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Imposto de JCP supera o das bets: 'anedota infeliz', diz Abrasca

Com PL aprovado pelo Congresso, imposto sobre JCP sobe para 17,5% em 2026, acima da alíquota prevista para casas de apostas

De 15% para 17,5%: tributação de JCP reduz lucro distribuído ao acionista (Carlos Moura/Agência Senado)

De 15% para 17,5%: tributação de JCP reduz lucro distribuído ao acionista (Carlos Moura/Agência Senado)

Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 06h00.

A alíquota de Imposto de Renda retida na fonte dos juros sobre capital próprio (JCP) deve subir de 15% para 17,5% no ano que vem, caso o Projeto de Lei 128, que já teve a chancela da Câmara e do Senado, seja sancionado pela presidência da República. O mesmo PL também prevê tributação para bets, mas de menor proporção — a alíquota, que hoje é de 12%, sobe para 13% no ano que vem. Em 2028, chega a 15%.

Para a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a diferença expõe uma distorção simbólica e econômica.

"Essa é uma das anedotas infelizes do nosso país. Investidores pagarão mais tributo do que apostadores", afirma Pablo Cesário, presidente executivo da Abrasca à EXAME. "A bet paga menos do que investidores no país, gente que coloca capital dentro da própria empresa", acrescenta.

O aumento da tributação sobre o JCP integra o pacote do governo para reforçar a arrecadação e viabilizar o Orçamento de 2026, ano em que a equipe econômica terá de perseguir um superávit primário de 0,25% do PIB — cerca de R$ 34,3 bilhões. A expectativa é de arrecadação próxima a R$ 20 bilhões com as medidas.

Para ajudar o governo a fechar as contas, a Câmara incluiu no texto dispositivos de aumento dos tributos. Um deles é justamente sobre o JCP, que deixa de ter a taxação atual de 15% e vai a 17,5%. Isso significa que a cada R$ 100 distribuídos em JCP hoje, o investidor recebe R$ 85 líquidos. Com a nova alíquota, esse valor cairá para R$ 82,50.

O imposto é recolhido na fonte, o que significa que o impacto é imediato e direto sobre o retorno do investidor.

Além do JCP, o projeto prevê mudanças na tributação das bets, fintechs e a revisão de benefícios fiscais. Mesmo após o aumento gradual, a tributação das apostas seguirá abaixo da incidência sobre o JCP, instrumento usado por empresas para remunerar o capital dos acionistas.

Para Cesário, a diferença de tratamento revela uma inversão de prioridades. "A questão tributária e a justiça social são importantes, sem dúvida. Mas quando vemos investidores pagando mais impostos do que apostadores, isso revela algo preocupante, diz muito sobre as prioridades do país", disse o presidente da Abrasca.

O executivo avalia que quando o ambiente interno, especialmente o tributário e regulatório, se torna hostil, as empresas passam a buscar alternativas fora.

"Tratar mal o investimento significa afastá-lo e a concorrência é global. Hoje disputamos recursos com países como Indonésia, Nigéria, México, Espanha e Portugal. É positivo que empresas brasileiras invistam no exterior, isso aumenta competitividade. O problema é quando elas deixam de ser brasileiras porque o ambiente doméstico as expulsa", disse ele.

A entidade divulgou na tarde desta quinta-feira, 18, uma nota de preocupação sobre o projeto, defendendo que a matéria "seja reavaliada com debate amplo e qualificado, de forma a assegurar segurança jurídica, previsibilidade regulatória e um ambiente favorável ao investimento e ao desenvolvimento econômico do país".

Na avaliação da Abrasca, o problema vai além do aumento pontual de alíquotas. A entidade critica a forma como o PL 128 enfrenta a questão dos gastos tributários no Brasil. Embora reconheça que o país tem um volume elevado de renúncias fiscais, Cesário afirma que o corte linear de incentivos, sem avaliação de efetividade, é "preguiçoso, injusto e ineficiente".

Impacto sobre empresas e investimentos

No caso específico do JCP, a Abrasca alerta para efeitos de curto e longo prazo e também contesta o prazo de isenção garantido aos dividendos. Pela Lei 15.270 de 2025, recentemente sancionada pela Presidência da República, a isenção dos proventos se encerra no dia 31 de dezembro deste ano, antes do fechamento completo do balanço das empresas, em abril de 2026, como estabelece a Lei das S.A.

Cesário avalia que, com a tributação maior sobre a remuneração do capital próprio e a corrida pela antecipação dos dividendos antes da criação da alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil em proventos por mês, as empresas tendem a substituir esse tipo de financiamento por capital de terceiros, o que significa mais endividamento.

"O Brasil sempre teve empresas mais capitalizadas, com maior proporção de capital próprio, justamente porque convivemos com juros altos e volatilidade econômica. Ao tornar o capital próprio menos atrativo, empurramos as empresas para o endividamento", disse o presidente da Abrasca.

Segundo dados levantados pela entidade, entre cerca de 300 companhias abertas analisadas, há aproximadamente R$ 1 trilhão em lucros retidos — recursos que ajudam a financiar investimentos e amortecer choques econômicos. Esse colchão, no entanto, tende a diminuir com a nova tributação, reduzindo a capacidade de investimento das empresas no médio prazo.

Tributaristas avaliam que JCP segue atrativo

Historicamente, o JCP é utilizado como instrumento de planejamento tributário pelas empresas que são tributadas pelo lucro real. Essas companhias, além do IRPJ, pagam contribuição social sobre lucro líquido (CSLL) em cima do lucro apurado.

Ao distribuir parte desse lucro em juros sobre capital próprio, a empresa paga menos imposto, pois o tributo incide na hora em que o provento é pago ao investidor. Além disso, a parcela do lucro distribuída em JCP é considerada despesa dedutível, não incidindo sobre ela a alíquota de 34%.

O advogado Cristian Scheuer, membro da Comissão Especial de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS), avalia, no entanto, que o aumento da alíquota do imposto retido na fonte sobre os juros sobre capital próprio não altera a lógica do instrumento.

As empresas continuam podendo deduzir integralmente os valores pagos a título de JCP da base do IRPJ e da CSLL, mantendo uma economia tributária de até 34%. A mudança afeta principalmente o investidor, que passa a pagar mais imposto no recebimento e, portanto, recebe um valor líquido menor.

Apesar da elevação da tributação na fonte, o tributarista avalia que o JCP segue sendo um mecanismo atrativo, pois preserva sua eficiência fiscal do ponto de vista da empresa e continua funcionando como uma ferramenta relevante de organização tributária e de financiamento dos negócios.

"Mesmo com menor retorno líquido ao investidor, o mecanismo ainda funciona como uma forma eficiente de organização tributária e financiamento do negócio", disse Scheuer.

A análise é compartilhada pelo advogado tributarista Luca Salvoni, sócio do escritório Cascione. Ele acrescenta que o aumento da alíquota em cima dos juros sobre capital próprio não compromete o incentivo ao reinvestimento de capital. "Esse não é um efeito", afirmou Salvoni.

"Mas o governo perdeu uma oportunidade de incentivar a capitalização das empresas. A lógica adotada foi tributar primeiro na pessoa jurídica e, depois, novamente na pessoa física quando há distribuição de dividendos. E ele poderia ter seguido outro caminho: tributar na pessoa jurídica, mas dispensar a tributação adicional de 10% caso a pessoa física optasse por não retirar os dividendos e mantivesse ou recapitalizasse esses recursos na empresa. Isso estimularia o reinvestimento", concluiu o tributarista.

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