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Ampliação do prazo altera 'corrida pelos dividendos'? Advogados respondem

Apesar do prazo ampliado pelo Senado, insegurança jurídica faz empresas acelerarem a definição dos proventos ainda neste ano

Tributaristas são unânimes em recomendar que as empresas mantenham esforços para deliberar ainda em 2025, evitando o risco de perder a isenção caso a mudança não avance ( nateemee/Envato)

Tributaristas são unânimes em recomendar que as empresas mantenham esforços para deliberar ainda em 2025, evitando o risco de perder a isenção caso a mudança não avance ( nateemee/Envato)

Publicado em 8 de dezembro de 2025 às 10h27.

Advogados tributaristas afirmam que, apesar de oferecer algum alívio, a extensão até 30 de abril de 2026 para aprovação das atas de distribuição de dividendos isentos tem alcance limitado e não resolve a insegurança das companhias diante da tributação prevista para entrar em vigor no próximo ano.

As dúvidas sobre como as empresas devem se organizar nos próximos meses se somam à incerteza sobre a votação na Câmara dos Deputados da ampliação do prazo. Na semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou junto ao projeto de lei, que eleva a taxa sobre bets e fintech, a isenção de dividendos apurados até o fim deste ano, e cuja distribuição for aprovada até 30 de abril de 2026.

A medida alterou a lei recém-sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que ampliou a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês.

O primeiro ponto destacado pelos tributaristas é que a ampliação aprovada na CAE não muda a data-limite da isenção, mas sim o prazo para as empresas deliberarem sobre os dividendos referentes ao exercício de 2025.

Na prática, explica Janaína Michelato, coordenadora da área tributária do escritório Barreto Veiga Advogados (BVA), a regra permite que as companhias fechem suas demonstrações contábeis no prazo habitual e aprovem a distribuição com base em números reais e auditados.

“Assim, seguem protegidos os lucros e dividendos produzidos até 31 de dezembro de 2025, desde que sua distribuição seja aprovada até 30 de abril de 2026”, diz Michelato.

Mariana Miranda, sócia da área tributária do Lobo de Rizzo Advogados, chama atenção para o fato da mudança ainda não ter validade. A aprovação da medida correu em caráter terminativo e foi direto para análise da Câmara dos Deputados, mas ainda precisa do aval dos parlamentares e da sanção presidencial. Até o momento, não há indicativos de que o projeto seja aprovado ainda neste ano.

“A aprovação na CAE da ampliação do prazo teoricamente não muda nada. Considerando que o novo prazo ainda não foi aprovado e, portanto, ainda não é válido, seguimos trabalhando com o prazo de 31 de dezembro de 2025”, afirma a advogada.

Empresas devem deliberar dividendos ainda em 2025, dizem advogados

Desde o início de novembro, companhias anunciaram R$ 68 bilhões em dividendos, sendo pelo menos R$ 35,7 bilhões classificados como extraordinários, de acordo com relatório divulgado pelo BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME).

Essa liberação bilionária tem por trás o fato de empresas listadas na bolsa brasileira estarem antecipando pagamentos de dividendos para evitar a nova tributação de 10%, que entra em vigor em 2026.

A corrida foi prevista por analistas de mercado e já movimenta cifras bilionárias. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) aponta, porém, o risco de uma fuga de capitais de até US$ 300 bilhões com a corrida dos dividendos.

O ritmo acelerado de deliberações no fim do ano, provocado pela perspectiva da nova tributação, poderia ser reduzido caso a ampliação seja confirmada pela Câmara. Para Lucas Barducco, do escritório Machado Nunes, a medida "sem sombra de dúvidas" eliminaria essa antecipação.

"Porque a ampliação do prazo para distribuição de dividendos permitirá às empresas fechar adequadamente o resultado de 2025 e planejar, no ritmo adequado, como destiná-lo", diz Barducco.

