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O Parque Barigui, o maior e um dos mais populares de Curitiba, é um dos exemplos inspirados no conceito de cidades-esponja (Getty Images)
Repórter de ESG
Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 18h00.
Última atualização em 16 de dezembro de 2025 às 18h13.
A passagem do ciclone extratropical em São Paulo deixou um rastro de destruição que vai além das árvores caídas e das 2,2 milhões de casas sem energia elétrica: são um retrato da emergência climática, com eventos extremos cada vez mais frequente e intensos nas cidades brasileiras.
Nesta terça-feira, 16, a Defesa Civil do Estado emitiu um novo alerta para tempestades.
Os prejuízos são bilionários. Os desastres climáticos no Brasil causaram perdas de mais de R$ 700 bilhões entre 2013 e 2024, especialmente pela seca extrema, estiagem e chuvas intensas. Em 2024, o país figurou entre as nações mais impactadas pelos efeitos das mudanças do clima.
Diante desse cenário, ganha força no debate sobre resiliência urbana um modelo de infraestrutura ecológica desenvolvido na China: as chamadas "cidades-esponja", uma medida efetiva de adaptação e mitigação climática com resultados promissores mundo afora.
O conceito, um legado do arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu na cidade de Jinhua — onde o encontro de dois grandes rios provoca constantes enchentes —, propõe transformar centros urbanos em áreas capazes de absorver, armazenar e redistribuir a água da chuva de maneira eficaz.
Changsu Song, especialista em ecologia e sustentabilidade urbana da Academia Nacional de Governança da China, conversou com a EXAME sobre o modelo e defendeu sua viabilidade no Brasil. Segundo ela, quase todas as cidades estão enfrentando desafios relacionados à água, em diferentes escalas.
No entanto, diz ser preciso aderir ao princípio de adaptar as medidas às condições locais e ajustar as soluções.
"As grandes cidades [Rio, São Paulo] podem começar. Porque elas estão enfrentando desafios mais sérios e têm uma infraestrutura econômica e tecnológica relativamente boa", disse na entrevista.
Questionada sobre o potencial do país em soluções baseadas na natureza, Song se mostrou otimista. "Há oportunidades políticas, ecossistema florestal de alta qualidade, biodiversidade abundante, boas condições de chuva e calor, conhecimento tradicional ancestral e cidadãos engajados", destacou.
Por outro lado, apontou desafios nacionais como o desmatamento excessivo e a destruição natural. "É preciso prestar mais atenção nisso", lembrou.
Changsu Song esteve no Brasil para participar da Semana de Inovação da Enap (Enap/Gabriela Pires)
Entre outras barreiras, Song citou a carência de fundos e financiamento, tecnologia, planejamento, gestão ou percepção pública para implementação efetiva do modelo.
"Liderança forte e ideias baseadas na ciência são muito importantes para as ações serem bem-sucedidas", garantiu.
O conceito de cidade-esponja foi proposto oficialmente pelo presidente chinês Xi Jinping em dezembro de 2013, durante a Conferência de Urbanização do Comitê Central do Partido. A proposta era "construir uma cidade com depósito, infiltração e purificação natural". Desde então, o país asiático implementou o modelo em larga escala.
"Primeiro, estabelecemos os locais para implementar a construção. Depois, fizemos planejamento científico e ótimos padrões e regulamentos. Ao mesmo tempo, continuamos a melhorar a integração tecnológica", contou Song.
Segundo a especialista, a China realizou projetos-piloto e de demonstração em 90 cidades e mais de 40 mil foram concluídos. "Alcançamos ótimos resultados", frisou.
A infraestrutura ecológica é baseada em princípios de arquitetura paisagística e visa melhorar múltiplos serviços ecossistêmicos — não apenas prevenir enchentes, mas também contribuir para o sequestro de carbono e a neutralização das emissões.
"Regular o processo hídrico e construir infraestruturas integradas pode ajudar a cidade a alcançar múltiplos objetivos, incluindo proteger e restaurar o meio ambiente, controlar inundações, secas e ilhas de calor urbanas, lidar com flexibilidade com marés altas, purificar naturalmente água e solo", detalhou ela.
Uma das inovações deste modelo é atuar em duas frentes: adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
"Além da redução das emissões de carbono, a adaptação não pode ser negligenciada na equação climática", defendeu a chinesa.
Ela explica que a construção de cidades-esponja pode "adaptar os impactos trazidos pela nova realidade do clima, como reduzir inundações, resistir a chuvas intensas e aumentar a resiliência ecológica", ao mesmo tempo em que contribui para "reduzir o consumo de energia e emissões, enquanto contribui para o sequestro de carbono pela vegetação".
Em um cenário global onde as perdas econômicas em decorrência das mudanças climáticas somaram R$ 1,9 trilhão em 2024, a solução ganha relevância estratégica e econômica.
Embora ainda distante da escala chinesa, o Brasil já conta com iniciativas inspiradas no conceito de cidades-esponja.
O caso mais emblemático está em Curitiba, que desde a década de 1970 investe em parques que possibilitam o armazenamento da água da chuva.
O Parque Barigui, o maior e um dos mais populares de Curitiba, ocupa 140 hectares do território de quatro bairros.
Um estudo da Fundação Grupo Boticário aponta que a cada R$ 1 investido no parque são gerados R$ 12,50 de benefícios econômicos à população, tornando a solução viável técnica, econômica e ambientalmente.
Outros municípios brasileiros também têm implementado iniciativas como jardins de chuvas e áreas permeáveis.
São Paulo, Niterói e Belo Horizonte adotaram projetos para absorver, armazenar e filtrar a água da chuva de maneira eficiente. Os jardins de chuvas captam e direcionam a água para áreas ajardinadas, onde ela é absorvida pelo solo, reduzindo o volume que escoa para ruas e rios.
O exemplo mais recente é o primeiro parque alagável do Recife, inaugurado em novembro de 2024 na divisa dos bairros de Areias e Ipsep. O local funciona tanto para atividades de lazer e esportes quanto para mitigar a ação das chuvas.
Recife ganhou o primeiro parque alagável da cidade, localizado às margens do Rio Tejipió (Prefeitura /Divulgação)
As áreas utilizam materiais que permitem a infiltração da água no solo, como pavimentos drenantes e calçadas permeáveis, ajudando a reduzir o escoamento superficial e prevenir enchentes.
Exemplos internacionais incluem o parque de Qunli na China e o Hunters Point South Park, em Nova Iorque.
Diante da nova realidade do clima, resta saber se o Brasil terá a "liderança forte" e as "ideias científicas" necessárias para transformar seus territórios em verdadeiras "esponjas urbanas" antes que o próximo evento extremo volte a "bater na porta".