Tributação: empresas têm antecipado pagamentos de dividendos para escapar da mordida do Leão (Getty Images/Reprodução)
Repórter
Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 15h26.
A volta da tributação sobre lucros e dividendos após quase 30 anos, prevista para entrar em vigor a partir de janeiro de 2026, desencadeou uma corrida das empresas listadas na bolsa pela antecipação da distribuição de proventos. Desde novembro, R$ 69 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) já foram anunciados por grandes empresas, numa tentativa de remunerar os acionistas antes da nova alíquota de Imposto de Renda (IR) começar a valer.
Diante desse movimento, futuros investidores também se perguntam se vale participar da maratona, investindo nessas ações para capturar esses proventos extraordinários. A resposta, porém, não é simples e está longe de ser consensual.
Do ponto de vista do Itaú BBA, por exemplo, a estratégia não se sustenta como tese de investimento. Victor Natal, estrategista para pessoas físicas do banco e responsável pela carteira de dividendos, lembra que o pagamento desses proventos não cria valor imediato para o acionista.
No dia em que a ação fica "ex-dividendo", ou seja, no dia seguinte ao prazo limite para ter direito aos proventos, o preço do papel é automaticamente ajustado para baixo pelo valor distribuído. Na prática, o investidor apenas troca parte do preço da ação por dinheiro em caixa.
"Se uma ação vale R$ 10 e paga R$ 1 de dividendo, ela passa a valer R$ 9. Antes, o investidor tinha R$ 10 em ações; depois, tem R$ 9 em ações e R$ 1 em dividendo. É a mesma coisa", afirma Natal.
Para o especialista, comprar ações com o único objetivo de receber proventos, sem intenção de manter o papel no portfólio, equivale a "trocar seis por meia dúzia", ainda arcando com custos no meio do caminho.
Ele ressalta que o dividendo não deveria ser o gatilho para alguém entrar na bolsa e que faz sentido investir em ações quando há convicção de que o preço do papel não reflete o valor do negócio, mas porque existe potencial de valorização ao longo do tempo.
"Eu não acho que o dividendo deva ser o gatilho para alguém começar a investir na bolsa. Existem, sim, empresas que pagam bons dividendos e, em alguns casos, faz mais sentido ter ações do que buscar renda em fundos imobiliários ou em títulos de renda fixa. Mas isso não deveria ser o principal motivo para entrar no mercado acionário", diz Natal.
Do ponto de vista fundamentalista, empresas que pagam mais dividendos sinalizam menor capacidade ou necessidade de reinvestir em crescimento. Assim, o especialista conclui que investir em boas pagadoras de dividendos pode ser uma estratégia vencedora no longo prazo, mas entrar na bolsa apenas para capturar um dividendo pontual não é, na visão dele, uma decisão racional.
"Quando o investidor olha só para o dividendo, muitas vezes a relação entre risco e retorno fica desequilibrada. Por isso, não vejo sentido em o investidor procurar a bolsa agora apenas com esse objetivo".
O BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME) adota uma posição intermediária. Para Bruno Henriques, head de análise de renda variável do banco, a estratégia de comprar ações para capturar dividendos é uma tática de curto prazo, que não deve ser confundida com investimento.
O principal risco, segundo ele, é o investidor não querer permanecer como acionista depois que o papel fica ex-dividendo.
"E se o investidor não tem intenção de permanecer no papel no médio e longo prazo, a tendência é querer vender. Se muitas pessoas fizerem isso ao mesmo tempo, o excesso de oferta pode pressionar o preço para baixo, e o investidor corre o risco de devolver, na queda da ação, justamente o valor que recebeu em dividendos", afirma Henriques.
O head de renda variável destaca que a decisão de investimento precisa considerar os fundamentos do negócio e, sobretudo, o preço de entrada. Se o investidor compra a ação no preço errado, corre risco de perda de capital, independentemente da tributação.
"Meu ponto é que o investidor precisa ter clareza sobre o motivo pelo qual está comprando aquela ação. Se a decisão é baseada no longo prazo, faz sentido olhar para um negócio capaz de gerar caixa de forma consistente, se valorizar ao longo do tempo e remunerar bem o capital investido. Isso é diferente de uma estratégia de curto prazo, mais tática, focada apenas em capturar um evento específico, como o pagamento de dividendos. É justamente aí que entra o cuidado", diz o especialista do BTG.
Já Flávio Conde, analista da Levante Investimentos, tem uma leitura mais favorável à estratégia focada em dividendos. Ele cita estudos que mostram que, desde o Plano Real, a maior parte das ações que mais se valorizaram e melhor remuneraram os investidores foram justamente aquelas que pagam altos dividendos.
O especialista também relativiza o efeito negativo do ajuste do preço no dia ex-dividendo. "Porque a empresa distribuiu R$1 que é o valor dela, isso não quer dizer que ela não vai recuperar esse R$1. Tem muita empresa que tira o dividendo no dia seguinte e acaba recuperando nas semanas seguintes", afirma Conde, citando como exemplo grandes pagadoras de dividendos, como bancos, empresas do setor elétrico, transmissoras e companhias de saneamento.
Além disso, o analista avalia que, para quem não precisa da renda imediata, reinvestir os dividendos é suficiente para justificar a compra de uma ação apenas pelo provento anunciado. "Porque esse dividendo que sai do preço tende a voltar ao longo dos dias ou semanas seguintes", ressalta.
O pano de fundo dessa discussão é a mudança tributária sancionada pelo governo federal, que cria uma alíquota de 10% de Imposto de Renda sobre dividendos acima de R$ 50 mil por mês (ou R$ 600 mil por ano), a partir de janeiro de 2026.
A isenção, em vigor há quase três décadas, será mantida apenas para governos, fundos soberanos e entidades de previdência. A medida faz parte do pacote que amplia a faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e reduz parcialmente a tributação para rendas de até R$ 7.350.
No início de dezembro, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou junto ao projeto de lei que eleva a taxa sobre bets e fintech, a isenção de dividendos apurados até o fim deste ano, e cuja distribuição for aprovada até 30 de abril de 2026.
Mas enquanto a nova regra não entra em vigor e que a altera não é aprovada pelo Senado, grandes empresas têm antecipado pagamentos relevantes para dezembro e início de janeiro.