Investidores estão fugindo da China. E isso poderia beneficiar o Brasil (Thomas Peter/Reuters)
As saídas de capital estrangeiro da China atingiram níveis recordes no primeiro trimestre de 2022.
Essa frase, parte do mais recente relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), descreve perfeitamente o que está ocorrendo na China.
Segundo o IIF, essa fuga de capitais do país asiático é a maior da última década, e foi provocada pelas fortes vendas de títulos da dívida e de ações.
Uma tendência que teria começado entre fevereiro e março.
E que, segundo estimativas preliminares, continuou também no mês de abril que acabou de terminar.
No total, até o momento foram vendidos cerca de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 90 bilhões) em ações e títulos chineses.
O IIF é a associação global da indústria financeira que reúne 450 bancos, seguradoras e fundos internacionais de 70 países do mundo.
Essa fuga de capitais da China representa uma inversão da tendência em relação a última década. Sobretudo face ao biênio 2020-2021 em que, segundo o IIF, "os investidores não residentes aumentaram a exposição a títulos da dívida chineses à taxa de 30-40% ao ano".
Para compreender a importância desse fenômeno é preciso considerar que entre 2010 a 2021 a China registrou um constante aumento nos investimentos externos em ativos líquidos, também graças às políticas de liberalização.
Entretanto, 2022 está se demonstrando o ano mais difícil para a economia do gigante asiático.
Por que essa saída repentina de capital estrangeiro da China?
Existe muitas as razões econômicas, financeiras e geopolíticas concomitantes que, de acordo com o relatório do IIF, levaram à venda de ativos chineses.
Uma explicação parcial dessa fuga de capitais poderia ser identificada na venda de parte de ativos utilizados como reserva pelo Banco Central da Rússia.
No final de 2021, esse montante estava na casa dos US$ 70 bilhões.
A Rússia foi obrigada a vender parte dos investimentos no exterior por causa das sanções contra as suas reservas que o bloco ocidental decretou após a invasão na Ucrânia.
Mas essa causa, de acordo com o IIF, "provavelmente ocorreu principalmente na segunda quinzena de fevereiro", enquanto é "menos evidente que a tendência continuou em março", já que as reservas totais russas mostraram sinais de estabilização.
Portanto, a venda de ativos russos não é a causa principal dessa fuga de capitais.
Ao contrário, pode ser até possível que o superávit orçamentário russo - graças a alta das cotações internacionais do petróleo e do gás - volte a ser investido em títulos chineses, já que a China não aplica sanções contra a Rússia.
A segunda razão para essa fuga de capitais, comum a muitos outros países emergentes, é ligada as altas nas taxas de juros nos EUA.
As expectativas de uma política monetária mais restritiva já estavam movimentando os mercados no primeiro trimestre de 2022, e acabaram se concretizando com o movimento do Federal Reserve (Fed).
E nessa alta dos juros, o banco central chinês só pode ser espectador, já que o abrandamento da economia da China impede de subir as taxas locais.
Isso significa que a China se tornou menos atraente para os investidores estrangeiros em comparação com os Estados Unidos ou com outras economias emergentes .
No início de abril, os rendimentos dos títulos da dívida pública do governo chinês com vencimento em 10 anos caíram abaixo dos rendimentos do Tesouro dos EUA.
Foi algo inédito nos últimos 12 anos.
Além disso, o yuan atingiu o menor câmbio dos últimos seis meses em relação ao dólar americano.
Portanto, muitos investidores estariam desinvestindo da China e levando o dinheiro para os EUA ou para outros mercados mais rentáveis em termo de juros.
A terceira razão é a desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) da China.
Os investidores estão preocupados com uma nova redução do crescimento do gigante asiático por causa dos novos casos de Coronavírus (Covid-19).
A política "Covid Zero" do governo chinês, com lockdowns de cidades enormes como Xangai, terão efeitos negativos pesados sobre a atividade econômica.
A quarta razão, segundo o IIF, é ligada a geopolítica.
Os investidores não residentes estão saindo da China pois temem que o conflito entre o Ocidente e a Rússia, desencadeado após a invasão da Ucrânia, seja destinado a se expandir para outros países asiáticos.
Em particular, os investidores temem uma escalada de sanções econômicas que também possa envolver a China, ainda uma forte aliada de Moscou.
Em janeiro, pouco antes da invasão da Ucrânia, China e Rússia proclamaram que sua amizade “não tinha limites”.
Agora, após a dura reação do Ocidente contra Moscou, com sanções que atingiram pesadamente sua economia, Pequim está preocupada que isso acabe a atingindo também.
Além disso, a guerra na Ucrânia aumentou as preocupações dos investidores sobre o risco da China tentar uma operação militar contra Taiwan, para uma reconquista da ilha considerada "rebelde" pelo governo chinês.