atenções se voltam para os bancos centrais do exterior, especialmente os de segunda linha. Em março, o mercado teria se impressionado com a ousadia do banco central da Suíça, que teria acelerado cortes já programados em sua taxa de juros. Também o do México teria sido ousado nos cortes, em decisões que não foram unânimes. A inflação estaria mais bem-comportada do que se esperava, na Suíça como no México, bem como no Peru e na Colômbia.
Talvez seja falta de assunto mesmo.
Ou seria uma indicação de que a nossa vizinhança, com as incontornáveis exceções da Argentina e da Venezuela, estaria adquirindo um aspecto mais asiático? Seria indicação de isolamento futuro no Brasil com juros reais muito elevados e inflação muito baixa?
Nada contra a monotonia, inclusive, quando se lembra que março de 2024 é o mês que assinala o 30º aniversário do lançamento da URV (unidade real de valor) que dava início à reforma monetária que ficaria conhecida como o Plano Real. Viemos de muito longe, quando a inflação era de 30% ao mês ou mais.
A calmaria vem com indicadores de atividade que não são especialmente bons. Mas não são ruins. Os adjetivos se alternam nas avaliações sobre o mercado de trabalho no Brasil. Afinal, a política macro deste governo de fato não possui coloração muito definida, ao menos por ora. A monetária é mais para ortodoxa, por conta da autonomia do Banco Central e das metas para a inflação. Mas a fiscal não é bem heterodoxa, tampouco a soma das duas.
Talvez seja a véspera de um embate que é clássico em governos populistas: tight money, loose fiscal. Para o contexto brasileiro, esse tipo de tensão teria um componente institucional mais sensível, pois, afinal, é a primeira presidência da República com um Banco Central tripulado por nomeados pelo presidente anterior. Um processo de crowding out pode ser mais tenso do que o habitual, sobretudo a partir do segundo semestre de 2024, por conta da definição do substituto de Roberto Campos Neto
A economia não foi um tema na eleição, nem fez parte dos grandes debates políticos nos últimos tempos, como se sabe. A índole da política econômica na terceira presidência Lula permanece em processo de definição. Nem é uma política (fiscal) ortodoxa, a despeito das intenções declaradas, nem heterodoxa. Ao menos por ora. Nem gastança, nem austeridade. Não há propriamente superávit, nem déficit. Há intenções, hesitações e diferenças de opinião, mas só saberemos qual é a política fiscal ao final do exercício, feitas as contas do resultado. E não será um resultado planejado, mas o produto de forças contraditórias.
Não é bem o Congresso que pressiona na direção do keynesianismo, como no passado. O Congresso disputa recursos para suas emendas paroquiais, ou seja, almeja parcela maior sobre o total de gastos para alimentar gastos nas suas bases, cuja escala não é propriamente juscelinista. Não se trata propriamente de uma demanda por grandes obras com efeitos muito significativos sobre o aspecto geral da política fiscal. Nesse contexto, o Congresso não tem sido dominante, nem submisso no tocante à política fiscal.
É bem possível que fique assim, nem bom nem ruim, a véspera de alguma coisa, por muito tempo ainda. O aggiornamento, ou a perestroika, da política econômica lulista ainda está para acontecer.
*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de Março, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest."