Retrospectiva 2020: o ano em que o PIB percebeu o valor da Amazônia
O aumento das queimadas e do desmatamento nos biomas brasileiros gerou uma forte pressão interna e externa por mudanças na política ambiental
Rodrigo Caetano
Publicado em 30 de dezembro de 2020 às 09h46.
Desde o início do ano, estava claro que o desmatamento da Amazônia seria um tema sensível ao governo em 2020. Já em agosto do ano passado, os números mostravam forte tendência de alta na destruição da floresta . As notícias corriam o mundo.
“Cerca de 150 homens com 80 motosserras derrubaram freneticamente árvores com mais de 20 metros de altura. A corrida para pôr abaixo uma área de cerca de 5.000 hectares antes da temporada de chuvas, em setembro, durou meses. Tudo aconteceu à luz do dia, para quem quisesse ver. No começo de agosto, botaram fogo em tudo. Foi assustador.” O relato do pecuarista mineiro Mauro Lúcio Costa dava o tom do que viria a seguir.
No início de 2020, líderes empresariais aumentaram o volume das críticas à política ambiental de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. A palavra catastrófico passou a ser frequentemente associada ao termo desmatamento .
Em março, estava claro o tamanho do problema. A Amazônia havia perdido, em oito meses, uma área equivalente a três cidades de São Paulo . De acordo com o sistema Deter, gerenciado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de janeiro a abril foram perdidos 1.202 km² de florestas , um aumento de mais de 50% em comparação ao ano anterior. Neste momento, a pandemia adicionava mais um fator de risco, especialmente aos povos indígenas.
A pressão internacional não demorou a aparecer. Supermercados britânicos ameaçaram boicotar os produtos brasileiros ; investidores europeus, que controlam 2 trilhões de dólares em ativos , ameaçaram desinvestir no Brasil ; e gestores de fundos com 20 trilhões de ativos gerenciados, enviaram uma carta aberta ao governo brasileiro alertando que o desmatamento representa um risco sistêmico aos seus portfólios. Os investidores, por sinal, eram os mais preocupados .
Usualmente culpado pelo desmatamento, o agronegócio também se mostrou insatisfeito com o andar da carruagem. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se apressou em dizer que a agricultura e a pecuária brasileiras não precisam da Amazônia para crescer . As empresas do setor vislumbravam problemas para acessar mercados desenvolvidos, especialmente a Europa.
Em julho, numa iniciativa inédita, 38 grandes empresas brasileiras enviaram uma carta ao vice-presidente Hamilton Mourão pedindo o fim do desmatamento . Mourão já havia assumido o Conselho Amazônia, criado para coordenar as ações federais na região e para acalmar os ânimos dos estrangeiros. Entre as signatárias estavam Ambev, Cosan, Itaú, Klabin, Natura, Santander, Suzano e até a Shell . Em algumas semanas, o número de assinaturas chegou a quase 70.
Na tentativa de responder às críticas, o governo brasileiro editou um decreto proibindo as queimadas em todo o país por 120 dias . Mas, apesar do quase consenso entre investidores e empresários do tamanho do problema, o ministro da Economia, Paulo Guedes, viu “exagero” na reprovação da política ambiental de Salles .
Apesar do apelo de Guedes, o ativismo internacional continuou. A sueca Greta Thunberg, símbolo da nova geração de defensores do meio ambiente, prometeu doar mais de 600 mil real para ações de combate ao desmatamento . Para os investidores estrangeiros, como o fundo norueguês Storebrand Asset Management, o maio do país nórdico, a pressão estava funcionando .
Entre os empresários brasileiros, estava cada vez mais claro que o Brasil precisava perceber o valor de preservar a Amazônia .
Os bancos entraram na onda. Bradesco, Itaú e Santander, os maiores do País, criaram uma iniciativa conjunta para desenvolver a região amazônica. Os bancões propuseram 10 medidas para isso e criaram um conselho para orientar a implementação delas. Uma pesquisa patrocinada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrava que os brasileiros estão muito preocupados com a situação na Amazônia .
Neste momento, o general Mourão já lamentava a demora do governo em perceber o cenário. “Entramos tarde no combate ao desmatamento” , afirmou o vice-presidente. Concomitantemente, o Parlamento Europeu rejeitava o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul por questões ambientais. A “marca Brasil” estava arranhada no exterior .
O setor produtivo era quem melhor reagia à pressão. Em três meses, empresas ao redor do mundo empenharam 6 bilhões de reais para salvar não apenas a Amazônia, mas também o Pantanal, que ardia em chamas. Enquanto isso, o Fundo Amazônia, nas mãos do governo, registrava 40 projetos paralisados, que somavam 1,4 bilhão de reais .
Mourão seguiu na vã tentativa de reverter a opinião dos estrangeiros. Em novembro, o vice- presidente organizou um “tour” com ministros europeus pela região . Mas os números jogavam contra. Por causa do desmatamento, o Brasil registrou, no mesmo mês, uma alta de quase 10% nas emissões de gases do efeito estufa . E enquanto Mourão tentava ser um anfitrião simpático, o Conselho Amazônia indicava, em documento, a intenção de restringir a atuação de organizações não-governamentais na Amazônia. Mais uma vez, as críticas foram pesadas .
O empenho de empreendedores garantia algumas boas notícias. O cientista Carlos Nobre, uma das maiores autoridades em clima do mundo, avançou em seu projeto de transformar a Amazônia em um polo de biotecnologia global. Em 10 anos, Nobre prevê que a floresta terá transporte por drones . E um fazendeiro de Rondônia trocou a pecuária pela preservação ambiental e ganhou 18 milhões de reais vendendo carbono . Ele não precisou fazer nada, apenas manteve a floresta em pé.
A questão é que nada foi capaz de conter a destruição da floresta. No final do ano, o Brasil registrou o maior índice de desmatamento na Amazônia dos últimos 12 anos . Se o cenário de 2020 se repetir no próximo ano, a expectativa é de pressão internacional ainda maior e, possivelmente, prejuízos concretos ao país. Basta ver quem o presidente-eleito dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden, colocou para comandar a política climática americana: nada menos que John Kerry, ex-secretário de estado de Barack Obama, que será uma espécie de “czar do clima” de Biden. Kerry já prometeu tratar o assunto como se fosse um conflito mundial de grandes proporções .