Mas, diante da incerteza, os tributaristas são unânimes em recomendar que as empresas mantenham esforços para deliberar ainda em 2025, evitando o risco de perder a isenção caso a mudança não avance.

Um dos debates mais sensíveis é o suposto conflito entre o texto tributário, que autoriza pagamento até 2028, e a Lei das S.A., que exige que os dividendos sejam pagos no mesmo exercício em que forem deliberados. Aqui, as opiniões se dividem.

Barducco entende não haver conflito, porque a lei tributária é específica e posterior. Já os demais tributaristas avaliam que a divergência permanece e pode levar a insegurança jurídica, ainda que existam elementos para defender a prevalência da norma tributária.

“O conflito permanece, pois a legislação tributária permite a isenção mesmo quando os dividendos cuja distribuição fora deliberada em 2025 (ou 2026, conforme a proposta) forem creditados aos sócios/acionistas em anos posteriores (2026, 2027 ou 2028)”, afirma Victor Hugo Scandalo Rocha, advogado especialista em Contabilidade Tributária e sócio fundador da Rocha&Rocha Advogados.

“Porém, a legislação societária continua dispondo que o pagamento dos dividendos deve ocorrer no mesmo ano em que feita a deliberação quanto a sua distribuição”, complementa. Michelato aponta que, nesse caso, a judicialização pode ser um caminho.

A viabilidade de pagar dividendos com ações

O mercado também acompanha o movimento da Abrasca na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, para viabilizar pagamentos por meio de ações preferenciais resgatáveis, uma alternativa que pode ganhar força em meio ao impasse legislativo.

Grandes empresas de capital aberto e listadas no Novo Mercado, segmento de maiores exigências de governança corporativa, buscam por meio da entidade a liberação para que possam realizar a distribuição de dividendos sobre o estoque de lucro utilizando como moeda de pagamento ações preferenciais resgatáveis em bonificação.

Sobre isso, os advogados também divergem. Para Miranda, a operação é viável e tem respaldo jurídico, embora sujeita a risco de questionamento pela Receita Federal, que pode entender que o resgate futuro configura entrega de recursos sem tributação.

Barducco vê a estrutura como uma alternativa legítima, especialmente para empresas com fluxo de caixa apertado, e argumenta que eventual contestação não teria base legal.

Já Michelato e Rocha enxergam maior risco. Para eles, dependendo do desenho da operação, o pagamento pode ser descaracterizado como dividendo e perder a isenção, atraindo tributação como ganho de capital. Rocha acrescenta ainda um problema prático: a exigência de retenção na fonte de 10%, difícil de operacionalizar quando o dividendo é pago em ações, que não geram liquidez imediata.

Em nota à EXAME, a B3 informou que não recebeu nenhum pedido formal da Abrasca para análise de flexibilização das regras do Novo Mercado.

"Até o momento, o único caso recebido e analisado nesse contexto foi o da eventual migração da Axia Energia para o Novo Mercado, conforme divulgado pela própria companhia em fato relevante publicado em 27 de novembro", disse a bolsa.

O que as empresas devem fazer

Caso a mudança não avance na Câmara, os advogados concordam que será necessário acelerar decisões. A sócia da área tributária do escritório Lobo de Rizzo Advogados afirma que muitas companhias já estão apurando resultados parciais com base em balanços intermediários de 30 de novembro, prática que, segundo ele, "tende a se intensificar" nas próximas semanas.

A coordenadora da área tributária do BVA diz que algumas empresas devem recorrer a estratégias como "apurações intercalares" e deliberações condicionadas à confirmação futura do lucro auditado.

O sócio do Machado Nunes Advogados reforça que as companhias precisam assegurar segurança quanto aos números utilizados para não correrem o risco de "distribuir dividendos acima do lucro final".

Já o advogado do escritório Rocha&Rocha lembra que o maior risco societário está na possibilidade de questionamentos de acionistas minoritários.

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